quarta-feira, 22 de abril de 2009

A Arte da Magia

Durante séculos homens e mulheres acreditaram na
existência e no poder do conhecimento secreto e no
elitismo das sociedades ocultas


A magia tem poder para experimentar e compreender coisas inacessíveis à razão humana. Porque a magia é uma profunda sabedoria secreta, tal como a razão é uma profunda loucura pública.

Paracelso (1493-1541)


A magia é a ciência tradicional dos segredos da Natureza que nos foi transmitida pelos magos. Por meio desta ciência, o adepto fica investido de uma espécie de omnipotência relativa e pode operar de maneira sobre-humana – isto é, de uma maneira que transcende a possibilidade normal do homem.

Eliphas Lévi (1810-1875)


O impulso da Humanidade para compreender e controlar as forças invisíveis do Universo é um dos grandes temas da história humana. Ao longo dos séculos, homens e mulheres criaram sistemas notáveis de pensamento e fé, todos capazes de fornecer a ouvintes voluntários uma explicação e interpretação do Mundo, todos alargando as promessas de ordem e de controle.

Nos tempos modernos, continuam a florescer três desses sistemas – religião, ciência e filosofia - ,sustentados pelo peso da respeitabilidade histórica e alimentados pela sua capacidade de se adaptarem, à medida que o homem penetra nos mistérios do mundo natural e luta para aperfeiçoar os seus poderes sociais e cerebrais. Apenas a arte da magia, outrora uma disciplina tão válida como as outras, deixou de merecer os favores intelectuais: como arte de prestigitador teatral, é tolerada; como sistema de crença, é desprezada.

Houve, porém, uma época em que a arte da magia e a averiguação meticulosa e frequentemente dissimulada a sua erudição e dos seus rituais, da sua parafernália e dos seus princípios fundamentais ocuparam as mentes mestres em toda a Europa. E embora actualmente pareçam de difícil aceitação, os dogmas da sua fé – que o homem não é mais do que um modelo à escala reduzida do vasto mundo natural, que todas as existências se ligam em termos quer de oposição, quer de correspondência, que o pensamento intuitivo pode ter uma potência muito superior à da investigação racional, que em todas as épocas tem existido determinados homens possuidores deconhecimento secreto capaz de outorgar poder sobrenatural – continuam, no entanto, a suscitar considerável interesse num mundo–, cada vez mais intrigado pela exploração parapsicológica.

Mesmo antes do aparecimento dos mágicos eruditos e da investigação da magia ritual na Europa do Renascimento, apareceram homens com poderes especiais em terras situadas ao longo da extremidade oriental do Mediterrâneo cujas actividades entravam frequentemente em conflito com sistemas de fé religiosa em vias de desenvolvimento.

«Encontrava-se já antes na cidade um homem chamado Simão que praticava magia e assombrara o povo da Samaria dizendo ser ele próprio algo de grande. Desde o mais pequeno ao maior, todos acredicavam nele. “Este homem”, diziam, “é a Força de Deus chamada a Grande.” » Assim se lê nos Actos dos Apóstolos do Novo Testamento. De acordo com outros primitivos textos cristãos, o mágico Simão era capaz de se tornar invisível, assumia a forma de outras pessoas e de animais, atravessar paredes de pedra, passar ileso pelo fogo e voar. Há uma história segundo a qual Simão, depois de ter sido condenado à morte por Nero, terá sobrevivido à decapitação e se terá tornado um feiticeiro da corte imperial. Talvez a mais famosa de todas as histórias sobre Simão relate as circunstâncias do seu declínio final: tendo desafiado o apóstolo Pedro para um duelo mágico, o feiticeiro estava prestes a voar através de uma janela quando Pedro, recorrendo ao poder da oração, o fez cair morto no chão.

Pouco se sabe sobre a verdadeira vida de Simão, o mágico, ou Simão Magus. Alguns eruditos identificaram-no como sendo Simão, o Gnóstico, chefe de uma primitiva seita herética cristã para a qual o caminho da salvação passava pelo recurso à ciência oculta. Dado que os primeiros padres da Igreja Cristã envidaram todos os esforços para obliterar os textos heréticos, provavelmente a verdade nunca será conhecida.

No entanto, qualquer que seja a conexão entre Simão Magus e os gnósticos, nem o triunfo de Pedro, nem a supressão dos textos gnósticos conseguiram abolir com sucesso determinados dogmas gnósticos. E tal como o cristianismo primitivo devia muito ao judaísmo, também o gnosticismo se valeu provavelmente de antigas crenças orientais e pagãs nas quais os sistemas mágicos eram prática aceite e os encantamentos e numerologia, ou misticismo dos números, eram comuns. Além do mais, quando se tornou independente, o judaísmo procurou refúgio espiritual no seu próprio corpo de conhecimentos secretos, a Cabala, que garantia, se correctamente estudada, a revelação dos segredos da vida. A Cabala, que com toda a certeza deve a maior parte dos seus fundamentos aos princípios dos gnósticos, é considerada como um dos mais antigos sistemas de pensamento místico do Mundo. Uma das suas doutrinas essenciais é que o ser humano possui um
Deslocando-se para norte através das terras dos Bárbaros, várias formas de conhecimento secreto penetraram no baluarte celta da Grã-Bretanha e Irlanda, onde o druidismo, com a sua prática da magia, já florescia.

Porém, e paralelamente a este tipo de magia que recorria fundamentalmente a encantamentos, surgiu um grupo específico de eruditos inspirados pelos textos e outras influências de sistemas estrangeiros de ciências ocultas para os quais a magia parecia ser o meio de alcançar fins extraordinários: a descoberta e o domínio das forças sobrenaturais que actuavam na Natureza. Alguns eram investigadores que, através de pesquisas, começavam a penetrar no campo pouco conhecido da mente humana. Outros eram charlatães convincentes. Outro ainda era um santo católico cujas demonstrações mágicas foram denominadas milagres pela Igreja. No entanto, e apesar das numerosas diferenças que os distinguiam, eram todos versados nessa ciência transcendente a que chamamos magia.

