quarta-feira, 22 de abril de 2009

Adivinhação

Através do recurso a animais, cartas exóticas e ao próprio corpo humano, homens e mulheres procuram há muito predizer o futuro


Em The Religious System of the Amazulu, o erudito britânico Henry Callaway citou uma história narrada por um sul-africano que, preocupado com uma cabra prenhe, decidiu consultar um adivinho; «Fomos a um adivinho, o irmão de Umatula, que adivinhava através de ossos ... Este mastigou uma droga e soprou sobre o saco onde guardava os ossos; depois, esfregou-os e deitou-os no chão; manejou-os e disse: “Oh, que é que significa a cabra? Há duas crias – uma branca, e a outra, aqui está ela, é cinzenta. Que é que elas significam?”

«Respondemos: “Não sabemos, amigo. Saberemos pelos ossos.”

«Ele disse: “Esta cabra, que é uma cabra fêmea preta, está prenhe. Mas é como se ainda não tivesse parido. Mas que é que dizem? Vocês dizem, a cabra está com problemas. Oh, eu, pela minha parte, quando vejo os ossos a falar assim, vejo que as crias nascem agora ... Os ossos dizem: «Quando chegarem a casa, a cabra terá dado à luz duas crias ... » É isto que os ossos dizem.”

«Demos-lhe dinheiro e fomos para casa», continuava o relato do sul-africano, «eu sem acreditar na verdade do que ele dissera, pois os ossos não tinham falado ...

Quando chegámos a casa, encontrámos a cabra à porta com duas crias – uma branca e a outra cinzenta. Fiquei imediatamente satisfeito. Fizemos um sacrifício e agradecemos ao Amatongo.»

A adivinhação, o esforço do homem para conhecer o presente misterioso e predizer o futuro, tem sido praticada em todo o Mundo desde o alvorecer da História. Embora os rituais da adivinhação tenham sofrido alterações com o decorrer do tempo, os seus objectivos permaneceram constantes: alcançar conhecimentos ocultos, se possível através de meios divinos, que possam ajudar a resolver os problemas da vida, sejam estes graves ou apenas contratempos.

Pressuporão as artes divinatórias uma certa intuição comum que sugere que nem a casualidade nem o tempo se processam nos termos em que nós os apreendemos?

O poeta T. S. Eliot escreveu certa vez:

Tempo presente e tempo passado
São talvez ambos presentes em tempo futuro,
E o tempo futuro está contido no tempo passado.
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo o tempo é irredimível
O que poderia ter sido é uma abstracção.


Se estas palavras correspondessem efectivamente à verdade, teoricamente a adivinhação seria explicável. Tratar-se-ia simplesmente de um método que permitisse detectar um futuro já adequadamente definido e firmemente enraizado no presente. Ou será que a adivinhação, uma actividade humana simultaneamente tão antiga e tão universal, não faz mais do que provar como o intelecto humano é vulnerável aos incessantes estímulos do desejo e do temor? Pondo de parte estas questões primordiais, resta uma de natureza mais imediata: a adivinhação surte efeito? Os casos registados são bastante intrigantes.

Entre as civilizações mais avançadas e mais cultas dos tempos antigos contavam-se as da Grécia e da China. Dois acontecimentos ilustram uma tradição ininterrupta de adivinhação nesses deixava dois berços fundamentais do pensamento, literatura, ciência e tecnologia modernos. Um dos exemplos é antigo, o outro é actual.

O historiador grego Heródoto registou a história de uma predição feita ao rei Creso da Lídia, conhecido pela sua fabulosa riqueza. Antes de empreender uma campanha militar contra a Pérsia no século VI a. C., e querendo seleccionar o oráculo mais digno de confiança, Creso experimentou vários, aos quais perguntou qual a operação secreta em que estava empenhado. A resposta mais exacta proveio do oráculo de Delfos, uma de cujas sacerdotisas disse que o rei estava a «ferver conjuntamente um cordeiro e uma tartaruga num recipiente de cobre com uma rampa de cobre». Satisfeiro com a resposta do oráculo de Delfos, Creso pediu-lhe então uma previsão relativamente ao ataque que planeara contra os Persas. A sacerdotisa replicou que se ele atravessasse o rio Halys, o que equivaleria a desencadear um tal ataque, «o rei destruiria um grande império». Em termos estritamente oraculares, a predição fora correcta.

