quarta-feira, 8 de abril de 2009

Monstros

Grotescas distorções de animais e seres humanos, há muito criações da imaginística humana, fazem ocasionalmente parte do mundo real


«Fui despertado completamente por um som sibilante a estibordo », escreveu o capitão John Ridgway, que dormitava aos remos de um pequeno barco de 6 m que ondulava suavemente uma noite no Atlântico Norte. «Olhei para a água e vi repentinamente a forma contorcida de um grande animal, delineada pela fosforescência do mar, como se dele pendesse um colar de luzes de néon. Era de enormes dimensões, cerca de 10 m ou mais de comprimento, e dirigia-se rapidamente na minha direcção. Devo tê-lo observado durante cerca de 10 segundos. Dirigia-se directamente para mim e desapareceu precisamente sob mim. »

Fosse o que fosse, desapareceu sob o barco no qual Ridgway e o seu companheiro, o sargento do Exército Chay Blyth, na altura a dormir, tentavam atravessar o Atlântico a remos.

«Não sou um homem imaginativo», prosseguiu Ridgway no seu relatório escrito, «e procurei uma explicação racional ... Chay e eu víramos baleias e tubarões, golfinhos e toninhas, orcas, peixes-voadores, toda a espécie de seres marinhos; mas este monstro nocturno não era nenhum desses. Relutantemente, tive de concluir que apenas podia tratar-se de uma serpente-marinha. »

A hesitação do capitão é fácil de compreender. A visão de «monstros marinhos» foi durante dois séculos recebida com incredulidade. Quando, nos anos de 1800, alguns pescadores escandinavos comunicaram que haviam visto uma lula gigante, a opinião geral foi de que eles a haviam inventado com a ajuda de vários copos de vinho; qualquer leigo sensato sabia que nenhuma lula media mais do que uma média de 20 cm. E quando, em 1861, o comandante e toda a tripulação da corveta francesa Alecton, que seguia de Cádis para Tenerife, comunicaram que haviam realizado tentativas para apanhar uma lula gigante cujos tentáculos mediam 1,50 m ou 1,80 m de comprimento, a Academia das Ciências Francesa concluiu que as testemunhas haviam sofrido uma alucinação colectiva.

Mas o capitão John Ridgway viu o monstro em 1966 – e não era um homem excessivamente imaginativo. Ele e Blyth eram pára-quedistas do Exército Britânico, em gozo de licença, que realizavam a travessia do Atlântico num barco a remos num teste pessoal de sobrevivência e que depois narraram num estilo sóbrio a sua história de 92 angustiosos dias passados no mar. «Apenas posso contar o que vi com os meus próprios olhos», declarou Ridgway, «e actualmente já não sou um descrente.»

O problema que se põe relativamente a este tipo de visões é como é possivel saber se o ser monstruoso avistado é uma criação da imaginação, uma projecção de horrores psíquicos há muito reprimidos ou se constitui de facto prova da existência de algum ser desconhecido. Desde os dragões cobertos de escamas e vomitando fogo e as hidras com cabeças de serpente dos tempos antigos até aos mistificadores seres subaquáticos e homens-macacos da actualidade, monstros passíveis ou não de existir tem suscitado regularmente perguntas destas. Habitualmente enormes, quase sempre repulsivos, geralmente ameaçadores e por vezes instantaneamente letais, animais misteriosos desempenharam papéis ambivalentes desde a primeira vez em que se contaram histórias.

O psicólogo infantil Bruno Bettelheim, que explora a importância psicossocial dos contos de fadas no seu livro The Uses of Enchantment, afirma que o homem cria monstros a fim de dar forma aos seus medos. «Ansiedades sem nome são muito mais ameaçadoras do que qualquer coisa a que podemos atribuir um nome e uma forma», salienta o Dr. Bettelheim. «O que quer que conheça- mos, ou acreditemos conhecer, é mais tranquilizador do que o desconhecido. » E os aspectos menos atraentes da psique humana são mais facilmente enfrentados quando projectados em qualquer outro ser, factual ou fictício. Monstros simiescos, tais como o fantástico King Kong, são, no dizer do Dr. John Napier, biólogo de primatas e entusiasta estudioso de monstros, «repositórios convenientes para tudo o que é selvagem, ignóbil e libidinoso no homem».

O homem primitivo, receando o desconhecido, imaginou um mundo subterrâneo escuro e maléfico no qual o Sol desaparecia todas as noites. Para fora deste poço labiríntico arrastava-se o dragão que expelia fogo, o primeiro monstro protótipo imaginado pelo homem, ser gigantesco de um mundo inferior habitado por répteis, desde lagartos e cobras venenosas de pequenas dimensões a grandes pitões e boas. As características do lagarto e da cobra fundiram-se, foram ampliadas e receberam uma aura maléfica ... e assim nasceu o monstro dragão.

Em diferentes lugares e diferentes épocas, os dragões do Mundo cresceram em tamanho, adquiriram asas, receberam cabeças extras, passaram a exalar vapores nocivos, a dividir-se em seres terrestres e aquáticos, tornaram-se variadamente bons e maus. Apareceram no Egipto e na Mesopotâmia por volta de 3000 a. C. e na Índia apenas um pouco mais tarde. Na mitologia clássica das antigas Grécia e Roma abundam as histórias empolgantes de lutas entre heróis cruelmente experimentados e animais horrendos, formados quer por partes grotescamente associadas de seres monstruosos, quer por metades de um animal feroz e de um ser humano malévolo. Já em plena Idade Média, os Europeus consideravam os dragões como a encarnação de todo o mal e culpavam-nos até das terríveis epidemias que afligiam grande parte do Mundo. Segundo crença vigente, a fúria divina desencadeara as depredações do dragão; desconheciam-se ainda os microrganismos.

Histórias improváveis, nascidas da ignorância e superstição, são facilmente postas de lado. Mais difícil de rejeitar é a Historie of Serpents, de Edward Topsell, datada de 1608, na qual o autor inglês descrevia como um dragão se enrolava em torno de um animal selvagem de porte considerável – um elefante, por exemplo – e o esmagava impiedosamente até a morte. «Chegam a esconder-se em árvores», explicou Topsell, «cobrindo a cabeça e deixando o resto do corpo pender como uma corda. Nessas árvores, espiam a aproximação do elefante que vem comer os ramos; então, repentinamente, antes de este se aperceber do que se passa, saltam-lhe para o focinho e arrancam-lhe os olhos. Depois enrolam-se-lhe em torno do pescoço e com as caudas ou apêndices traseiros chicoteiam e atormentam o elefante até o deixarem sem respiração, pois estrangulam-no com as partes dianteiras enquanto os agridem com as traseiras. » Uma descrição notavelmente completa de como um grande pitão, talvez com 9 m de comprimento, pode esperar e cair sobre a sua presa.

Poucos eram os europeus contemplados com o privilégio de ver pitões, mas viajantes de tempos mais remotos divulgaram nos seus países natais histórias de animais extraordinários que, actualmente ainda, é possível reconhecer como reais: elefantes, girafas, tigres de Bengala, hipopótamos e crocodilos. Já nos séculos V e IV a. C. viajantes de regresso aos seus países entusiasmaram os seus ouvintes com descrições plausíveis de estranhos seres humanos talvez mais notáveis ainda do que répteis gargantuescos ou quadrúpedes com chifres e peles impenetráveis. Segundo afirmavam, os exploradores haviam visto homens com cabeça de cão ou acéfalos, seres semi-humanos com um único pé de enormes dimensões ou com pés de cabra; tribos inteiras com orelhas enormemente alongadas e lábios pendentes, ou bicos de aves, ou focinhos de porco, ou um único olho, ou longas caudas.

É possível que histórias dessas raças tivessem origem em observações erradamente interpretadas de seres defeituosos, quer por anomalias genéticas, quer por terem sido sujeitos a mutilações tribais. A acrescentar ainda o testemunho casual de cerimónias tribais que requeriam o uso de máscaras, a observação de olhares excitados de macacos apoiados sobre as patas traseiras, visões distorcidas de enormes aves erectas com bicos abertos ou cabeças ocultas sob as asas, e assim nasceu o monstro com semelhanças humanas. De facto, a combinação de observações genuínas com pormenores imaginados é comum a todos os tipos de monstros.

Nas histórias mais antigas de monstros marinhos é evidente o papel desempenhado pela imaginação, que tece pormenores fantasiosos em redor de uma realidade subjacente. «Na Líbia», escreveu Aristóteles na sua Historia Animalium do século IV a. C., «as serpentes são de grandes dimensões. Os marinheiros que navegam ao longo dessa costa contaram que viram os ossos de muitos bois indubitavelmente devorados por serpentes. E quando se afastaram com os seus navios, foram atacados pelas serpentes, algumas das quais se lançaram contra uma trirreme e a voltaram. » Na Idade Média, estes seres marinhos, largamente descritos por escritores clássicos, foram mais elaboradamente apreciados.

Olaus Magnus, arcebispo de Upsália, mencionou um aterrador ser marinho na sua História dos Povos do Norte, obra aceite pelos leitores, em 1555, como o estudo sírio que pretendia ser. A serpente escandinava, de acordo com o arcebispo, media cerca de 60 m de comprimento por 6 m de espessura e era frequentemente avistada por marinheiros que sulcavam as águas costeiras da Noruega. «Do pescoço pende-lhe pelo vulgar com um cúbito de comprimento, tem escamas afiadas, é preta e possui olhos cintilantes como chamas. »

Um missionário norueguês de nome Hans Egede viu um animal pouco menos aterrorizador durante uma viagem à Gronelândia cerca de dois séculos mais tarde. «Ano 1734, Julho», escreveu ele quando o seu navio se aproximou da colónia dinamarquesa da Boa Esperança, no estreito de Davis. «No dia 6 apareceu um terrível animal marinho que se elevou tão alto acima da água que a sua cabeça ultrapassou os nossos mastros. Tinha um focinho comprido e afilado e barbatanas largas, soprava como uma baleia e revestia-lhe o corpo uma pele dura ... sobretudo na parte inferior tinha a forma de uma serpente, e quando desapareceu outra vez sob a água lançou-se para trás, erguendo acima da água a cauda, que se projectava do seu corpo com o tamanho de um navio.»

Das lendárias serpentes-marinhas a mais temível era sem dúvida o tão receado kraken. «Entre os numerosos seres gigantescos que existem no oceano», escreveu em 1755 Erik Pontoppidan, bispo de Bergen, na sua História Natural da Noruega, «... está o kraken, o ser de maiores dimensões e mais assombroso de toda a criação animal.» De acordo com relatos populares, o kraken, quando à superfície, revelava um comprimento superior a 2,5 km.

Nos finais de 1861, o tenente Bouyer, comandante da corveta Alecton, mencionou outro terrível monstro marinho no relatório em que informava o ministro da Marinha francês de um singular incidente que ocorrera quando o navio seguia de Cádis para Tenerife: «A 30 de Novembro, 100 milhas a NE. de Tenerife, às 14 h», escreveu o oficial francês, «encontrámos um animal monstruoso que reconheci como sendo o polvo gigante, cuja existência tem sido tão discutida e que actualmente parece relegado para o reino do mito. » Os homens da Alecton arpoaram o animal, provido de muitos tentáculos, e passaram um nó corrediço em torno do que parecia ser a sua cauda. Porém, com um violento esticão, o estranho ser arrancou o arpão e libertou-se, e quando a tripulação içou o cabo não encontrou senão um fragmento de 20 kg do terrível monstro que caçara.