Com a possível excepção do lendário Merlin, que alguns acreditavam ser um bardo galês do século VI e cujos feitos na corte do rei Artur eram inteiramente invenção literária, nenhuma figura encarna tão profundamente o conceito popular do mágico como Fausto, cujo nome é sinónimo de venda da alma ao Demónio em troca de conhecimento e poder. A lenda desenvolveu-se ao longo das suas repetidas narrações, mas existiu de facto um Fausto que se considerava a si próprio mágico, cujo nome de baptismo era ou Johann ou Georg, nascido nos finais do século XV e que a generalidade dos relatos considera ignominioso. A 20 de Agosto de 1507, o físico Johannes Tritheim escreveu ao seu colega Johannes Virdung, professor de Astrologia da Universidade de Heidelberga, sobre Fausto nestes termos: «O homem sobre quem você me escreveu, que ousou chamar-se a si próprio o príncipe dos necromantes, é um vagabundo, um jactancioso e um vigarista.» Os registos municipais da cidade de Ingolstadt respeitantes ao dia 17 de Junho de 1528 continham também uma breve referência à desagradável personagem: «Foi ordenado a um homem que a si próprio se chamava Dr. Georg Faust, de Heidelberga, que gastasse o seu dinheiro noutro lado, e ele comprometeu-se a não iludir as autoridades nem vingar-se delas em virtude desta ordem recebida. »

Nenhum destes escritos explicava por que razão era Fausto desprezado pelos seus actos «mágicos», mas relatos posteriores sugerem motivos para preocupação. Foi dito que Fausto ameaçara uma vez um clérigo, ao jurar que podia fazer todas as panelas da cozinha voar através da chaminé. De acordo com outro relato – segundo parecia ele realizava a maior parte das suas magias em tabernas –, Fausto conseguiu oferecer aos seus amigos intermináveis rodadas de bebidas abrindo numerosos orifícios no tampo de uma mesa, dos quais fez brotar uma variedade de bons vinhos.

O odor sulfuroso do Diabo rodeia grande parte das histórias referentes a Fausto. Dizia-se que este devia o conhecimento e poder que detinha a um pacto que estabelecera com o Demónio. Martinho Lutero, seu contemporâneo, acreditava na verdade deste pacto. Fausto nunca o negou. Mas há certos indícios que sugerem que ele próprio terá feito correr a história na esperança de obter algum lucro pessoal.

Pode perfeitamente acontecer que os relatos confusos que até nós chegaram do Fausto histórico constituam precisamente o que sobre ele de tal modo atraiu as atenções. Mais concretas são as histórias de duas figuras que foram sensivelmente contemporâneas de Fausto e que devem ser classificadas como verdadeiros e honestos mágicos escolares do Renascimento: Cornelius Agrippa, que como Fausto era alemão e nasceu em Colónia em 1486, e o inglês Dr. John Dee, nascido em 1527.

Agrippa, cujo verdadeiro nome era Heinrich Cornelis, era mais um génio perseguido pelo infortúnio do que uma celebridade contemporânea. Quando jovem, frequentou a Universidade de Colónia, onde estudou os neoplatónicos, especialmente o trabalho de Proclo, e descobriu a Cabala. A partir destas duas fontes, Agrippa extraiu o tema que iria enformar a obra de toda a sua vida: a possibilidade de união da consciência humana com o Um, ou Divindade, que está no centro de todas as coisas.

Aos 20 anos, Agrippa era secretário da corte de Maximiliano, imperador do Império Sacro-Romano, que terá enviado o jovem para Paris como espião. Durante a sua estada nessa cidade, Agrippa continuou os seus estudos na universidade, mas em breve se via envolvido numa intriga italiana que terminou em desaire. Após uma peregrinação pela Europa, Agrippa fixou-se durante algum tempo na Universidade de Dole, em França, onde se tornou um conhecido professor de Cabala e recebeu o grau de doutor em Teologia. O interesse que publicamente demonstrava pela Cabala, particularmente pela ciência dos números conhecida por gematria, acabou por atrair sobre ele a ira dos ortodoxos, e devido à pressão que o clero sobre ela exerceu, a filha de Maximiliano, Margarida de Ghent, sua patrona, retirou-lhe os seus favores.

Embora o livro não tivesse sido publicado senão 20 anos mais tarde, foi em Dole, quando contava 24 anos, que Agrippa escreveu a obra-prima da magia pela qual é mais recordado. De Occulta Philosophia é um tratado em três volumes que actualmente ainda continua a ser considerado como um dos textos mais relevantes sobre o tema. Nele, Agrippa afirmava a sua convicção de que a magia nada tinha a ver com o Diabo ou feitiçaria, mas estava relacionada com as aptidões obscuras da mente. Agrippa postulou a supremacia da mente sobre o corpo e foi indirectamente um precursor da moderna teoria psiquiátrica ao afirmar que «a fantasia, ou poder imaginativo, exerce uma influência determinante sobre as paixões da alma quando estas se ligam a percepções sensuais. Pois a imaginação, de seu moto próprio e de acordo com a diversidade das paixões, começa por introduzir no corpo físico uma transmutação sensível que o altera, transformando os acidentes do corpo e deslocando o espírito para cima ou para baixo, para dentro ou para fora».