Um moderno teste de adivinhação ocorreu em Julho de 1976, depois de uma área do Nordeste da China, incluindo a cidade industrial de Tangshan, sofrer um dos mais violentos terramotos da história do país. Embora o comunicado oficial se lhe referisse apenas nos termos mais vagos, as notícias do desastre espalharam-se por toda a China e o cataclismo foi generalizadamente interpretado como um augúrio de morte «iminente » do presidente Mao Tsé-Tung e de um tumulto posterior.

As autoridades de Pequim ficaram alarmadas com tal ressurgimemo das crenças tradicionais, que atribuíam significados sobrenaturais a acontecimentos estranhos ou terríveis. A fim de contrariar este ressurgimento das crenças nos augúrios, a imprensa oficial, incluindo a publicação erudita Scientia Geologica Sinica, denunciou-o como uma expressão de superstição primitiva e anti-marxista. A revista geológica recordou que, subsequentemente à queda de um meteoro em 1064, alguns discípulos do filósofo-sábio Confúcio haviam utilizado o acontecimento «para confundir as massas com rumores maléficos ». No entanto, posteriormente, em 1976, quando o poderoso presidente da China morreu, seguiu-se efectivamente uma época de violentos tumultos.

O fascínio que a adivinhação exerce a nível universal é extraordinário. Segundo escreveu N. Mkele, autoridade sul-africana em adivinhação e adivinhos, «subjacente ao pensamento africano existe a crença numa ordem natural das coisas, susceptível de ser controlada pelo homem». Na sua maioria, a adivinhação africana centra-se na descoberta das causas de doenças. Entre os Xosas e os Zulus, segundo Mkele, vigora a crença de que o adivinho tem «poderes de cognição supernormais que lhe permitem não só descrever a evolução de uma doença, como saber se o paciente foi enfeitiçado e por quem e se a doença é de carácter religioso ou devida a causas naturais». Crê-se que o adivinho, a quem «nada pode ser escondido», tem acesso aos deuses ancestrais.

Os Nyoros, do Uganda, entregam-se a práticas semelhantes. De acordo com John Beattie, autor de um ensaio sociológico sobre a adivinhação em Bunyoro, Uganda, os Nyoros «consultam adivinhos quando querem saber a causa dos problemas que os atormenram e as medidas a tomar com vista a solucioná-los. O problema mais comum é a doença, e a maioria das consultas diz respeito à doença de um cliente, de um filho ou de outro parente próximo».

Um elo fascinante com a adivinhação praticada na Antiguidade é o uso de entranhas de animais (aruspicina), o qual, segundo se sabe a partir de placas cuneiformes, já fora utilizado na antiga Babilónia. O adivinho nyoro usa geralmente um frango, que abre cuidadosamente, de modo a não lhe danificar as vísceras. É de modo geral bom presságio encontrar os órgãos internos em boas condições, já que qualquer anomalia pode significar problemas.

Há antropólogos que têm ventilado a hipótese de a adivinhação através das vísceras de animais e de ossos carbonizados ter tido origem em sacrifícios animais. Embora nenhum registo escrito documente esta suposição, dada a vulgarização dos sacrifícios parece possível que o augúrio tivesse lugar antes ou depois de tais cerimónias.

Podem ser usados ossos na prática da adivinhação da mesma maneira que se utilizam conchas, folhas de chá, grãos de café e dados em diferentes cenários culturais. Na verdade, os dados modernos podem ter derivado de cubos originariamente usados nas artes proféticas. Alguns dados encontrados na China sugeriram essa evolução, e foram encontrados dados com marcas muito semelhantes às dos dados actuais em túmulos egípcios datando de 2000 a. C.