No entanto, comunicava Bouyer, «vimos o animal a curta distância, o que permite descrevê-lo com exactidão. Era de facto o calamar gigante, mas a forma da cauda sugeria que pertencia a uma espécie ainda por descrever. O corpo parecia medir cerca de 4,5 a 5,5 m de comprimento. A cabeça ostentava um bico semelhante ao de um papagaio rodeado por oito braços, cujo comprimento oscilava entre 1,50 e 1,80 m. O seu aspecto era aterrador: corpo vermelho-tijolo, informe e viscoso, forma repulsiva e terrível».

Não obstante o cepticismo oficial, continuaram a surgir relatos de extraordinários monstros marinhos. Uma história célebre publicada na Illustrated London News de 20 de Novembro de 1875 narrava a luta mortal entre uma serpente-marinha e uma baleia ao largo da costa do Brasil. «O comandante Drevar, do Pauline, carregado de carvão dos armazéns navais de Sua Majestade em Zanzibar», começava a história, «observou três enormes cachalotes; em torno do corpo de um deles enrolava-se com duas voltas o que parecia ser uma enorme serpente. Tinha o dorso castanho-escuro e o ventre branco, uma cabeça e boca enormes, a última sempre aberta; para além dos anéis, a cabeça e a cauda tinham um comprimento de cerca de 90 m; e o seu perímetro era de cerca de 2,5 ou 3 m. Usando as extremidades como alavancas, a serpente fez rodopiar a sua vítima durante cerca de 15 minutos, após o que arrastou de repente o cachalote para o fundo, pela cabeça.»

Decorridos menos de 20 anos após o episódio da Alecton e do seu desacreditado calamar, obtiveram-se provas irrefutáveis de que pelo menos uma espécie de monstro marinho «irreal » – a lula gigante – habitava realmente as profundezas do oceano. No decorrer da década de 1870, deu às costas do Atlântico Norte um elevado número de grandes corpos providos de tentáculos, e pelo menos um destes monstros foi recuperado vivo. A 2 de Novembro de 1878, três pescadores de um barco de Thimble Tickle, Terra Nova, viram um enorme animal marinho lutando contra a maré enchente. Apanharam-no com uma fateixa com farpas e, quando as ondas o arrastaram para a costa, prenderam-no a uma árvore em terra. O corpo do molusco media cerca de 6 m, e os seus tentáculos aproximadamence 10,5 m cada um. A lula de Thimble Tickle, cujos tentáculos apresentavam ventosas com cerca de 10 cm de diâmetro, parecia ser uma versão desprovida de escamas do lendário kraken; e embora não fossem apanhados nenhuns espécimes de maiores dimensões, há frequentes referências de baleeiros a cachalotes ostentando cicatrizes de ventosas com cerca de 50 cm de diâmetro, o que sugere a existência de verdadeiros monstros de cerca de 80 m.

No entanto, não só muitas das referências a monstros marinhos estão longe de se adaptar à descrição do kraken, como muitas centenas de visões de monstros verificadas ao longo dos anos e ocorridas em todo o Mundo não podem ser consideradas genuínas. Não obstante, parece que na maioria dos casos comunicados se observou de facto algo de inusitado. O zoólogo belga Bernard Heuvelmans, autor de In the Wake of the Sea Serpents, sugere que não apenas um, mas vários tipos diferentes de animais desconhecidos foram vistos e baptizados como «serpentes-marinhas», dada a falta de qualquer outra designação.

Heuvelmans coleccionou e estudou pormenorizadamente 587 relatos de aparições de monstros marinhos datando de 1659 a 1966. Depois de eliminar erros prováveis, falsificações deliberadas e relatos demasiado vagos para terem qualquer fundamento, ficou com 358 casos convincentes. Registando todos os pormenores de observações aparentemente dignas de confiança em cartões perfurados, forneceu os dados a um computador, de cuja análise resultou a classificação de nove tipos distintos de seres subaquáticos anteriormente não reconhecidos, todos com a característica comum de possuírem enormes dimensões, habitantes extraordinários, embora críveis, do submundo aquático que é o lar de lulas de 18 m e de baleias de 30 m.

Por muito bizarros e assustadores que possam ser os monstros reais ou míticos das profundezas do oceano, são, no entanto, desprovidos de um elemento presente em vários seres terrestres que lhes acentua o carácter horripilante: uma inquietante semelhança com o homem. Devido a essa semelhança, um ser vagamente reconhecível como um de nós – um monstro de forma humana ou semi-humana – adquire uma aura aterrorizadora de verdadeira malevolência.

Entre as primeiras e mais persistentes manifestações do homem-monstro conta-se o ser capaz de alterar a sua forma, ou homem-animal. Quer se trate de um lobisomem, um homem-jaguar, um homem-pantera ou um homem-urso – pois a característica animal varia de região para região –, representa uma projecção das características da bestialidade humana.

Episódios de lobisomens na História contam-se às dezenas e talvez mesmo às centenas de milhares. Entre 1520 e 1630, um periodo áureo, só em França registaram-se 30 000 casos. Um caso clássico diz respeito a um tal Pierre Bourgot, de Poligny, um pastor que foi julgado em 1521 por uma série de anocidades. Ao confessar, o réu declarou que 19 anos antes, enquanto procurava umas ovelhas perdidas durante uma terrível tempestade, fora abordado por três cavaleiros negros que haviam inquirido das razões da sua aflição. Bourgot explicou o que se passava e um dos cavaleiros ter-lhe-ia replicado: «Tem coragem. Se tiveres fé, o meu Mestre protegerá as ovelhas perdidas. »

Segundo parece, Bourgot teve fé suficiente, pois não tardou a encontrar o seu rebanho. Alguns dias mais tarde, o cavaleiro negro reapareceu e sugeriu-lhe que se tornasse um servo do Diabo em troca de protecção e riqueza. «Ajoelhei-me e jurei fidelidade a Satã», declarou Bourgot ao tribunal.

Disfarçado de lobo, e por vezes acompanhado por outro lobisomem de nome Michel Verdung, Bourgot cometeu inúmeros assassínios selvagens, escolhendo de preferência vítimas jovens e do sexo feminino. Chegou mesmo a partir o pescoço de uma com os dentes antes de lhe rasgar a garganta. Estes revoltantes passatempos terminaram um dia em que Verdung, com a forma de lobo, saltou sobre um viajante, que ripostou e o feriu. O lobo internou-se rapidamente na floresta, deixando um rasto de sangue que o viajante seguiu. Numa cabana na extremidade do rasto o corajoso viajante encontrou Verdung com forma humana, tendo a sua mulher tratado a ferida sangrenta.

Perante o tribunal fascinado, Pierre Bourgot declarou que se autotransformava em lobo despindo as roupas e esfregando o corpo com um unguento especial fornecido pelo lacaio do Diabo, enquanto Verdung, dotado de um talento natural mais desenvolvido, se autotransformava supostamente em lobo de acordo com a sua vontade. Os dois homens foram executados.

Um episódio similar ocorreu em 1573, quando uma aldeia francesa nas proximidades de Dôle foi aterrorizada por um ser monstruoso que matou e devorou parcialmente várias crianças. Um dia, um grupo de aldeões que surpreendeu um enorme lobo a atacar uma criança notou a acentuada semelhança facial do animal com um eremita local chamado Gilles Garnier. Quando preso e julgado, o suspeito confessou que a sua pobreza e fome o tinham levado a fazer um pacto com um espírito maligno que casualmente encontrara num caminho da floresta. O espíriro dera-lhe um unguento que, quando aplicado no corpo, o transformava num lobo, o que lhe permitia saciar a sua fome de carne. Depois de contar a sua história, Garnier foi queimado vivo.

Em 1589, na pequena cidade de Bedburg, Alemanha, reuniu-se uma multidão de 4000 pessoas para assistir a outra execução, a do conhecido Peter Stubb, ou Stump, descrito num panfleto contemporâneo como um «feiticeiro maléfico que, sob a forma de um lobo, cometeu numerosos assassínios, continuando a sua prática diabólica durante 25 anos, matando e devorando homens, mulheres e crianças». Bedburg fora aterrorizada por aquilo que os seus cidadãos pensavam ser um lobo solitário que matava carneiros e gado em determinadas ocasiões, mas que revelava preferência por seres humanos.

Stubb; um rude lenhador, fora encurralado numa ravina da floresta por um grande grupo de caçadores com uma matilha de cães. Esgravatando à sua volta, de gatas, mordendo e rosnando como um animal feroz, lutara com força inumana até ser vencido. Mais tarde, no julgamento realizado em Colónia, contou a história familiar de um pacto com o Demónio, que lhe dera um «cinto de pele de lobo» e lhe prometera protegê-lo enquanto ele praticasse «actos maléficos e insanos em homens, mulheres e crianças sob a forma de um animal».

O diabolismo adquire um cariz de particular realce na história de Jean Grenier, um jovem sem lar que foi conduzido a julgamento, acusado de ser lobisomem, em Bordéus, França, em 1603, e que, numa confissão jactanciosa, atribuiu a sua carreira a um encontro casual com um cavaleiro alto e negro chamado Senhor da Floresta, indivíduo estranho de carne gelada que o induzira a prestar-lhe vassalagem e o presenteara com os meios de mudar de forma. Transformado através de um unguento mágico e de uma capa de pele de lobo, o rapaz realizara numerosas incursões de caça com outros nove homens-animais de caça semelhante. Mesmo depois de ter sido apanhado, evolucionou pelo aposento de gatas e confessou a sua preferência pela carne feminina. Um tribunal surpreendentemente sagaz descobriu que Grenier era tanto uma vítima como um criminoso, e condenou-o ao recolhimento num mosteiro.

Os investigadores de lobisomens acabaram por acreditar, em número gradualmente mais elevado, que as suas vítimas sofriam de uma doença mental denomiada licantropia. O ser iludido, geralmente de mentalidade subdesenvolvida e eventualmente sob a influência de drogas alucinatórias, acreditava verdadeiramente que podia mudar de forma. Esta convicção, aliada a um terrível sadismo que se concretizava no desejo de carne e sangue, era suficiente para transformar o homem num monstro e, examinada através do véu da lenda e da superstição, era suficiente para convencer as testemunhas de que estavam na verdade perante uma criatura canina, que rosnava e caminhava sobre quatro patas.

Mas a crescente aceitação da licantropia como doença não exorcizou ainda o lobisomem da mente ou da sociedade humana. Numa quente noite de Verão do ano de 1949, a Polícia foi chamada para investigar o que se passava relativamente a um lobisomem detectado num jardim de Roma. Uma patrulha descobriu um jovem de gatas, gritando, coberto de lama, arranhando o solo com unhas longas e afiadas. Mais tarde, no hospital, o homem declarou que perdia regularmente a consciência em noites de lua cheia, durante as quais perseguia caça nas ruas, impelido por algum ímpeto desconhecido.

A questão que permanece é a razão que justifica o desejo de ser lobo. John Godwin, autor de Unsolved: The World of the Unknown, oferece uma explicação plausível: «Indivíduos assaltados e atormentados por ímpetos que sabiam ser sub-humanos podiam desejar escapar à forma humana que se opunha à sua realização; transformando-se em animais, podiam libertar-se de tabus arreigados e satisfazer, sem culpa ou medo, todos os desejos pervertidos que ardiam nas suas mentes. »

Mas, por vezes, o ser humano não necessita de se transformar num animal para ignorar tabus. É já um monstro, um predador de forma erecta no qual não é possível distinguir quaisquer sentimentos humanos. Tal é o vampiro despertado dos mortos e desejoso de sangue, mas que exerce um apelo estranhamente erótico sobre as suas vítimas.