É difícil estabelecer até que ponto Agrippa terá feito uso destes conhecimentos – saber, em resumo, se ele praticou uma forma de magia psíquica baseada na sua compreensão do funcionamento da mente. As histórias que nos chegaram da sua «magia» nada mais são do que cómico-faustianas. A mais famosa diz respeito a um estudante desafortunado que entrou sub-repticiamente no gabinete do seu mestre enquanto Agrippa se encontrava ausente. Tendo começado a ler o livro de invocações de Agrippa, o jovem foi confrontado por um demónio que involuntariamente convocara. Inquirindo, furioso, da razão da convocatória, o demónio agarrou o infeliz e estrangulou-o. Quando Agrippa regressou, ordenou ao demónio que ressuscitasse a vítima e a mantivesse viva durante o tempo suficiente que lhe permitisse acompanhá-la até à praça do mercado da aldeia, onde uma síncope repentina pudesse explicar a sua morte. O demónio obedeceu às ordens de Agrippa, mas, não obstante, a situação provocou um escândalo.

No fim da vida, Agrippa desligou-se da magia e dedicou-se ao estudo da teologia. Em 1530, publicou De Vanitate et lncertitudine Scientiarum, uma obra desesperada na qual considerava vã a procura do conhecimento. Insensatamente, Agrippa decidiu publicar os primeiros textos que tão apaixonadamente escrevera sobre magia aproximadamente na mesma altura em que publicou os segundos (1531), e em consequência das contradições entre ambos a primeira das obras foi considerada como hipócrita. Nos últimos e escassos anos da sua vida, Agrippa perdeu o crédito de que gozara. Morreu antes de perfazer os 50 anos, prematuramente esgotado e desacreditado pelos seus colegas.

A centelha do seu primitivo interesse pela magia e funcionamento da mente sobreviveu, porém, em De Occulta Philosophia, que exerceria profunda influência nas gerações seguintes de eruditos. Entre estes contava-se o proeminente mago de Inglaterra, Dr. John Dee. Em contraste com a especulação que rodeou Fausto e Agrippa, os factos da vida de Dee estão bem documentados pela sua própria mão e por muitos dos que faziam parte do seu círculo de conhecimentos, um círculo que incluiu pelo menos cinco monarcas ingleses.

Nascido em 1527, filho de um oficial subalterno da corte de Henrique VIII, Dee foi aceite em Cambridge com 15 anos. Reduzindo o seu sono a cerca de quatro horas por noite, conseguiu adquirir uma inacreditável quantidade de conhecimentos, e aos 19 anos tornou-se professor assistente no Trinity College, onde se interessou particularmente pela matemática. Continuou os seus estudos nas grandes universidades de Paris e Lovaina. Já adquirira conhecimentos de alquimia e provavelmente estudara o conteúdo mágico da Cabala.

Quando regressou a Inglaterra, com 24 anos e gozando já da fama de ser extraordinariamente culto, Dee foi preso, acusado de traição e encarcerado. Segundo crença generalizada na época, a posição e o movimento dos corpos celestes influenciavam as pessoas e os acontecimentos na Terra. O erro de Dee fora recorrer aos seus conhecimentos de astrologia para satisfazer o pedido da rainha Maria para que lhe «calculasse a sua natividade». Infelizmente, o horóscopo de Dee não agradou a rainha, também conhecida por Maria, a Sangrenta. Finalmente, Dee foi ilibado das acusações de traição e posto em liberdade em 1555.

Isabel, a irmã mais nova e sucessora de Maria, que encarava Dee com maior benevolência, recorreu a ele para escolher o dia mais favorável à sua coroação.

Finalmente, Dee retirou-se para o campo, onde reuniu uma biblioteca com cerca de 4000 volumes – uma realização assombrosa, tendo em consideração que a biblioteca universitária de Cambridge continha na altura 451 livros e manuscritos. Dee escreveu profusamente sobre matemática, astrologia e geografia; em 1583, elaborou um plano para a colonização da América. Mas os conhecimentos mais profundos a que aspirava sempre lhe fugiram. «Passei toda a minha vida a aprender», escreveu ele. «E descobri (finalmente) que nenhum homem, nem nenhum livro ... foi capaz de me ensinar aquelas verdades que desejava e pelas quais ansiava. »

Enquanto Fausto se voltou para o Demónio, Dee, de natureza devota, tentou comunicar com os anjos. Procurando um vidente, uma pessoa com poderes ocultos que o ajudasse na prossecução dos seus objectivos, escolheu um jovem irlandês de nome Edward Kelley, que gozava de reputação duvidosa, cuja principal actividade como falsificador lhe custara ambas as orelhas. Apesar da sua deficiência, Kelley era convincente ao afirmar a sua capacidade de comunicação com os espíritos. Na primeira tentativa que realizou com Dee, Kelley declarou ter visto um anjo que Dee identificou através dos seus conhecimentos cabalísticos como sendo Uriel. Dee não tardou a ficar fascinado com os anjos de Kelley, e construiu uma «pedra indicadora», uma mesa especial pintada de cores brilhantes e com inscrições apropriadas, tais como os nomes dos sete anjos mais poderosos – Zabathiel, Zedekiel, Madimiel, Semeliel, Nogabel, Corabiel e Lavaniel. Com a pedra indicadora, Kelley era supostamente capaz de comunicar com espíritos, e Dee registava cuidadosamente as conversas. Muito do seu teor era incompreensível, mas alguns extractos pareciam reveladores. Numa ocasião, Dee anotou pormenorizadamente a descrição da decapitação de uma mulher alta e bela; Maria, rainha dos Escoceses, foi executada em 1587 segundo o processo descrito por Dee. Outra vez foi recebido o aviso de que se verificaria um ataque, por mar, de uma potência estrangeira; a Armada Invencível lançou-se contra a Inglaterra em 1588. As anotações no livro de apontamentos de Dee haviam sido registadas em 1583.

Depois da morte do seu sócio Kelley, segundo se crê na cadeia, Dee continuou sozinho a sua pesquisa até à sua própria morte, ocorrida em 1608, aos 81 anos.

Em termos de temperamento, intelecto e realização, seria difícil imaginar alguém mais diametralmente diferente do Dr. John Dee do que José Desa, nascido, cinco anos antes da morte daquele, na aldeia de Copertino, no «calcanhar da bota» de Itália. No entanto, se as aptidões de um mágico são aferidas pela reputação de que o mesmo goza de realizar actos misteriosos e inexplicáveis, este pobre clérigo italiano, a antítese de um erudito, merece ser incluído entre os grandes nomes da história do sobrenatural.

Na escola da aldeia, que frequentou durante um breve período, a falta de atenção e de compreensão de que Desa dava mostras, mais tarde interpretada como sintoma de comunicação mística, valeu-lhe a alcunha de Boca Aberta. Com a idade de 17 anos, Desa decidiu que a religião era o seu único refúgio. Ofereceu-se à Ordem dos Capuchinhos, onde foi colocado a trabalhar no refeitório, mas foi despedido por ter quebrado demasiada louça. Entrou então para a Ordem dos Conventuais.

Finalmente, em reconhecimento da sua piedade, foi recebido na Ordem dos Observantes como noviço em 1625. Em 1628, o Irmão José foi ordenado sacerdote depois de ter sido admitido aos votos religiosos.

A conduta bizarra do Padre José, os seus êxtases durante a missa, atraíram a atenção do Santo Ofício de Nápoles, que o convocou para o examinar. As acusações contra ele formuladas foram retiradas, e o Padre José foi autorizado a celebrar missa em S. Gregório da Arménia. Foi nesta igreja de Nápoles que, segundo corre, se verificou o primeiro dos seus notáveis êxtases. O Padre José, que estivera a rezar num canto da igreja, ergueu-se repentinamente, flutuou no ar, aterrou sobre o altar e, sem que as velas acesas o lesassem, voou de regresso ao local onde estivera a orar. Quando os seus assombrados superiores o levaram ao Vaticano, repetiu a sua notável actuação perante o papa Urbano VIII, e permaneceu suspenso no ar até que o padre geral da Ordem lhe ordenou que baixasse.

Tais feitos poderiam ter caído no domínio da lenda não fora o testemunho de um número de personalidades distintas que garantiram ter presenciado os voos do padre italiano. Uma dessas personalidades foi o duque de Brunswick, sério erudito e patrono do filósofo G. W. Leibniz. Outras incluíam Frederic Maurice de la Tour d’Auvergne, distinto aristocrata francês, e a infanta Maria, filha do duque de Sabóia. Se é difícil acreditar nos feitos do «frade voador», é igualmente difícil compreender por que razão estas personalidades conspirariam para perpetrar uma fraude. É de salientar ainda que vários dos relatos das testemunhas oculares, abrangendo um determinado período de tempo, concordavam no mesmo pormenor: durante os seus voos, as vestes do Padre José mantinham-se caídas, como se uma mão invisível assegurasse o decoro do clérigo.

O Padre José morreu a 18 de Setembro de 1663. «Desta vez», comentou o seu biógrafo, «o espírito voou, deixando o corpo atrás de si. » Um século mais tarde, em 1767, após um exaustivo exame realizado pela Congregação dos Ritos, o notável clérigo foi canonizado como S. José de Copertino.

Não obstante toda a sua inconsistência e falta de provas que os fundamentam, os feitos de Agrippa, Dee e do Padre José tem uma aura de sinceridade. Se tais feitos parecem hoje improváveis, estes homens parecem pelo menos tê-los realizado sem qualquer intenção fraudulenta. Com o raiar do século XVIII, os candidatos a mágicos pareceram ter perdido essa linha de conduta. Com esta transformação, aumentou a popularidade dos grimórios, livros sobre a prática da magia, juntamente com uma confiança crescente nos símbolos, encantamentos e rituais, a maior parte das vezes utilizados para convocar os demónios.

De entre muitos símbolos de conjuração, o círculo mágico, uma circunferência com fins protectores cuidadosamente colocada e desenhada, era essencial, servindo não só para proteger o mágico das forças convocadas, como também para ajudar a focalizar os seus próprios poderes. De acordo com uma edição de Clavícula de Salomão, um dos grimórios que maior influência exerceu, a circunferência era normalmente traçada com uma faca mágica na extremidade de uma corda de 2,70 m de comprimento. Desenhava-se frequentemente uma segunda circunferência no interior da primeira, e na área entre as duas eram colocados objectos que se revestiam de significado especial: plantas que os demónios procuravam evitar, taças de água benta, nomes de poder, cruzes e outros símbolos. Não era permitido quebrar a linha circular, e uma vez o mágico no interior do círculo, este tinha de ser cuidadosamente selado.

Antes, porém, de entrar no círculo, o mágico devia preparar-se a si e ao seu equipamento. Entre os objectos essenciais ao desempenho das suas funções contavam-se uma vara, especificamente cortada de uma avelaneira, uma espada, uma faca e uma túnica. De Occulta Philosophia, de Agrippa, recomendava uma túnica de linho branco que cobrisse o corpo do pescoço aos pés e firmemente cingida por um cinto. Eram evitados os botões, fivelas ou nós, que podiam dificultar a concentração dos poderes do mágico. Orações, jejum, abstinência sexual e abluções eram também considerados importantes. Segundo instruções contidas num antigo grimório: «O operador deve manter-se limpo e purificado durante o espaço de nove dias antes de iniciar o trabalho; deve estar também confessado e receber a Sagrada Comunhão.»