As opiniões variam sobre a identidade exacta do vampiro tradicional. Uns acreditam que ele é um espírito maligno que encarna no corpo de alguém recentemente falecido; outros consideram-no um cadáver animado pela sua alma original. Para se alimentar, necessita do mais vital dos ingredientes corporais: o sangue.

Um vampiro capturado ou desenterrado apresenta como características próprias uma compleição avermelhada e um corpo bem alimentado, aparentemente irradiando saúde. As suas unhas, que cresceram no túmulo, são porém longas e curvas e a sua boca tinge-se de sangue. De acordo com a maioria das lendas, o único processo de destruir um cadáver destes é espetar-lhe um pau no coração, ao que se ouve um grito lancinante e o sangue sugado jorra, e em seguida reduzir a cinzas os restos do cadáver embebido em sangue.

As lendas de vampirismo, tal como as de lobisomens, tiveram as suas raízes em medos tradicionais e em alguns factos. Um desses medos era o de que o morto pudesse regressar aos seus antigos abrigos, particularmente se fora um suicida, um licantropo, um excomungado ou um infeliz sepultado sem os ritos apropriados. Maníacos ocasionais que sofriam de necrofilia ou de qualquer outra perversão ligada a roubo de cadáveres forneciam provas aparentes de que alguns mortos podiam abandonar as suas sepulturas. Outros psicopatas, felizmente ainda mais raros, demonstravam uma sede de sangue patológica ou fisiológica, contribuindo assim com outro elemento para as histórias de vampirismo.

Ocorrências terríveis e misteriosas, tais como assassínios em massa inexplicados e pragas, eram susceptíveis de ser atribuídas a um surto de vampiros, cujo suposto cheiro nauseabundo era indistinguível do dos corpos em putrefacção dos moribundos ou mortos. Indivíduos com rosetas na face e raramente vistos à luz do dia arriscavam-se a ser marginalizados como vilões; no entanto, o número desses indivíduos não era assim tão reduzido. Nos finais da Idade Média, quando o fenómeno do vampirismo fez a sua aparição inicial nas regiões eslávicas e nos Estados bálticos da Europa Oriental, o cruzamento entre os nobres eslavos provocou várias anomalias de carácter genético, entre as quais uma doença rara denominada protoporfíria eritropoiética. Trata-se de uma alteração de pigmentos decorrente de uma produção excessiva de protoporfirina, uma substância básica dos glóbulos vermelhos. O resultado é um prurido insuportável, rubor, edema e fissuras hemorrágicas na pele após exposição à luz solar, por muito breve que a mesma seja. Consequentemente, os doentes evitavam viagens diurnas e saíam apenas à noite. Uma vez que a doença só foi diagnosticada no século XIX, não era de surpreender que até essa altura os indivíduos por ela afectados fossem encarados com um horror que raiava o medo supersticioso.

Mas, provavelmente, a fonte mais comum da noção de vampiro era o enterramento prematuro. Indivíduos em coma, ébrios ou em estado cataléptico eram, não raro, enterrados vivos.

Muito possivelmente devido a tais enterros precipitados, histórias de exumações forneceram um apoio macabro à lenda dos vampiros. Nos princípios de 1732, um aparente surto de vampirismo eclodiu nas vizinhanças de Meduegya, Sérvia, gerando tal pânico que o Governo enviou um destacamento de soldados, incluindo três cirurgiões do Exército, para abrir as sepulturas dos indivíduos que haviam morrido recentemente. A equipa de investigação abriu 13 sepulturas. Apenas em três dos corpos exumados o processo de decomposição seguira o curso normal. Os restantes 10 cadáveres, alguns dos quais sepultados há mais tempo do que os mortos em decomposição, apresentavam carne firme e faces rosadas e, quando dissecados, descobriu-se que continham sangue fresco.

Histórias deste episódio e outras muito semelhantes foram recolhidas por viajantes e divulgadas por toda a Europa. As conotações eróticas, simultaneamente repulsivas e fascinantes, da mordedura mortal não foram desprezadas pelos poetas e outros escritores. Entre aqueles inspirados a celebrar literariamente o vampiro contam-se Goethe, Tolstoi, o poeta Robert Southey, Lord Byron, Théophile Gautier e Alexandre Dumas, pai. Em 1847, um romancista de nome Thomas Prest escreveu um best seller do género (868 páginas de cor sangrento-púrpura), subordinado ao título Varney the Vampire, or the Feast of Blood. Após numerosas tiragens, este «romance que suscitou um extraordinário interesse» foi, sem qualquer cerimónia, relegado para segundo plano com a publicação, em 1897, do arrepiante Drácula, a mais famosa de todas as histórias de vampiros, da autoria do irlandês Bram Stoker.

O Drácula fictício acabou por transformar-se no arquétipo dos vampiros. Mas infinitamente mais horrenda do que qualquer conde da Transilvânia sugador de sangue era a personagem histórica em quem Stoker baseou o seu anti-herói.

Vlad Basarab nasceu na cidade de Schässburg, Transilvânia, por volta de 1430. O seu pai, famoso pela sua crueldade, fora conhecido como Príncipe Dracul, um nome que pode ser traduzido por «dragão», «demónio» ou «vampiro». Mas se Vlad Dracul era impiedoso, era um mero aprendiz comparado com o jovem Vlad, conhecido por Drácula, filho de Dracul.

Drácula foi príncipe da Valáquia, parte da actual Roménia Meridional, em 1448, de 1456 a 1462 e novamente em 1468. Não obstante a coragem que revelou na batalha contra os Turcos, não foram as suas qualidades bélicas que lhe valeram a alcunha, mas a sua natureza de assassino depravado, cuja selvajaria sádica era considerada excessiva mesmo pelos seus sanguinários contemporâneos. Para eles, Drácula era conhecido por Vlad Tepes, ou Vlad, o Empalador, assim denominado por revelar uma preferencia especial em espetar as suas vítimas em estacas.

Durante o reinado de Vlad, o trono da Valáquia foi ameaçado exteriormente por Turcos e Húngaros e interiormente por barões sedentos de poder, que lutavam entre si com uma ferocidade selvagem. Vlad conseguiu protelar as numerosas ameaças à sua coroa assassinando os seus opositores políticos, bem como as suas famílias e amigos, e traindo aliados. Dado que conservou o poder supremo durante vários anos, e possuindo um número considerável de cativos, conseguiu desfrutar de um prazer bastante mais requintado do que a emoção da batalha: assistir à morte lenta de indivíduos aterrorizados. Depois de lhes serem cortados pés e mãos, as vítimas, cuja selecção não obedecia a qualquer critério, eram empaladas em aguçadas estacas de madeira.

O ano de 1476 assinalou o clímax e o termo desta situação. Todo o horror dos anos anteriores fora um mero prelúdio da diabólica orgia final de Vlad. Havia cadáveres empalados em todas as encruzilhadas, cadáveres lançados fora do palácio, pilhas e selhas cheias de cabeças e membros cortados. Em direcção a esta cena de pesadelo marcharam o sultão Maomé II e o seu exército, vindos não por vingança nem para destruir um monstro indescritível, mas para punir os Valáquios por se recusarem a pagar o seu tributo. Durante o confronto, tombou Drácula, cuja cabeça foi levada para Constantinopla sob o braço de um turco vitorioso.

Lendas do tirano sanguinário acumularam-se ao longo dos séculos, emprestando alguma base à crença de que ele era um vampiro. Mas tal não sucedia: Vlad era um demónio humano vivo que se deliciava com o derramamento de sangue, mas que, aparentemente, nunca encarou sequer a possibilidade de o beber. Em contrapartida, a bela condessa Elizabeth Bathory, uma nobre da Transilvânia, não só bebia sangue humano como se banhava nele.

Elizabeth nasceu em 1560 no seio de uma das mais ricas e ilustres famílias da Europa. O seu primo direito era primeiro-ministra da Hungria, outro parente próximo era cardeal e o seu tio Steven, príncipe da Transilvânia, tornar-se-ia rei da Polónia. Por outro lado, tinha outro tio que praticava o culto do Diabo e feitiçaria, um irmão que era um sátiro famoso e uma tia favorita que era uma lésbica igualmente famosa. Elizabeth casou em 1575, com 15 anos, e foi viver com o seu aventureiro marido, o conde Ferencz Nadasdy, conhecido por Herói Negro da Hungria devido à bravura que demonstrava nas batalhas, no Castelo Csejthe, na solitária região de colinas do Noroeste da Hungria. O conde Ferencz em breve partiu para a guerra, e Elizabeth não permaneceu inactiva.

Começou por se divertir com os servos, especialmente criadas jovens. Inicialmente, estas não representavam muito mais do que meros instrumentos de prazer, mas quando Elizabeth foi iniciada nas artes da magia negra e bruxaria pelo seu criado Thorko e por uma ama de nome Ilona Joo, as brincadeiras tornaram-se bizarros rituais.

Quando, em 1600, o Herói Negro morreu por causas indeterminadas, Elizabeth expulsou do castelo a sogra, que desprezava, enviou os seus quatro filhos para casa de parentes e entregou-se totalmente aos seus macabros prazeres. Um dia, ao pentear a condessa, uma aia puxou-lhe acidentalmente os cabelos. Elizabeth bateu-lhe tão violentamente que o sangue jorrou do nariz da serva para a mão da condessa. Elizabeth, que se preocupava com o seu aspecto físico, crendo que a pele manchada pelo sangue da criada ficara mais fresca, mais macia e mais jovem do que anteriormente, mandou imediatamente chamar os seus dois carrascos, o mordomo Yohannes Ujvacy e o feiticeiro Thorko, que cortaram as veias da aterrorizada aia e vazaram o seu sangue numa tina, na qual Elizabeth se banhou.

O primeiro banho de sangue da condessa assinalou o início de uma orgia que durou 10 anos. Cúmplices, quer do sexo masculino, quer feminino, exploravam a região à procura de jovens solteiras, cujo sangue Elizabeth exigia, aliciando-as para o Castelo de Csejthe com promessas de trabalho como criadas. Com o decorrer do tempo, Elizabeth tornou-se incauta, e em vez de mandar sepultar todos os cadáveres, ordenou que os lançassem para os campos para que os lobos os encontrassem e devorassem. Mas uma noite de Inverno, os lobos chegaram tarde. Os matutinos habitantes locais encontraram quatro patéticos cadáveres sob as muralhas do castelo e provocaram um tumulto que chegou ao conhecimento do próprio rei. Um dos próprios primos de Elizabeth, o conde Gyorgy Thurzo, foi encarregado de chefiar um destacamento de soldados num raid nocturno de surpresa ao Castelo de Csejthe, a 30 de Dezembro de 1610.

A patrulha surpreendeu uma cena grotesca e inacreditável. No salão principal do castelo jazia uma jovem morta e exangue. Outra, ainda viva, apresentava uma miríade de marcas de picadas no corpo, e uma terceira, também moribunda, fora terrivelmente torturada. Sob o castelo e nas suas proximidades, os soldados desenterraram cerca de 50 cadáveres.