Uma vez todos os preparativos ultimados, a convocação iniciava-se com a entoação de vários encantamentos. Gradualmente, o ritmo acelerava-se, enquanto o poder mental do mágico se concentrava e este procurava encontrar um encantamento que resultasse. Repetiam-se sucessivamence várias palavras, numa litania ora ameaçadora, ora aduladora, ora imperativa, como neste refrão do Lemegeton, um grimório do século XVI: «Pelo terrível Dia do Juízo, pelo Mar de Vidro que está perante o rosto da Divina Majestade, pelos quatro animais diante do trono, com olhos à frente e atrás ... pelo selo de Basdathea, pelo nome Primematum que Moisés murmurou e ao qual a terra se abriu e engoliu Coreh, Dathan e Abriam, responde a todas as minhas perguntas e executa todos os meus desejos. Vem em paz, visível e sem demora. »

Um exemplo fascinante de uma personagem que ganhou a fama e a vida com os apanágios da magia sem jamais realizar qualquer feito manifestamente «mágico» é o misterioso conde Saint-Germain. Surgido inesperadamente nos meados do século XVIII, tornou-se uma figura permanente na corte de Luís XV. Afirmando possuir um conhecimento íntimo e directo da corte da Babilónia e da rainha do Sabá, Saint-Germain dava a entender que o seu período de vida seria tão longo como o de Matusalém e que à sua frente se estendia um futuro ilimitado. A fama do conde parece dever-se largamente a publicidade que ele fez de si próprio, uma vez que, à excepção da sua afirmação de que transformara uma peça de prata em ouro, não se conhecem ligados ao seu nome quaisquer actos de magia.

Se Saint-Germain alcançou fama de ocultista através da força da sua personalidade, um dos seus contemporâneos, conhecido por conde Alessandro di Cagliostro, alcançou-a através de puro engenho. Cagliostro, cujo verdadeiro nome era José Bálsamo, nasceu em Palermo, Sicília, em 1743. Devido a uma fraude com ouro, refugiou-se, bastante novo ainda, em Medina, Arábia, onde encontrou um grego de nome Althotas, um «alquimista» consumado, activo e experiente. Os dois passaram juntos vários anos a viajar pelo Próximo Oriente e África. No Egipto, segundo ele próprio relata, Cagliostro travou «conhecimento com os sacerdores dos vários templos, que tiveram a complacência de me introduzir em locais onde nenhum viajante vulgar jamais entrara».

De regresso a Itália, com cerca de 25 anos, Cagliostro desposou Lorenza Feliciana, uma jovem de 14 anos e grande beleza, filha de uma familia nobre arruinada, e o conde e condessa de Cagliostro começaram a ganhar a vida como mágicos itinerantes. Foi uma vida acidentada a do casal, até que o conde iniciou aquilo a que chamou Franco-Maçonaria Egípcia. Afirmando ter sido iniciado neste ramo exótico da irmandade maçónica através da leitura de um manuscrito descoberto num alfarrabista londrino, Cagliostro tornou-se a única autoridade sobre os preceitos que preconizava e as promessas que garantia. O conteúdo da Franco-Maçonaria Egípcia continua envolto num certo mistério. Não obstante os seus ritos serem supostamente secretos, correram numerosas histórias sobre acontecimentos escandalosos que conseguiram impulsionar o negócio.

Durante um ritual elaborado, o Grande Copta (Cagliostro) foi descido para uma sala numa esfera de ouro, nu e segurando na mão uma cobra. Segundo os relatos, instigou os seus discípulos do sexo feminino a «dispensar o sacrilégio do vestuário, pois se recebessem a verdade deviam estar tão despidas como a própria vida». Cagliostro prometeu mais ainda: a Franco-Maçonaria Egípcia conduziria os seus aderentes à perfeição física e moral através da regeneração; devolver-lhes-ia o estado de graça perdido através do pecado original. Para conseguir estes objectivos, propunha um regime de 40 dias de mortificações e jejum, findos os quais os devotos que o tivessem seguido teriam garantida uma vida de pelo menos 5557 anos.

Esta complexa trama alcançou grande sucesso em Paris, pelo que Cagliostro e Lorenza (que chefiava a secção feminina) viviam bem. Eclodiu então um escândalo envolvendo um colar de diamantes, e Maria Antonieta mandou encarcerar o casal na Bastilha. O conde e a condessa foram ilibados, mas ao chegarem a Roma tiveram a infeliz ideia de tentar abrir um ramo da Franco-Maçonaria Egípcia à sombra de S. Pedro. Cagliostro foi julgado pela Inquisição, considerado culpado de heresia e feitiçacia e condenado à morte (pena mais tarde comutada para prisão perpétua), e Lorenza foi presa e subsequentemente enviada para um convento. Tal como aconteceu com Saint-Germain, em Cagliostro concretizou-se até certo ponto a necessidade de outrem de acreditar em algo ou alguém.

A última eclosão de ciência mágica na tradição de Agrippa e John Dee foi criada por Eliphas Lévi, nascido Alphonse Louis Constant, em Paris, em 1810. Lévi, Filho de um pobre sapateiro, revelou desde a adolescência um interesse sincero pela religião, pelo que foi matriculado no Seminário Je Saint Sulpice. Mas o jovem, embora devoto, era igualmente excêntrico e independente, acabando por ser expulso por abraçar «estranhas doutrinas».

Depois de deixar o seminário, Lévi ligou-se, durante um breve período, a uma seita menor dedicada à restauração da monarquia, e provia a sua própria subsistência escrevendo sobre temas católicos. Esta aparente contradição (tendo em vista a sua expulsão), que estaria patente ao longo de toda a sua vida, reflectia não hipocrisia, mas um esforço sincero em reconciliar a sua devota fé cristã com a teoria mágica.