Sendo nobre, e consequentemente privilegiada, Elizabeth foi colocada sob prisão no castelo, enquanto cerca de 16 membros do seu pessoal doméstico – o seu feiticeiro e cúmplices nas torturas – foram levados para a prisão de Bitcse. Elizabeth recusou-se a confessar ou a argumentar quando foi julgada pelos seus crimes.

Todos os acusados foram considerados culpados. Na sua maioria, foram decapitados e cremados, mas dois foram queimados vivos. A própria condessa foi emparedada no seu quarto, tendo apenas uma estreita abertura através da qual passavam os alimentos, água e ar; sobreviveu quatro anos.

Crimes monstruosos como estes não foram apenas praticados em séculos distantes, Fritz Haarmann, por exemplo, conhecido como o vampiro de Hanover, foi julgado na Alemanha, em 1924, pelo assassínio de 24 jovens, a maioria dos quais ele matou com uma mordedura selvagem na garganta. Casos horrendos como estes estão confinados no tempo e no espaço, e uma vez os seus perpetradores – seres humanos agindo em função da sua própria monstruosa depravação – presos ou mortos, perdem o poder de aterrorizar. Os monstros que nunca perdem esse poder são as formas humanas demoníacas que assombram a mente humana. Foi uma jovem de 19 anos quem criou um dos monstros mais aterrorizadores jamais concebidos, uma imagem que lhe ocorrera durante uma noite insone subsequente a uma conversa perturbadora.

«Quando pousei a cabeça na almofada», escreveu ela posteriormente, «não adormeci, nem se podia dizer que estava a pensar. A minha imaginação possuiu-me e guiou-me espontaneamente, emprestando as sucessivas imagens que me ocorriam ao espírito uma vivacidade que ultrapassava largamente a das visões oníricas. Vi – com os olhos fechados, mas com uma aguda visão mental – o pálido estudante de artes profanas ajoelhado ao lado do ser que criara. Vi o fantasma hediondo de um homem estendido, accionado por alguma máquina poderosa, revelar sinais de vida e agitar-se espasmodicamente num movimento semiviral. »

Mary Godwin, criadora da lenda de Frankenstein, nasceu em Londres em 1797. Era filha de Mary Wollstonecraft, a mais acerba feminista de Inglaterra, e de William Godwin, intelectual radical. Devido sobretudo à recusa de Mary Wollstonecraft a se deixar examinar por médicos do sexo masculino até já ser demasiado tarde, Godwin ficou viúvo 10 dias depois do nascimento de sua filha. Apenas a criança atingiu a idade da compreensão, o pai incutiu nela a noção de que era a responsável pela morte da mãe e que, como tal, teria de expiar essa falta demonstrando as capacidades intelectuais, a coragem moral e as aptidões literárias de Mary Wollstonecraft, tornando-se efectivamente uma substituição da sua própria mãe morta.

Mary foi crescendo e vivendo uma vida de trâmites complicados. Em 1814, quando contava 17 anos, a jovem fugiu com o poeta Percy Bysshe Shelley, levando consigo a sua meia-irmã Jane (mais tarde Claire) Clairmont. Shelley era nessa altura casado, e sua mulher, Harriet, estava grávida, mas ninguém, à excepção de Harriet, pareceu preocupar-se com o facto. O primeiro filho de Mary e Shelley nasceu em Fevereiro de 1815. A criança, do sexo feminino e prematura, morreu em Março. «Sonhei que o meu bebé recuperava a vida», escreveu Mary no seu diário, a 19 de Março; «que apenas estivera frio, e depois de o esfregarmos em frente do lume, ele vivia.» Mas a criança não viveu. Nem um rapaz que nasceu em Janeiro seguinte.

O jovem estudante de ciências Victor Frankenstein foi concebido em 1816, e com ele o seu monstro espectral. Mary, Percy e Claire passavam nessa altura férias em Genebra, onde se haviam instalado numa casa à beira do lago, a pouca distância da enorme Villa Diodati, ocupada pelo libertino Lord Byron e seu amigo John Polidori. Quando o tempo o permitia, uns e outros reuniam-se no lago, onde andavam de barco, diversão convencional na altura, mas o tempo apresentava-se quase sempre desagradável e sombrio. A chuva incessante mantinha-os dentro de casa durante dias a fio, geralmente na espaçosa Villa Diodati.

«Discutiam-se várias doutrinas filosóficas», escreveu Mary mais tarde, «e entre outras a natureza do princípio da vida e a possibilidade de o vir a descobrir e transmitir. Falavam das experiências do Dr. Darwin, que [conforme acreditavam na altura] conservara um pedaço de vermicelli numa caixa de vidro até que, através de algum meio extraordinário, ela começara a mexer-se com movimentos próprios. » Tal processo, porém, não impressionava os poetas-filósofos como um método prometedor de criar vida. O anatomista italiano Luigi Galvani descobrira que, fazendo passar uma corrente eléctrica pela medula espinal de rãs dissecadas, era possível accionar-lhes os músculos das pernas; decorria desta descoberta a possibilidade de reanimar um cadáver; «o galvanismo fornecera indicações dessa viabilidade; talvez fosse possível talhar e reunir as partes componentes de um ser vivo e insuflar-lhes vida».

Durante este mesmo período de chuvas, Lord Byron começou a ler em voz alta histórias macabras. Uma era uma história alemã de fantasmas em que um amante inconstante beijava a noiva na noite de núpcias apenas para a ver metamorfoseada no cadáver em decomposição da mulher que deixara. Assim se criou o cenário que permitiu a Lord Byron sugerir que cada um dos presentes escrevesse uma história de fantasmas.

Em breve se verificou que os poetas perderam o interesse pelo desafio. Tal não aconteceu com Mary, que se tornaria Mrs. Shelley devido ao suicídio de Harriet. As ideias paralelas de morte e criação obcecavam-na. Além do mais, lera histórias de um ser lendário chamado golem, uma figura feita de barro pelo homem e que adquirira uma espécie de vida por meios mágicos. Psicológica e intelectualmente, estava pronta a criar o jovem e brilhante estudante Victor Frankenstein, que, através de um estudo aturado, descobriu o meio de animar matéria sem vida – e então contemplou a sua obra e ficou assombrado.

«Foi numa lúgubre noite de Novembro que assisti à concretização dos meus esforços», declara a personagem de Mary, Victor, sobre a sua criação. A chuva fustigava as vidraças das janelas quando o jovem, exausto, reuniu os instrumentos com os quais infundira vida no ser que criara, um objecto humano com cerca de 2,5 m formado por órgaos roubados de cemitérios. «Vi os sombrios olhos amarelos abrirem-se; respirava com dificuldade, e um movimento convulsivo agitava-lhe os membros. » Deveria ser uma criatura de extrema beleza, pois cada uma das suas partes constitutivas fora amorosamente seleccionada, com vista a conseguir a proporção e a perfeição. Mas ... «Meu Deus! A sua pele amarela mal cobria os músculos e artérias que sob ela trabalhavam; a sua abundante cabeleira era de um negro lustroso; os seus dentes eram brancos como pérolas; mas estes apanágios apenas formavam um contraste mais hórrido com os seus olhos lacrimosos, que pareciam quase da mesma cor que as órbitas brancas e sombrias em que estavam implantados, a sua compleição ressequida e os seus lábios pretos, que nenhuma expressão arqueava. »

Mary Shelley – o nome da escritora em 1818, altura em que o seu livro Frankenstein foi publicado – mergulhara no âmago dos seus medos mais íntimos e profundos e dera forma a uma grotesca figura humanóide que ainda hoje evoca um horror quase universal, porque continuamos a recear que a criação de um monstro precisamente como este esteja perigosamente ao alcance da capacidade do homem. Esta suspeita de que tais realizações possam algum dia ser conseguidas pelo homem é alimentada pelo conhecimento de que a própria Natureza é capaz de produzir híbridos bizarros, talvez menos macabros do que a criação gerada na morte de Mary Shelley, mas não obstante ameaçadores nas suas perversões da forma humana.

Uma noite, nos finais de Junho de 1973, Randy Creath e Cheryl Ray ouviram um ruído e viram agitar-se um matagal próximo. Cheryl procurou um interruptor e Randy levantou-se para observar o que se passava. A notícia, divulgada em Murphysboro, Illinois, prossegue: «Nesse momento ele saiu do matagal. Dominando com a sua altura o atónito casal de adolescentes, estava um ser semelhante a um gorila, de 2,5 m de altura. O cabelo longo, desgrenhado, era de um branco sujo. Exalava um cheiro nauseabundo, como de lodo do rio. » Após um momento que pareceu interminável, a criarura voltou-se e internou-se no matagal, seguindo na direcção do Big Muddy River.

Embora Randy, de 17 anos, fosse filho de um soldado de cavalaria, a sua história poderia não ter merecido crédito se ele e Cheryl tivessem sido as únicas testemunhas. Mas o estranho ser foi visto várias vezes durante um período de semanas por numerosas pessoas, incluindo três empregados de circo ambulante difíceis de enganar, uma criança de 4 anos e um casal adúltero que não pretendia chamar as atenções. Os observadores – excluindo a criança, que disse ter visto «um grande fantasma » – descreveram independentemente um ser com cerca de 2,5 m de altura, 150 a 200 kg de peso, revestido de pelo de cor clara e coberto de lama. Toda a força policial de Murphysboro, formada por um contingente de 14 homens, guiada por um cão e pelo seu treinador, abriu caminho através do matagal na pista do monstro desconhecido. Encontraram um rasto de ramos partidos e erva esmagada, onde havia vestígios de lodo escuro, que rescendia a lodo das águas dos tanques de esgotos situados entre a casa de Cheryl Ray e o rio. Seguindo o rasto, os investigadores chegaram a um celeiro abandonado, onde aquele desaparecia completamente.

Mais tarde, ouviu-se várias vezes um grito penetrante. Pegadas peculiares foram vistas nas margens lamacentas do rio. Os cães farejaram um odor desconhecido e revelaram pânico. Os caçadores dirigiram-se em grande número para a área com carabinas e espingardas. Mas o misterioso ser nunca foi encontrado.

Segundo opinam alguns investigadores, uma deformação genética num enorme símio pode ser responsável por uma família de indivíduos erectos, de pêlo emaranhado, geralmente fugidios e exalando um cheiro pestilento, que apresentam uma acentuada, embora distorcida, semelhança com o homem e conhecidos por nomes como sasquatch, bigfoot (pé grande), iéti, abominável homem das neves, antropóide dos pântanos e antropóide mal-cheiroso. Outros apoiam teorias que implicam alucinações, efeitos de alcoolismo ou imaginação hiperactiva.

Na sua manifestação como abominável homem das neves, ou iéti, o peludo hominídeo é conhecido dos aldeões dos Himalaias há pelo menos dois séculos; os Tibetanos incluem-no automaticamente numa lista da fauna local, juntamente com ursos, leopardos da neve, civetas e macacos. O mundo ocidental teve conhecimento da tradição do iéti em 1832, quando B. H. Hodgson, residente britânico na corte do Nepal, referiu num artigo que os seus carregadores nepaleses tinham ficado aterrorizados com uma criatura que descreviam como erecta, desprovida de cauda e revestida de pêlos longos e escuros.

Decorreram mais de 50 anos antes que outro ocidental encontrasse novas provas corroborativas da existência de um animal desconhecido nos Himalaias. O major L. A. Waddell, oficial médico, doutorado em Direito e membro da Sociedade de Lineu, viu enormes pegadas na neve em Sikkim, a cerca de 5270 m de altitude, os seus carregadores informaram-no de que se tratava de pistas de iéti. No seu livro Among the Himalayas, Waddell examinou a arreigada crença dos Tibetanos no peludo homem das neves, conhecido como yeh teh no dialecto sherpa.

Descobertas dispersas de rastos extraordinários, visões fugazes de homens animalescos inidentificáveis e relatos de estranhos ataques por parte dos alegados iétis aumentaram lentamente no 2.º quartel do século XX, mas a maioria dos ocidentais acreditava que o verdadeiro habitat do homem das neves era o reino da fantasia. Então, em Novembro de 1951, os montanhistas britânicos Eric Shipton e Michael Ward descobriram um conjunto de enormes pegadas impressas na neve da montanha. Os dois alpinistas, regressados de uma expedição de reconhecimento ao Evereste, exploravam o glaciar de Menlung, a 5580 m de altitude, quando se lhes depararam rastos frescos que se estendiam por mais de 1,5 km ao longo da orla da massa de gelo.

À medida que este rasto descia em direcção à neve pouco espessa e cristalina, as pegadas individuais tornavam-se cada vez mais firmes e distintas. Shipton escolheu a mais nítida e bem delineada das impressões e fotografou-a duas vezes, usando numa das fotografias o pé de Ward, que calçava botas, como escala, e noutra o piolet. Tiradas directamente de cima, correctamente expostas e bem focadas, as fotografias de Shipton mostram um pé de cinco dedos com mais de 33 cm de comprimento por 20,5 cm de largura, com um calcanhar excepcionalmente largo.

As caças ao iéti tornaram-se a grande moda durante as décadas de 50 e 60, mas decaíram quando não surtiram qualquer efeito. Em 1970, Don Whillans, chefe da expedição britânica que venceu a encosta sul do Anapurna, encontrou e fotografou no Nepal, a cerca de 3960 m de altitude, um intrigante rasto de pegadas. Nessa noite, ao olhar para fora da sua tenda, viu, banhado pelo luar, um ser simiesco «que se deslocava de gatas» através da crista de um cume. Viu-o apenas uma vez, e por pouco tempo, mas o facto de um alpinista de fama internacional o ter avistado animou os investigadores de monstros de todo o Mundo.

Outra prova da existência de um ser não identificado nos Himalaias surgiu em Dezembro de 1972, quando os membros da Arun Valley Wildlife Expedition fizeram uma viagem de reconhecimento desde o vale do rio entre o Evereste e Kinchinjunga até às alturas ainda por explorar situadas em redor da montanha Kongmaa La. A 17 de Dezembro, o zoólogo Edward W. Cronin, o Dr. Howard Emery e dois ajudantes sherpas estabeleceram um acampamento a cerca de 3670 m de altura. A neve em redor das suas tendas era fresca e firme e não apresentava vestígios de pegadas para além das deles.

Antes do alvorecer do dia seguinte, Cronin foi despertado por um grito excitado de Emery, que se levantara muito cedo. Por entre as tendas era visível um rasto de pegadas frescas, aparentemente não humanas. A investigação indicou que o ser, qualquer que ele fosse, que deixara as pegadas subira uma encosta extremamente íngreme e perigosa, cuja escalada deveria ter requerido uma força e agilidade fenomenais. Antes do nascer do Sol, os dois cientistas fotografaram as pegadas. Mais tarde, nesse mesmo dia, o mamologista da expedição, Jeffrey McNeely, fez moldes de gesso das pegadas. Por consenso geral chegou-se à conclusão de que as pegadas apresentavam uma extraordinária semelhança com a pegada reproduzida nas fotografias de Eric Shipton. Pareciam efectivamente as pegadas de um enorme símio erecto.

Mas havia algum motivo para considerar o hominídeo um monstro temível? Possivelmente. Um ser que deixou pegadas semelhantes atacou uma jovem sherpa perto da aldeia de Machermo, no Evereste, em Julho de 1974. A vítima, Lhakpa Domani, guardava iaques numa pastagem da montanha quando ouviu um estranho som gutural. Voltando-se, viu um enorme ser castanho-avermelhado e semelhante a um macaco com grandes olhos e malares proeminentes. Soltou um grito de terror e espanto, ao que o estranho a agarrou e lançou abruptamente para o lado. O iéti – pois foi como tal identificado pelos aldeões e um oficial da Polícia – voltou-se então para os iaques, um dos quais matou com um soco, e a outro torceu os chifres até lhe quebrar o pescoço. Em seguida, o monstro devorou alguma carne, após o que se afastou, tendo acrescentado outro episódio à crescente colecção de histórias de homens-monstros.

Constitui objecção à existência do iéti o facto de nem um único espécime ter sido jamais capturado vivo ou morto. A mesma falta de provas concretas se verifica relativamente ao seu correspondente ocidental, vulgarmente conhecido por bigfoot. Os índios da Colúmbia Britânica e do Noroeste do Pacífico chamam-lhe sasquatch.

Este monstro constitui um mistério não só persistente como ubíquo; há séculos que faz parte da tradição índia americana e é o tema de 245 lendas originárias tanto do Canadá como dos EUA. O mais antigo registo de pegadas supostamente pertencentes ao bigfoot data de 1811, quando a um conhecido explorador e comerciante de nome David Thompson, que tentava alcançar a nascente do rio Colúmbia, atravessando as Montanhas Rochosas perto do que é actualmente Jasper, Alberta, se lhe deparou uma pista de assombrosas pegadas medindo cerca de 55,5 cm de comprimento por 20,5 cm de largura. Segundo os Índios, as pegadas teriam sido feitas por um dos gigantes que viviam na ilha de Vancôver.

Thompson não encontrou qualquer gigante, mas desde a sua época pelo menos 750 pessoas viram uma criatura que afirmaram ser um sasquatch ou uma espécie afim, e provavelmente outras tantas viram grandes pegadas para as quais não foi encontrada qualquer explicação. Os comunicados destas aparições surgiram desde a costa do Pacífico até ao Michigan, desde o Yukon ao México; e, segundo parece, animais de duas pernas e dimensões gigantescas, hirsutos e pestilentos introduziram-se em vários pântanos e áreas montanhosas.

Os exemplos amontoam-se para confundir os cépticos. Em 1924, um mineiro de nome Fred Beck, que procurava minério de ouro no desfiladeiro Ape, no estado de Washington, cerca de 95 km a norte de Portland, Oregon, disparou sobre um ser simiesco que inesperadamente apareceu na orla do desfiladeiro. Nessa noite, uma horda de monstros semelhantes atacou a cabana ocupada por Beck e vários prospectores seus companheiros, batendo no telhado e nas paredes, aparentemente numa tentativa de forçarem a entrada. Decorridas cinco horas, os frustrados visitantes afastaram-se, deixando centenas de enormes pegadas como prova do seu cerco.

Em 1962, um controlador de tráfego reformado de nome Harlan Ford e um companheiro, Billy Mills, construíram no pântano de Honey Island, um vasto atoleiro inóspito pertencente ao Mississípi e Luisiana, uma cabana que tencionavam usar para casar. Uma manhã, enquanto carregavam víveres para a cabana, os dois caçadores viram uma forma volumosa remexendo na lama a cerca de 9 m de distância. O animal ergueu-se sobre duas patas e olhou-os directamente. Os seus ombros e tórax eram enormes e revestiam-lhe o corpo cerdas acinzentadas, mas a expressão do seu rosto era estranhamente humana. Após um momento, o animal desapareceu.

Não foram poucas as supostas pegadas e moldes de gesso de rastos de bigfoot que se verificou serem falsificações. Mas o biólogo de primatas John Napier está convencido da provável existência do sasquatch. Uma prova que Napier considera particularmente convincente é um conjunto de pegadas detectadas em Bossburg, Washington, em Outubro de 1969, por um talhante de nome Joe Rhodes, que informou da sua descoberta os caçadores de sasquatch Ivan Marx e Rene Dahinden. Analisando o material reunido pelos dois investigadores, Napier constatou, surpreendido, que haviam sido descobertas 1089 pegadas. Com cerca de 44,5 cm por 17,5 cm, eram grandes mesmo para um sasquatch, mas a sua característica mais notável residia no facto de aparentemente terem sido feitas por um estropiado. O pé direito do sasquatch de Bossburg estava deformado, na opinião de Napier em resultado de esmagamento sofrido na primeira infância. «É muito difícil», escreveu Napier no seu livro Bigfoot, «conceber um falsificador tão subtil, tão conhecedor – e tão desequilibrado – que deliberadamente falsificasse uma pegada desta natureza. Admito a possibilidade dessa hipótese, mas considero-a tão improvável que não penso tê-la em consideração. »

Se o ser é real, que é ele? Talvez, como foi sugerido por uma descoberta em Hong Kong, seja uma espécie antropológica que evoluiu isoladamente. Em 1935, Ralph von Koenigswald, paleontólogo holandês, entrou numa loja de um droguista durante uma visita a Hong Kong. Enquanto esperava para ser atendido, passou os olhos pela colecção de ossos e dentes fossilizados do estabelecimento, que, depois de pulverizados, seriam vendidos pelos seus poderes curativos. Num jarro que se encontrava sobre o balcão encontrou um terceiro malar inferior que parecia pertencer a um primata, mas com o dobro do tamanho do maior dente de antropóide jamais encontrado. O lojista não imaginava sequer qual a proveniência do dente ou há quanto tempo ele se encontrava entre as suas mercadorias, mas Von Koenigswald ficou tão excitado com a sua descoberta que passou a maior parte dos 20 anos que se seguiram à procura de espécimes semelhantes. Por volta de 1954, tinha 19 desses dentes enormes, e os paleontólogos chineses haviam desenterrado outros 47. Uma vez que tais dentes eram virtualmente idênticos a dentes humanos, mas seis vezes maiores, Von Koenigswald concluiu que deviam pertencer a uma espécie de antropóide gigante, que na altura baptizou com o nome de gigantopithecus. Descobertas posteriores de espécimes fossilizados na Ásia convenceram os investigadores de que tinham descoberto um hominídeo com mais de 2,5 m de alcura e 300 kg de peso, cuja existência tivera início há cerca de 8 milhões de anos, mas que aparentemente se extinguira durante os últimos 500 000 anos.

Mas ter-se-ia de facto extinguido o gigantopithecus. Na opinião de alguns investigadores, tal não aconteceu ... ou poderá não ter acontecido. O zoólogo Edward Cronin sugere a possibilidade de, durante os meados da época plistocénica, o gigantopithecus asiático ter-se refugiado do Homo erectus nos vales dos Himalaias.

Quanto ao bigfoot americano, pode ou não ser uma variante do gigantopithecus asiático. Não é de surpreender que tenha iludido os caçadores durante tanto tempo. Peter Byrne, fundador da International Wildlife Conservation Society e director do Bigfoot Information Center em Hood River, Oregon, salienta que o sasquatch e as espécies afins têm sido detectados numa área de cerca de 259 000 km, na sua maior parte constituída por terra montanhosa ou densamente arborizada, esparsamente habitada e em alguns lugares virtualmente impenetrável.

Os dias da descoberta zoológica podem estar contados, mas ainda não acabaram. É possível que, com 10% da superfície terrestre do nosso planeta ainda inexplorados, para não falar do fundo do oceano, muitos seres desconhecidos possam continuar por descobrir: enormes mamíferos ou répteis nas profundezas das águas do Mundo; símios hominídeos peludos ou quadrúpedes inimaginados ocultos em pântanos em regressão ou vales remotos. Nos últimos 150 anos, um grande número de mitos antigos tornaram-se factos científicos. Boatos sobre a existência de animais como o gorila, o panda gigante, o hipopótamo pigmeu, o tubarão-baleia, o okapi, o ornitorrinco e o dragão de Cómodo foram objecto de troça até se verificar que eram verdadeiros.