Já com mais de 30 anos, Lévi desposou uma jovem de 16 anos, mas a união foi breve, pois ela não tardou a deixá-lo. Nos 10 anos que se seguiram, Lévi dedicou-se ao estudo de ciências ocultas, e nos primórdios da década de 1850 publicou Dogma e Ritual de Alta Magia, uma síntese floreada de muitas das doutrinas existentes sobre magia e ocultismo. Em comparação com as sérias pesquisas levadas a cabo por Agrippa e Dee, os esforços de Lévi parecem superficiais e aleatórios e o seu interesse parece centrar-se mais nos processos do que nos preceitos da magia. Os seus livros – vários outros se seguiram a Dogma e Ritual – pouca fama lhe conquistaram durante a sua vida. De Facto, sabe-se que ele apenas uma vez tentou executar artes mágicas, e o relato por ele mesmo apresentado da sua tentativa para fazer aparecer o Fantasma de Apolónio de Tiana sugere considerável hesitação e insegurança da sua parte. Faz crer que este homem entroncado e solitário não conseguia acreditar no seu próprio sucesso, e embora narrasse o aparecimento de um homem «envolto da cabeça aos pés numa espécie de mortalha que parecia mais cinzenta do que branca; era magro, melancólico e desprovido de barba», Lévi admitiu também estar tão aterrorizado que não conseguiu fazer à aparição as duas perguntas que planeara.

«Não explico as leis físicas através daquilo que vi e em que toquei», escreveu mais tarde Lévi. «Afirmo somente que vi e toquei realmente, que vi clara e distintamente, não em sonhos, e isto é suficiente para estabelecer a verdadeira eficácia dos rituais mágicos ... Aconselho aqueles que se propõem dedicar-se a experiências semelhantes que usem dos maiores cuidados; tais actividades resultam em total exaustão e causam frequentemente um choque só por si suficiente para provocar uma doença. »

Eliphas Lévi morreu em 1875, aproximadamente 400 anos após o nascimento de Fausto. Nessa altura, a Europa sofrera não uma, mas várias transformações, e o maravilhoso corpo de conhecimentos que outrora parecera esperar apenas uma revelação fragmentara-se em muitas partes, cada uma das quais suficientemente rica e complexa para ocupar um estudioso durante toda a sua vida. Consequentemente, a crença na magia como a via para alcançar a sabedoria e compreensão deixara de constituir uma possibilidade para o homem racional.



Os Perversos Artifícios da Grande Besta


O homem que se tornou talvez o mais famoso mágico ocultista do século XX enfrentou um problema típico do nosso século – qual o processo mais eficaz de fazer a sua própria publicidade. Poucos mágicos na História resolveram este problema de forma mais espectacular do que Aleister Crowley, que a si mesmo se designou a Grande Besta. Cedo decidiu chocar o público para atrair as atenções, e conseguiu tão eficazmente o objectivo que se propusera que foi expulso de três países e, no auge da sua carreira, caracterizado nos jornais como «o rei da depravação» e «o homem mais malévolo do Mundo». Tudo isto conseguiu Crowley, não obstante uma séria desvantagem: nos milhões de palavras por ele ou sobre ele escritas não há qualquer referência a um único caso em que ele tivesse realizado o que pudesse ser inegavelmente considerado um feito de magia.

O pai de Crowley, um próspero cervejeiro de Leamington, nas proximidades de Stratford-on-Avon, convetreu-se à religiao já tarde na vida e tornou-se um evangelista laico. Sua mãe, segundo as próprias palavras de Crowley, era «uma beata idiota». O próprio mágico, depois de uma infância não muito feliz, ingressou na Universidade de Cambridge em 1895 e dedicou-se a escrever poesia incompreensível e com algumas implicações eróticas. «Por estranha coincidência», observaria Crowley mais tarde, «um pequeno condado deu à Inglaterra os seus dois maiores poetas – pois não se deve esquecer Shakespeare.»

Como esta opinião não era compartilhada pelos seus tutores, Crowley deixou Cambridge e fixou-se em Londres, onde, tendo ingressado numa das sociedades secretas na altura em moda, a Ordem Hermética da Aurora Dourada, iniciou os primeiros passos nas ciências ocultas. Quando, nos primeiros anos do século XX, tentou assumir o controle da organização, viu as suas tentativas fracassarem e foi expulso da ordem. Formou então a sua própria sociedade secreta, conhecida por Astrum Argentinum, ou Estrela de Prata.

A característica distintiva do grupo recém-criado consistia na prática daquilo a que Crowley chamava «magia sexual». Embora antigos mágicos tivessem salientado a relação existente entre sexualidade humana e fertilidade vegetal e animal, as colheitas abundantes estavam bastante longe de constituir o propósito de Crowley. Para ele, o sexo, tal como as drogas, era um meio de destruir temporariamente o ego moral consciente e deixar a psique entregue à posse de entidades sobrenaturais primitivas e poderosas.

Crowley sempre se sentira atraído pelas mulheres – na sua autobiografia admitiu pesarosamente ter contraído gonorreia aos 19 anos. Escolhera o seu nome de trabalho, a Grande Besta, do Livro Bíblico da Revelação: «Vi então subir do mar uma besta com sete cabeças e dez chifres; e nas cabeças nomes blasfematórios.» (Ap 13, 1-2.)