No entanto, de nada serve à Humanidade sugerir que todas as formas obscuras dos nossos medos e fantasias podem ser aniquiladas se concretizadas em termos de cefalópodes marítimos e hominídeos gigantescos e pestilentos. É improvável que a procura racional de tais seres mistificadores deixe o mundo de monstros habitado apenas por animais naturais de aspecto estranho, sim, mas sem outras implicações mais obscuras e aterrorizadoras. Há nos seres a que os homens chamam monstros algo de remoto e incompreensível que transcende os seus corpos físicos. Francis Hitching, investigador do mundo do mistério, conclui que, «quanto mais se investiga este tema, maior certeza se adquire de que há outras forças em acção no Universo, para além dos modelos que conhecemos».

Essas «outras forças» são o verdadeiro mistério e o verdadeiro monstro. Se todas as manifestações físicas forem cabalmente explicadas, restam-nos ainda os terrores amorfos da mente e a nossa própria necessidade de lhes dar forma.


Gigantes: Homens Desmesurados


O gigante humano é talvez o mais familiar de todos os monstros que o homem criou. Modelados à imagem e semelhança do homem, investidos das suas paixões e defeitos, mas dotados de um tamanho descomunal, estes seres surgem nas lendas de todo o Mundo. Na história de Gog e Magog, por exemplo, estes últimos membros de uma raça vencida de gigantes ingleses são forçados por Brutus, seu conquistador, a ficarem de sentinela à entrada do seu palácio na recém-fundada cidade de Londres. Na mitologia grega, os titãs, cíclopes e gigantes são os descendentes de dimensões descomunais dos deuses gregos Úrano (céu) e Gea (terra). Nos relatos bíblicos, os gigantes são o fruto maléfico de anjos caídos e mulheres, enquanto nos mitos noruegueses lhes são atribuídas a criação da Terra e a fundação da raça humana. Na Odisseia, o valoroso e hábil Ulisses sobrepuja facilmente em astúcia o vil e canibalesco gigante Polifemo, possuidor de um único olho. Uma história bíblica paralela narra a vitória de David sobre Golias, simbolizando o triunfo não só da inteligência sobre a força bruta, como do bem sobre o mal, um moralismo que sobreviveu na Europa medieval.

Também nos contos de fadas abundam os gigantes. O psicó1ogo Bruno Bettelheim, em The Uses of Enchantment, defendeu a teoria de que as crianças se identificam facilmente com heróis de pequenas dimensões, mas espertos, que através da sua argúcia iludem e vencem gigantes poderosos. Bettelheim citou o exemplo de um rapazinho que, depois de ouvir a história de «Jack, o Aniquilador do Gigante», observou: «Não há gigantes verdadeiros, pois não! Mas há os adultos, que são como gigantes. »

Na vida real, os gigantes genéticos foram criados, soldados e atracções de espectáculos menores.

Até meados do século XIX, o romantismo e a falta de conhecimentos científicos contribuíram para a ignorância das causas patológicas responsáveis pelo gigantismo humano. Um dos primeiros a salientar a discrepância entre romance e realidade foi o zoólogo francês Isidore Geoffroy Saint-Hilaire, co-fundador da teratologia (ciência que estuda as anomalias e monstruosidades). Geoffroy descreveu um tipo de gigantes como sendo «inactivos, desprovidos de energia, de movimentos lentos ... numa palavra, débeis tanto de corpo como de inteligência». Nos meados do século, compreendia-se já o processo de formação dos ossos, mas não estavam ainda identificados os factores que a regulavam. Quando se descobriu que uma doença conhecida como acromegalia tinha a sua origem em tumores da pituitária, começou a relacionar-se esta causa com o gigantismo – muitas de cujas vítimas apresentavam sintomas acromegálicos, tais como grosseiras características faciais e o aumento alarmante das dimensões da cabeça, mãos e pés nos indivíduos adultos.

A marginalização a que a sociedade os votava e um grande sofrimento caracterizaram as vidas da maioria dos gigantes naturais e genéticos. Vítimas dos seus próprios corpos e da crueldade com que a sociedade os encarava, raramente sobreviviam para além do início da idade adulta, sofrendo não só física como mentalmente. Quatro gigantes irlandeses do século XIX (três dos quais se autodenominavam Patrick O’Brien) viveram no terror de serem dissecados pelos cientistas depois da morte. E o mais alto gigante conhecido, Robert Wadlow, do Illinois, padeceu dores constantes ao longo da sua vida devido ao seu crescimento incontrolável. Aos 10 anos atingira cerca de 2,05 m e quando morreu, aos 22, tinha perto de 2,80 m.



O Povo Pequenino


Tão familiares como as histórias da infância, e não obstante fugidias como um sonho apenas semi-recordado, as fadas habitam um universo paralelo ao nosso de luz e sombra. Os estudiosos procuraram, dentro do possível, classificá-las em dois grupos principais. O primeiro é constituído por todas aquelas que pertencem à raça ou nação das fadas, que habitam um reino oculto e intemporal, governado por um rei ou rainha das fadas. Geralmente de dimensões reduzidas e configuração delicada, estes seres alados e sorridentes vivem num universo de ouro e prata e alimentam-se de iguarias ímpares. Os seres humanos incautos que acidentalmente os encontram cantando e dançaando ao luar arriscam-se a serem vítimas de um encantamento de resultados nem sempre agradáveis: quem quer que resida temporariamente num país de fadas pode pensar que apenas ali permaneceu um dia, enquanto na realidade transcorreram centenas de anos e a sua vida mortal terminou. Não que as fadas desejem que tais situações aconteçam; elas tem poucos motivos para perturbar os seres humanos, e quando, por necessidade, raptam um bebé ou uma parteira mortais, as suas vítimas são devidamente substituídas por uma criança trazida por elas ou uma criança-fada. As fadas que integram o segundo grupo gostam de se imiscuir nos assuntos humanos, por vezes como benfeitoras, outras como agentes perturbadores. Cada uma exerce uma função, vive num habitat ou executa uma actividade: os duendes remendam sapatos durante a noite, os anões extraem ouro do fundo de minas, as banshees, ou mais correctamente bean si, espíritos da morte irlandeses, pranteiam os defuntos até ao seu repouso eterno. Gnomos e duendes são entidades domésticas que executam tarefas enquanto a familia dorme, mas que são igualmente capazes de esconder uma vassoura ou colocar de pé uma arca de farinha, se tal lhes apraz. Alguns consideram esta multidão mágica o último vestígio de uma raça pré-adâmica, outros identificam-na com anjos caídos. Mas há outros ainda que desejam mais do que questionar o problema das fadas: fecham os olhos e esperam que elas os visitem.


O estranho gato de Colombo


Numa carta de 7 de Julho de 1503 enviada do México ao rei e rainha de Espanha, Cristóvão Colombo descrevia um animal surpreendente: «Um besteiro matou um anirnal que se assemelhava a um grande gato, mas muito maior e com rosto semelhante ao de um homem. Trespassou-o com uma seta ... Apesar disso, o animal era tão feroz que o homem teve de lhe cortar uma pata da frente e outra de trás, quando um javali ... avistou esta besta, os seus pêlos eriçaram-se ... Embora o gato tivesse recebido um golpe mortal ... atacou imediatamente o javali, rodeando-lhe a boca com a cauda e apertando-o com grande vigor. Com a pata da frente que lhe restava, estrangulou o javali.»

Cerca de 500 anos mais tarde, o rancheiro Andres Rodriguez Murillo também atingiu a tiro um felino muito invulgar no México. Assemelhava-se a um puma, mas tinha um focinho mais achatado, um corpo mais aerodinâmico e pernas muito compridas. Viria a provar-se que se tratava de uma onça – animal selvagem durante séculos apenas reconhecido pelos mexicanos locais. À excepção da cauda preênsil, a descrição sugere que era muito semelhante ao gato de Colombo.


Monstro de duas cabeças


Em 1562, um monstro marinho grotesco e inclassificável terá sido observado no mar entre Antibes e Nice, segundo o compilador de bestiários Conrad Gesner. Uma ilustração da época mostra essa criatura extraordinária com um corpo oval, uma cabeça em cada extremidade, 12 pernas e uma cauda comprida que emergia da região nasal de uma das cabeças! Cada uma das pernas tinha três ou quatro dedos providos de garras, e a cauda terminava por uma longa barbatana emplumada na ponta. Uma das cabeças assemelhava-se à de um javali, com dentes, olhos, focinho e um par de grandes orelhas semelhantes às de um porco.

O monstro foi registado por Gesner em Zuriquc, Suíça, no quarto volume das suas Históriae Animalium, publicadas entre 1551 e 1587. A história pode ter tido por base a descoberta da carcaça de um animal marinho em estado de decomposição tão adiantado que estaria irreconhecível.


O cão preto de Bungay


Segundo narra Abraham Fleming, no domingo 4 de Agosto de 1577 desencadeou-se uma tempestade sobre Bungay, Inglaterra. Um enorme cão preto apareceu dentro da igreja e «correndo ao longo do corpo principal da igreja ... passou entre duas pessoas ajoelhadas e ... num instante torceu o pescoqo de ambas». Deparando com outro homem, o cão «agarrou-se-lhe de tal maneira às costas que ... ele ficou todo carcomido, como se fosse um pedaço de couro chamuscado ao fogo». Outras provas da presença do cão «permanecem nas pedras e na porta da igreja, extraordinariamente lacerada e riscada, com marcas que parecem ser das suas unhas». As marcas desapareceram, mas outras semelhantes existem na vizinha Blythburgh, que o Cão Preto terá visitado no mesmo dia.

A descrição sugere os efeitos de relâmpagos em bola. A tempestade foi referida nos registos paroquiais de Bungay de l577 e na edição de 1587 das Crónicas de Holinshed, sem mencionarem o cão. Fleming sabia disto, pois ele era um dos editores dessa nova edição das Crónicas. Contudo, ele também era um propagandista puritano. Num panfleto que apelava aos pecadores para que se arrependessem, acrescentou obviamente a aterradora história do Cão Preto à tempestade de Bungay, explorando uma superstição local, a fim de apoiar a interpretação puritana de trovoadas e relâmpagos como castigos de Deus.

Os habitantes da região acreditavam num enorme Cão Preto de olhos de fogo. Por vezes sem cabeça ou invisível, com hálito quente ou passos silenciosos, Shuck, ou Shock, era, frequentememe, arauto de morte. Para os puritanos ele era um cão do inferno, enviado pelo Demónio, mas por ordem de Deus.

Em certas partes do Norfolk e Suffolk, o povo ainda teme o Owd Shuck (o Velho Shuck), como lhe chamam. Ao cair da noite de um dia de Outono de 1938, Ernest Whiteland regressava a pé a casa, de Bungay para Ditchingham, quando viu um cão grande como um vitelo, com pêlo preto em desalinho e olhos vermelhos como fogo. Whiteland afastou-se para o lado para dar espaço ao estranho monstro. Depois, ele desvaneceu-se, mesmo diante do seu olhar incrédulo.