À medida que a sua carreira progredia, Crowley realizou longas viagens ao Egipto, Índia, México e Estados Unidos, onde permaneceu até ao Fim da I Guerra Mundial escrevendo pérfida propaganda antibritânica. Foi durante a sua estada em Nova Iorque que realizou um feito notável, que poderia ter tido implicações mágicas. Um amigo, o escritor William Seabrook, concordou em assistir a uma demonstração dos seus poderes. Crowley conduziu-o à Quinta Avenida, onde acertou o passo com o de um homem que seguia à sua frente. «Os seus passos começaram a sincronizar-se», escreveu Seabrook, «e então observei que Crowley ... deixara cair os ombros, lançara a cabeça um pouco para a frente, como a do homem que o precedia, e começara a balançar os seus braços em perfeita sincronização com os do outro – tal como uma sombra em movimento ou um Fantasma astral de outro ser. » De repente, Crowley flectiu os joelhos, manteve-se acocorado durante um breve momento e ergueu-se de novo. O homem que seguia à sua frente «caiu como se lhe tivessem puxado as pernas». Seabrook, possuidor de bastantes conhecimentos sobre magia de palco, procurou as explicações racionais do fenómeno. Talvez o homem estivesse combinado. Talvez Crowley tivesse recorrido a algum truque baseado em ressonância física ou psíquica. Talvez ... mas Seabrook concluiu a história dizendo: «Creio que sei todas as respostas – mas nenhuma delas me satisfaz. »

Durante as suas viagens, Crowley escreveu O Livro da Lei (Liber al vel legis), que, segundo afirmava, lhe fora ditado pelo seu anjo-da-guarda, Aiwass, ministro do deus egípcio Hoor-Paar-Kraat. O livro era de leitura dificil, mas a sua mensagem central, «Faz o que quiseres, os teus actos serão lei », era uma referência clara à crença básica de Crowley de que a via para o conhecimento passava pela entrega ou abandono orgiástico.

Crowley extraiu a ideia do escritor francês François Rabelais, que fizera dela o mote da sua mítica Abadia de Theleme em Gargântua e Pantagruel. Em 1920, Crowley fundou a sua própria Abadia de Theleme. Tratava-se, na realidade, de uma vivenda em ruínas nos arredores da poeirenta cidade de Cefalu, na costa setentrional da Sicília. Não se tornou, como a abadia de Rabelais, um centro de cultura, mas atraiu, efectivamente, o interesse dos jornalistas, um dos quais afirmou no Sunday Express de Londres que o curriculum da instituição consistia em «orgias indescritíveis, inconcebíveis ... bastando dizer que excedem em horror as suspeitas de qualquer pessoa decente». Corriam boatos – na sua maior parte de proveniência duvidosa – que sugeriam sacrifícios sangrentos, bestialidade e até infanticídio. Quando os relatos desta medonha actividade chegaram aos ouvidos de Benito Mussolini, que recentemente assumira o poder, Crowley e os seus discípulos receberam ordem de deixar o país, o que fizeram em 1923.

Seguidamente, Crowley dirigiu-se para França, onde lhe foi solicitado que abandonasse o país porque negociava com heroína. Anteriormente, em 1914, ingressara na Ordem dos Templários do Orience (OTO), um grupo alemão que garantia aos futuros convertidos que «a nossa Ordem possui a CHAVE que abre todos os segredos maçónicos e herméticos, nomeadamente o ensino da magia sexual, o qual explica, sem excepção, todos os segredos da Natureza, todo o simbolismo da Maçonaria Livre e todos os sistemas de religião». Considerado persona non grata em Itália e França, Crowley refugiou-se na Alemanha como dirigente da OTO. Por fim, a Grande Besta regressou a Inglaterra, onde morreu a 1 de Dezembro de 1947.

O moderno historiador do ocultismo Colin Wilson, um dos poucos que conseguem ainda encontrar algo de bom para dizer sobre Crowley, insiste: «O que Crowley compreendeu instintivamence foi que a magia está de certo modo ligada à vontade humana, à verdadeira vontade do homem, a vontade profunda e instintiva. O homem é um ser passivo porque vive demasiado à sombra de uma consciência racional e demasiado assoberbado pelas triviais preocupações do quotidiano. Crowley, com o seu instinto animal e as suas poderosas necessidades de ordem sexual, apreendeu a verdade expressa na frase de Nietzsche: “Há tanto que não foi ainda dito nem pensado.”»

Mesmo que assim seja, dificilmente se poderá dizer que Crowley tenha prestado grande serviço à causa da magia. Se é possível vê-lo como um ministro dos poderes obscuros do irracional, é ainda mais fácil considerá-lo um charlatão que tecia a sua própria aura.


A «Sabedoria Oculta» da Cabala

O vocábulo, que em hebreu significa «as palavras recebidas» ou «sabedoria oculta», define um corpo de tradição esotérica judaica que pretende apontar uma via para a compreensão de Deus e dos muitos mistérios do Universo. Sendo embora impossível datar com precisão as suas origens, crê-se que a Cabala, como uma forma de misticismo judaico, remonta pelo menos ao tempo de Cristo. Durante séculos uma tradição oral, a Cabala, na sua forma escrita, não é um texto único e integrado, mas uma colecção de escritos, geralmente complementares e ocasionalmente contraditórios, os mais importantes dos quais são o Livro da Criação, escrito entre os séculos II e VI d. C., e o Livro do Esplendor, da autoria do espanhol Moisés de Leão, do século XIII.

A principal crença da Cabala centra-se numa realidade oculta, a qual apenas transportes místicos e estudo ritualista facultam o acesso. Especificamente, a Cabala tenta reconciliar as aparentes contradições entre um Deus incognoscível e um Deus que se dá a conhecer; entre um Deus que é bom e criador de todas as coisas e um mundo onde prolifera o mal; entre um Deus infinito e eterno e um mundo – a sua criação – tão obviamente finito e condenado. O ponto fulcral da Cabala é um diagrama denominado a árvore da vida que consiste em 10 «emanações» de Deus e nas várias relações que existem entre elas. A Cabala inclui também uma ciência dos números chamada gematria, através da qual é possível realizar todas as interpretações arcanas da Escritura. Um contributo da maior importância para o renascimento do misticismo judaico e cristão no Renascimento, a Cabala sobrevive hoje no judaísmo e, de uma forma distorcida, no interior da própria tradição.