Um monstro no lago Champlain


A contrapartida norte-americana do monstro de Loch Ness pode muito bem ser Champ, o monstro do lago Champlain, situado na fronteira entre os estados do Vermont e Nova Iorque. O lago recebeu o seu nome de Samuel de Champlain, que referiu ter visto no local criaturas de aspecto estranho quando explorava a região entre 1608 e 16I2. Contudo, durante séculos os Índios falaram numa espécie de peixe invulgarmente grande, conhecido por chaousarou.

A 5 de Julho de l977, uma turista, Sandra Mansi, tirou uma fotografia da cabeça, pescoço e dorso de um animal enorme que apareceu à superfície do lago. Dois anos mais tarde o sonar registou qualquer coisa que media 3 – 4,5 m de comprimento e se movia na água. A maioria dos investigadores crê que Champ seja um grande réptil aquático, conhecido por plesiossauro, ou uma baleia serpentiforme, chamada zeuglodon, ambos supostamente extintos há milhões de anos.

São várias as notícias da existência de monstros não identificados nos lagos do Canadá, Suécia, Tibete e muitas outras partes do Mundo. Em 1673, um dragão devorador de cabras terá sido abatido a tiro no lago Nambino, em Itália, por um caçador de ursos. Em Julho de 1883, a revista Scientific American documentava a morte de um monstro aquático de 12 m de comprimento, com três cabeças, escamas e patas enormes, no rio Beni, na Bolívia. Registos não confirmados provenientes do Brasil referem a existência de enormes anacondas de comprimento superior a 9 m. Estes animais, de coloração cinzento-esverdeada, são conhecidos localmente por sucuris gigantes. Na década de 20, um monstro aquático com um longo pescoço e parecido com um plesiossauro atraiu a atenção dos meios de comunicação quando foi visto no lago Branco, na Argentina.

O mistério que envolvia um desses monstros de água doce foi resolvido em 1987 no Noroeste dos EUA. Durante anos, testemunhas oculares referiram que um animal que se alimentava de patos vivia no lago Washington, em Seattle; tais afirmações foram justificadas quando aquele foi encontrado morto. Tratava-se de um esturjão de 3,5 m de comprimento, 400 kg e cerca de oitenta anos – provavelmente, uma boa razão para acreditar que outros monstros de lagos são seres reais e não imaginários.


Serpente com cabeça de gato

Um encontro assombroso com uma criatura extraordinária foi documentado pelo historiador e naturalista Johann Jakob Scheuchzer na sua obra Itinera per Helvetiae, de 1723. Quase no fim de Abril de 1711, um homem identificado como Jean Tinner estava na montanha de Frumsemberg, na Suíça, onde viu «uma horrível serpente com a cabeça erguida sobre várias pregas tortuosas que formavam o seu corpo, de uma cor mesclada de cinzento e preto; media, pelo menos, 2 m de comprimento e tinha uma cabeça como a de um gato e não tinha pés». Tinner feriu-a com um golpe de mosquete e acabou por matá-la com a ajuda do pai. Também referiu que os habitantes da região tinham andado ultimamente a queixar-se de que as suas vacas eram muitas vezes encontradas sem leite, mas o problema terminou depois da morte da serpente.

Desde então, são numerosos os relatos de répteis bizarros e monstruosos vistos nos Alpes, nomeadamente o Tatzelwurm, ou «verme com garras», visto no Sul da Áustria em 1921. Contudo, não se tem notícia de nenhum animal semelhante ao referido por Tinner, e os restos mortais do monstro não foram conservados. Os lavradores de outras partes do Mundo tem referido também que as serpentes negras da América do Norte, as víboras da Europa e as cobras indianas e africanas mungem o seu gado.



O basilisco de Renwick


Em 1733, quando operários procediam à reconstrução de uma igreja na aldeia de Renwick, no Norte de Inglaterra, um horrendo monstro alado irrompeu das suas fundações. Assemelhando-se ao mítico basilisco – réptil que cantava como um galo que teria nascido de um ovo coriáceo posto por um frango e incubado por um sapo –, aterrorizava as pessoas locais, que fugiam e se barricavam em casa. O monstro continuou a voar em círculo por cima das cabeças dos operários, batendo as suas enormes asas, semelhantes às de um morcego, e emitindo gritos de enregelar o sangue.

Então, John Tallantire, um dos operários, armou-se com um ramo de freixo, árvore com fama de ter propriedades mágicas capazes de repelir o mau-olhado e os encantamentos feitos por bruxas. No adro da igreja, travou uma batalha feroz contra o basilisco, acabando por matar o monstro. Os aldeãos, agradecidos, recompensaram Tallantire pela sua valentia, concedendo-lhe a plena propriedade da sua casa e isentando-o de contribuir para a paróquia.

Ainda hoje se conserva na igreja de Renwick um registo deste episódio, mas nunca chegou a ser determinada a identidade zoológica do basilisco de Renwick.


O monstro dos pantanais


Desde o início do século XVII que os europeus que visitavam a África Central referiam a existência de um monstro misterioso. Segundo o Abade Proyart, que publicou uma história do interior africano em 1776, vários missionários tinham visto pegadas que mediam pelo menos 90 cm de perimetro e a mais de 2 m de distância umas das outras.

Os pigmeus dos pantanais do Congo afirmam ter visto o animal misterioso, que designam por mokele-mbembe. Testemunhas oculares descrevem uma criatura semiaquática enorme e tímida, com um corpo do tamanho de um elefante, pernas robustas, uma cauda esguia de 3 m de comprimento e um pescoço com cerca de 1,8 m. O animal deixa pegadas com três dedos, características de certos dinossauros saurópodes, mas diferentes do rasto deixado por qualquer espécie animal contemporânea conhecida. Quando se mostra aos pigmeus figuras de animais vivos e extintos, eles apontam os saurópodes como as que mais se assemelham ao mokele-mbembe. Referências semelhantes chegam-nos dos Camarões e do Gabão, onde o animal é designado por n’yamala.

Desde o início da década de 80, várias expedições de carácter científico procuraram provas da existência real deste estranho animal. Um dos principais investigadores, Roy Mackal, da Universidade de Chicago, levou equipas ao Congo em 1980 e 1981. Embora nenhuma tenha conseguido encontrar o mokele-mbembe, recolheram provas referenciais, incluindo informações sobre o seu principal alimento, um tipo de trepadeira. Em 1985 e 1992, o explorador Bill Gibbons coligiu novos relatos dos habitantes locais.

Mokele-mbembe pode não ser o único dinossauro vivo que habita o Congo. De dois outros possíveis candidatos, um será o agressivo emela-ntouka. Do tamanho de um elefante, tem um chifre comprido e uma cauda pesada que faz lembrar o Monoclonius, um parente do Triceratops. O outro é mbielu-mbielu-mbielu, um animal bizarro descrito como tendo placas sobre o dorso e que os pigmeus identificam com desenhos do Stegosaurus. Poderiam alguns dinossauros ter desafiado a evolução, continuando a viver nos pantanais do Congo? Só explorações futuras poderão confirmá-lo.


SOBREVIVENTES PRÉ-HISTÓRICOS


Até 1938, os zoólogos não aceitavam a sobrevivência de animais pré-históricos, mas em Dezembro desse ano um peixe de 1,5 m de comprimento e barbatanas semelhantes a pernas atarracadas foi capturado vivo perto de East London, na África do Sul. Estupefacto, o ictiólogo J. L. B. Smith identificou-o como um celacanto, uma espécie julgada extinta há mais de 60 milhões de anos!

Esta descoberta sugere que outros animais estranhos vistos noutros locais poderão ser sobreviventes pré-históricos. Do estado de Pahang, Malásia, vem a notícia de dragões dourados no remoto lago Tasek Bera. Há muitos anos que as pessoas que vivem perto do lago falam de grandes monstros cujos pescoços serpentiformes surgem ocasionalmente acima da superficie.

Na Zâmbia e Zimbabwé, as pessoas temem o kongamato – um lagarto voador com asas de 1 m que fazem lembrar às dos morcegos e um longo bico cheio de dentes. Isto descreve perfeitamente o pterodáctilo, que cruzou pela última vez os céus há mais de 64 milhões de anos.

Os viajantes do Alasca e extremo norte do Canadá encontram por vezes animais selvagens semelhantes a lobos que os índios locais designam por waheelas. O criptozoólogo Sanderson sugeriu que se trata de uma espécie sobrevivente de anficiónides – carnívoros tipo «ursos-cães» desaparecidos há cerca de 2 milhões de anos.


Assombrados por «bunyips»


O famoso bunyip da Austrália é uma misteriosa criatura de água doce cuja descrição é tão variada como numerosos são os episódios em que foi visto. Em 1848, um criador de gado avistou um bunyip no rio Eumeralla, em Vitória, castanho e pesado como um grande vitelo, com cabeça de canguru, pescoço longo, crina e uma boca enorme cheia de dentes. Disse-se também que um bunyip com cabeça de foca e barbatana da cauda como a de um tubarão aparecera perto de Dalby, Queensland, cm 1873. O rio Murrumbidgee, na Nova Gales do Sul, tem a sua versão de um bunyip, a que os aborígenes chamam katenpai, com cauda e crina de cavalo, dois pares de pés com membranas, com três dedos cada um, e cabeça de ema. Em 1886, um bunyip de cor clara, do tamanho de um cão grande e com rosto de criança, foi crivado de pedras por homens a cavalo que atravessavam o rio Molonglo, em Camberra.

Alguns bunyips seriam provavelmente focas, dugongos ou crocodilos. O bunyip do Centennial Park, em Sydney (1960), com «cabeça como a de um gatinho, pescoço de tartaruga e cauda como espinhos de porco-espinho», segundo testemunhas oculares, era uma espécie exótica de ave aquática, o pato-almiscarado. Os gritos estrondosos muitas vezes atribuídos aos bunyips são notavelmente semelhantes aos do abetoiro, ave da família da garça-real. Um bunyip típico, descrito pelos aborígenes, é o semi-homem, semi-peixe, moolgewanke, da Austrália Meridional.

Os zoólogos australianos Tim Flannery e Michael Archer sugeriram em 1985 que as lendas associadas a tais criaturas poderiam ter sido inspiradas por antigas visões de enormes herbívoros, marsupiais semelhantes a tapires, conhecidos por palorquestídeos, que podem ter habitado em terrenos pantanosos, mas hoje estão extintos. Seja qual for a identidade do bunyip, parece continuar vivo e de boa saúde.


Monstros das profundezas



A 6 de Agosto de 1848, o HMS Daedalus navegava entre o cabo da Boa Esperança e a ilha de Santa Helena quando dele se aproximou um monstro marinho castanho-escuro com cerca de 18 m de comprimento que se deslocava a 20 km/h. A cabeça e ombros erguiam-se mais de 1 m acima da água, mas não se viam barbatanas nem quaisquer outros meios de propulsão. Os cientistas têm sugerido que se tratava de uma foca ou pitão gigante.

Mas esse foi apenas um dos muitos encontros com monstros marinhos. Owen Burnham, estudioso da vida selvagem, ficou surpreendido ao achar uma enorme carcaça numa praia da Gâmbia em 1983. Burnham não conseguiu identificar esta. Com cerca de 5 m de comprimento, negra em cima e branca em baixo, tinha dois pares de barbatanas, cauda comprida e pontiaguda, maxilas estreitas, com 80 dentes, e narinas na extremidade da maxila superior. Infelizmente, não pode ser estudada de forma exaustiva, pois os nativos deceparam-lhe a cabeça, e Burnham não conseguiu salvar o resto da carcaça.