A Misteriosa Fraternidade Rosa-Cruz

As sociedades secretas tem constituído, desde tempos remotos, um dos elementos essenciais em que se concretiza o fascínio que a arte e o poder da magia exercem sobre a Humanidade. Uma das mais misteriosas, e não obstante frequentemente mencionada, é a Fraternidade Rosa-Cruz, Ordem Rosae Crucis, anunciada num pequeno panfleto publicado em Kassel, Alemanha, provavelmente em 1614. Intitulado Fama Fraternitatis, o folheto anónimo narrava a história de Christian Rosenkreuz, jovem piedoso e culto que, tendo viajado durante anos pelo Próximo Oriente, regressara à Alemanha como mestre de matemática e ciências naturais, bem como possuidor de alguns conhecimentos ocultos. Reunindo à sua volta sete discípulos, Rosenkreuz, segundo narra a história, supervisionou a compilação de uma vasta biblioteca, após o que cinco dos membros da irmandade percorreram o mundo a fim de realizar boas acções, comprometendo-se a reunirem-se anualmente, a encontrarem sucessores dignos e a manterem segredo durante 100 anos.

A Fama descrevia ainda a descoberta – 120 anos após a morte de Christian Rosenkreuz, aos 106 anos – do seu corpo em perfeito estado de conservação. Um segundo panfleto, Confessio Fraternitatis, surgido em 1615, explicava os objectivos da irmandade. Um terceiro panfleto, datado de 1616, narrava uma misteriosa alegoria com implicações ocultas sobre um Christian Rosenkreuz aparentemente diferente. Eruditos recentes atribuíram este terceiro e último panfleto a um teólogo alemão da época bem conhecido, Johann Valentin Andrea.

O desejo de ingresso em tal sociedade elitista foi geral, embora ninguém conseguisse realmente encontrá-la. O fenómeno terminou por volta de 1620, pelo menos na Alemanha, embora o apelo da Rosa-Cruz se mantenha ainda hoje.

A Aurora Dourada

Se a Fraternidade da Rosa-Cruz era provavelmente mais uma fantasia utópica do que qualquer outra coisa, a mais notável organização oculta dos finais do século XIX possuía uma agremiação real e identificável e uma história tangível. Com efeito, a Ordem Hermética da Aurora Dourada foi fundada em 1887 por três franco-mações ingleses – o Dr. William Wynn Westcott, médico-legista; S. L. MacGregor Mathers, tradutor de textos ocultistas, e o Dr. William Robert Woodman, médico – que eram também membros da Sociedade da Rosa-Cruz de Inglaterra. Inevitavelmente, a Aurora Dourada devia muito à tradição maçónica e rosa-cruciana, mas os seus fundadores afirmavam que ela se baseava fundamentalmente num manuscrito cifrado, descoberto, segundo um relato, num alfarrabista londrino. O manuscrito, obviamente obra de alguém possuidor de conhecimentos cabalísticos, de alquimia, astrologia e das teorias mágicas de Eliphas Lévi, forneceu as linhas mestras da Aurora Dourada. Os três fundadores da sociedade, assistidos pelas comunicações, transmitidas de longa distância, de uma misteriosa alemã, provavelmente fictícia, Fräulein Anna Sprengel, completavam o esquema.

A Aurora Dourada era um refúgio requintado para os espíritos superiores dos ocultistas sofisticados interessados naquilo a que se chamava «conhecimento rejeitado» – ou conhecimento desdenhado pelas instituições por se basear em magia ou superstição. A sociedade preconizava a celebração de rituais maravilhosamente elaborados e uma ascensão gradual numa hierarquia de categorias (10) e ordens (3). Afirmava também um propósito nobre: «Alcançar o controle sobre a Natureza e o poder sobre o meu próprio ser.» Inicialmente, a ordem prosperou o suficiente para abrir várias secções, incluindo um ramo em Paris. Porém, entrou rapidamente em declínio, e decorridos menos de 15 anos dividiu-se devido a disputas internas e lutas pelo poder.

Livros de magia negra
Os manuais de magia era lidos por um vasto público nos séculos XVI e XVII, tal como acontecia na Idade Média. Esses livros pretendiam ensinar os leitores a invocarem demónios sem perderem a sua alma e a utilizarem os seus poderes para conseguir riqueza, poder ou vingança.

Os livros de feitiçaria davam aos aspirantes a praticantes das artes negras orientações precisas sobre o desenho de círculos mágicos, utilização de amuletos e talismãs, sacrifício de animais, prática de abstinência sexual e a maneira correcta de tomar banho como preparação para o confronto com o exército de demónios. Quando prontos, deviam invocar o grande Adonai, Senhor de Todos os Espíritos, que então chamaria os espíritos menores.

Dizia-se que, na sua maioria, os livros de feitiçaria eram obras antigas, e, de facto, muitos baseavam-se em respeitadas obras gregas, egípcias, hebraicas e latinas. O mais famoso e influente, A Chave de Salomão, era suposto ter sido escrito pelo próprio rei Salomão. Embora isso seja improvável, sabe-se que pelo menos no século I d. C. já existia uma versão do livro. O texto original em breve se tornou irreconhecível, à medida que outros autores iam acrescentando as suas próprias contribuições, também atribuídas a Salomão. Em meados do século XIV, o papa Inocêncio VI ordenou que as cópias do livro fossem queimadas.

Alguns investigadores acham dificil tomar a sério os manuais de feitiçaria, pois as práticas diabólicas ali descritas parecem mais ridículas do que temíveis. Contudo, ainda hoje há pessoas desesperadas e crédulas que os procuram, e por isso os livros de feitiçaria – alguns deles escritos no século XX – continuam a ser impressos e utilizados.

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