O animal não podia ser uma baleia nem um golfinho, pois ambos tem barbatanas anteriores e orifícios de expiração dorsais, em vez de narinas terminais. Também não era um arqueoceta, espécie sobrevivente da Pré-História, baleia serpentiforme – esta criatura tinha narinas terminais, mas os membros posteriores eram rudimentares e a dentição menos avançada. O zoólogo Dr. Karl Shuker sugere que a serpente da Gâmbia se assemelha mais a um pliossauro, uma forma de plesiossauro de pescoço curto, ou um crocodilo marinho. Ambos estão oficialmente extintos há mais de 60 milhões de anos!

Há razões para crer que o mar contém tubarões que a ciência desconhece. Em 1880, o capitão S. W. Hanna, dos EUA, descobriu um corpo intacto com pele semelhante à de tubarão e forma de enguia e cerca de 7 m de comprimento. Como muitos tubarões, a boca encontrava-se sob a cabeça achatada, mas tinha apenas três pares de guelras, ao passo que os tubarões actuais tem pelo menos cinco. O corpo foi deitado fora, impossibilitando estudos posteriores.

A 15 de Novembro de 1976, um navio de pesquisa descobriu perto da ilha de Oahu, Havai, um tubarão enorme preso na âncora. Este espécime, conservado para estudo, tinha mandíbulas gigantescas, com mais de 400 dentes minúsculos em 236 filas. Desde então, foram referidos mais cinco espécimes semelhantes.

No ano seguinte, o Alvin, submersível de mergulho de profundidade, desceu 2700 m até ao fundo do oceano perto das Galápagos. Entre as «nascentes» de água quente da zona, a tripulação descobriu uma comunidade de espécies desconhecidas, entre as quais um verme gigantesco com enormes tentáculos vermelhos que vive dentro de um tubo de 2,4 m de altura e um parente da caravela-portuguesa semelhante ao dente-de-leão. Estes seres não recebem luz do Sol e obtêm energia de bactérias, que, por sua vez a obtêm de sulfureto de hidrogénio emitido por reacções químicas ocorridas em respiradouros existentes no fundo do oceano.

Se um mundo autónomno pôde existir nas profundezas do oceano sem ser descoberto até 1977, ainda podem vir a surgir mais monstros marinhos para estudo.



O pé-negro e o pássaro-trovão


Num rigoroso Inverno canadiano no início de 1850, um índio pé-negro chamado Urso Branco deixou a sua tribo e dirigiu-se para a Montanha da Cabeça do Diabo, a nordeste de Banff, em Alberta, para arranjar alimentos. Urso Branco tinha matado um veado e transportava a caçaca atada às costas quando de súbito uma grande sombra surgiu sobre a sua cabeça. Sentiu enormes garras a agarrarem o veado, elevando-o – e a ele também – em direcção ao céu!

O raptor de asas levou Urso Branco até um rochedo, deixando-o cair dentro de um ninho onde estavam duas crias de aves, e depois pousou ali perto. O aterrado caçador percebeu que se tratava de um omaxsapitau – um gigantesco pássaro-trovão, semelhante a uma águia, muito temido pelos índios Pés-Negros. Para seu horror, entre os ossos que viu no ninho reconheceu ossos humanos. Quando o omaxsapitau levantou de novo voo, Urso Branco agarrou-se às patas das duas jovens aves e lançou-se do ninho. As aves abriram as asas, abrandando a descida de Urso Branco. Antes de as largar, o caçador arrancou-lhes duas penas da cauda para as mostrar ao seu povo.

O relato de Urso Branco é apenas um de numerosos outros provenientes da América do Norte que referiam enormes aves de rapina não-identificadas. Os Índios chamam-lhes pássaro-trovão porque, segundo a lenda, as suas asas estão associadas ao som do trovão. Em 25 de Julho de 1977, em Lawndale, Illinois, foram vistas duas enormes aves negras semelhantes a abutres – tinham bicos curvos, pescoços com uma faixa branca e envergadura de asas calculada em mais de 3 m. Uma das aves levantou do solo Marlon Lowe, de 10 anos, do exterior de sua casa e transportou o rapaz, aos gritos, ao longo de 10 a 12 m, antes de o deixar cair. Os ornitólogos insistem que nenhuma ave existente é suficiente grande ou forte para transportar uma criança de 27 kg; contudo, outras testemunhas afirmam ter visto, passado algum tempo, as mesmas aves a voarem para sul.

Há cerca de 8000 anos existiam realmente na América do Norte monstruosas aves de rapina semelhantes a abutres, mas mais activas do que os seus congéneres actuais, de menores dimensões e que se alimentam de carne putrefacta. Fósseis achados por todo o continente revelaram que a espécie mais familiar tinha uma imensa envergadura de asas – chegando a atingir 5 m. Pode ser mais do que coincidência o facto de os relatos acerca destes enormes «raptores» surgirem em regiões onde em tempos viveram espécies semelhantes, supostamente extintas há séculos.



Cabras com garras e estranhos gatos alados


Em 1858, o Abade Emanuel Domenech anunciou que tinha sido visto um estranho animal de pêlo branco na cidade texana de Fredericksburg, nos EUA. Tratava-se do animal de estimação de uma índia – do tamanho de um gato, com garras, mas, de resto, em tudo semelhante a uma cabra com chifres cor-de-rosa. A mulher recusou-se a aceitar dinheiro ou um diamante valioso em troca do seu invulgar animal. Disse que sabia onde se podiam encontrar muitos desses animais e prometeu apanhar alguns, mas nunca mais ninguém a viu.

Em Gatos Misteriosos do Mundo, publicado em 1989, o zoólogo Dr. Karl Shuker identificou outros animais misteriosos que são indubitavelmente felinos. Nas minúsculas ilhas de Solor e Alor, nas Pequenas Ilhas de Sonda, os habitantes descrevem um estranho gato com protuberâncias semelhantes a botões sobre as sobrancelhas, que mais parecem chifres atrofiados. Esta espécie extraordinária continua à espera de ser descoberta pelos zoólogos.

Os gatos alados não são menos bizarros e, surpreendentemente, a sua existência está bem documentada. Em Novembro de 1899, a Strand Magazine publicou uma fotografia de um gato de aspecto normal e com um par de asas peludas a meia distância entre os ombros e os quadris. Outros exemplos incluem um gato sueco com uma amplitude de asas de 60 cm, cuja existência foi noticiada em Junho de 1949; um gato alado preto e branco, exibido durante algum tempo no Jardim Zoológico de Oxford em 1933; finalmente, um espécime preto e branco, observado no País de Gales em 1986, que mais tarde viria a perder as asas.

No início da década de 90, o Dr. Shuker revelou a explicação para este fenómeno. Estes gatos têm um problema de pele raro e pouco conhecido, astenia cutânea felina, que faz que a sua pele estique, formando extensões semelhantes a asas. Estas são quebradiças e muitas vezes soltam-se sem sangrar, dando assim a ilusão de que caíram.




O «kraken» e as lulas gigantes



«Coisas estranhas sobem à superfície para nos observar – os senhores das profundezas do mar.» Assim reza a letra de uma velha canção chamada O Regresso do Almirante. E talvez haja uma grande variedade de «coisas estranhas» que ainda esperam ser formalmente descobertas nas profundezas do oceano.

Alguns seres extraordinários foram já identificados. Por exemplo, sabe-se actualmente que vários contos acerca do kraken, um enorme monstro marinho escandinavo, tiveram por base encontros com lulas gigantes. Um dos casos mais impressionantes ocorreu a 30 de Novembro de 1861, quando a canhoneira francesa Alecton perseguiu um espécime enorme. A tripulação atingiu-o com um arpão a 120 milhas marítimas (cerca de 220 km) de Tenerife, ilhas Canárias, mas era tão grande que não conseguiu icá-lo para bordo. Era cor de tijolo e media 7 m da ponta dos tentáculos até à ponta da cauda.

A hidra da mitologia grega pode ter sido inspirada por relatos de polvos muito grandes, mas há provas que sugerem que a existência de enormes animais com tentáculos são uma realidade, e não apenas invenções. A 30 de Novembro de 1896, os restos de um grande animal marinho deram à costa numa praia perto de St. Augustine, Florida, EUA. Quando Addison Verrill, professor da Universidade de Yale, estudou o caso, identificou o animal como um polvo espantoso com uma amplitude de tentáculos que atingia os 60 m. Em comparação, a amplitude da maior espécie de polvos oficialmente reconhecida atinge mais ou menos 7 m. A afirmação de Verrill foi recebida com tanto escárnio e cepticismo que ele mudou de opinião, acabando por reidentificar os despojos encontrados com os de um cachalote. Contudo, quando em 1957 dois bioquímicos americanos, Dr. Joseph Gennaro e Dr. Poy Mackal, analisaram amostras de tecido daquele animal conservadas na Smithsonian Institution, descobriram que a estrutura celular e a composição química eram mais parecidas com as dos polvos. Afinal, a identificação original de Addison Verrill parece ter sido a correcta.


O «skree» de Culloden



Na véspera de uma batalha que mudou a história da Escócia, um incidente bizarro constituiu um aterrador prenúncio da matança que se seguiria. A 15 de Abril de 1746, em Culloden Moor, nas Terras Altas, as tropas inglesas preparavam-se para enfrentar o exército de Carlos Eduardo, o príncipe Stuart que tentava recuperar o trono inglês.

No acampamento escocês, durante essa noite, o ar encheu-se subitamente com gritos de arrepiar, e os soldados viram uma aparição monstruosa, semelhante a uma harpia, a pairar sobre as suas cabeças. Parecia uma grande ave com asas coriáceas, semelhantes às de um morcego, olhos vermelhos flamejantes – e cabeça de homem. Mais tarde denominada o skree, a criatura parece ter sido mais do que uma alucinação pré-combate. Uma testemunha ocular fidedigna foi Lord George Murray, general muito conhecido pelo seu bom senso. A horrenda aparição acabou por partir e nunca mais foi vista. A batalha do dia seguinte foi um desastre para os Escoceses – com o skree tinham-se desvanecido as esperanças do jovem pretendente e da dinastia Stuart.



O enigma do animal corcunda do México



Em 1780, Francisco Saverio Clavigero, sacerdote jesuíta que viveu no México, publicou a Storia Antica de Messico, em que descrevia um itcuintlipotzotli da região de Michoacán. O desenho que ilustrava o texto de Clavigero mostrava um animal grotesco parecido com um cão do tamanho de um terrier, com uma cauda curta, cabeça pequena e lupina, pescoço quase inexistente, um estranho nariz bulboso, pele quase sem pêlos e, o que era ainda mais curioso, uma corcova pronunciada dos ombros aos quadris.

Alguns investigadores não acreditam que este Quasímodo canino fosse um cão, sugerindo que poderia tratar-se de um roedor da família do porquinho-da-índia. Infelizmente, não chegaremos a sabê-lo, pois o animal está extinto. A última referência a um itcuintlipotzotli parece ter sido a de Madame Calderón de la Barca na sua obra Vida no México. Ela conta que viu um espécime morto do animal numa estalagem do vale de Guajimalco, a pouco mais de 32 km a noroeste da Cidade do México. Estava a ser criado pelos estalajadeiros, mas tornou-se tão feroz que o mataram. Assim desapareceu a criatura que pode ter sido o animal selvagem misterioso mais feio do Mundo.

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