Outra técnica de adivinhação recorre a líquidos e aos padrões proféticos que estes podem assumir. Na Luisiana, por exemplo, continua a ser prática corrente partir um ovo cru e interpretar as formas assumidas pela gema e clara quando estas se separam. Este método foi descrito por Tracey Peterson, que recordou que a sua bisavó Alexina Charpentier Renaud praticara esta forma de adivinhação.

Renaud recorreu uma vez à adivinhação por meio de ovos para localizar o seu filho Randolph, soldado colocado em França durante a I Guerra Mundial que até ao Armistício escrevera regularmente, mas cujo paradeiro se tornou depois desconhecido. A mãe decidiu «interrogar os ovos». Quando o fez, viu formar-se no ovo «uma imagem minúscula de um comboio», incluindo passageiros miniaturais com cabeças de dimensoes reduzidas. Quando regressou, Randolph confirmou que, no preciso momento em que a mãe praticara a adivinhação através do ovo, ele se encontrava de facto «na costa oriental, dirigindo-se de comboio para a Luisiana».

Na Europa Central, uma tradição semelhante com raízes antigas continua a ser popularmente praticada na véspera do Ano Novo. Depois de terem soado as badaladas da meia-noite, os celebrantes – particularmente os jovens – pegam em chumbo, derretem-no numa colher, deitam-no dentro de água e lêem as suas sortes nas estranhas formas que o chumbo endurecido assumiu.

Um procedimento aparentado substitui o chumbo líquido por cera derretida numa técnica de adivinhação empregada em muitas zonas do Mundo, incluindo os Estados Unidos. Na revista Fate de Junho de 1973, James R. Cole consignou várias instruções sobre a utilização e interpretação de cera de velas. «O cliente acende a vela, ao mesmo tempo que formula silenciosamente uma pergunta ou exprime um desejo. Em seguida, inclina ligeiramente a vela, deixando cair gotas de cera sobre a superfície da água contida numa frigideira. As gotas solidificam, transformando-se em pequenas esferas com cerca de 3 mm de diâmetro que flutuam à superfície da água. As primeiras gotas serão directamente arrastadas, como que por um magnete, para a orla da frigideira, onde formam gradualmente uma borda. À medida que a cera continua a pingar, as gotas começam a formar símbolos ou padrões na superfície da água. Um vidente inexperiente não deixa por vezes cair cera suficiente. Quanto mais cera cair, mais símbolos se formam e mais completa será a leitura.»

A acumulação de cera na borda da frigideira fornece ao adivinho os primeiros indícios. Uma orla de cera ininterrupta indica uma resposta positiva à pergunta do cliente; uma orla ondulada sugere dúvida, e uma orla interrompida significa problemas. Todos os adivinhos parecem ter símbolos favoritos, altamente significativos. Quando se apercebe de uma forma semelhante à de um gato na cera derretida, Cole considera-a um indício de embuste. Uma pistola sugere desastre e possibilidade de morte, uma imagem de Vénus indica paz e/ou amor, uma figura a saltar significa mudança e um navio prognostica notícias procedentes de longe ou uma viagem.

Cole nunca derrete uma vela preta, porque em sua opinião esta contêm «vibrações negativas». De facto, se é possível dizer que as cores contêm simbolismos divinatórios, nenhuma se pode comparar ao preto, a cor da escuridão e da morte.

Um corvo preto, celebrado por Edgar Allan Poe, desempenhou repetidamente o papel de mau augúrio. Segundo uma opinião generalizada, aves pretas «trazem má sorte». Desde o século XIX que a Casa Real de Hesse, que tem elos familiares com as famílias reais inglesa e russa, tem sido associada com o corvo como augúrio de desgraça. Especificamente, o seu castelo, situado nas proximidades da cidade alemã de Darmstadt, tem sido, segundo corre, cenário de várias aparições de corvos.

Em 1873, dois jovens príncipes brincavam no seu quarto, no interior do castelo, quando um corvo pousou no beiral da janela. Um dos rapazes, o príncipe Frederick, debruçou-se da janela, caiu e morreu. Cinco anos mais tarde, descobriu-se outro corvo negro voando no quarto onde várias crianças da Casa Real de Hesse estavam doentes com difteria. Uma delas, do sexo feminino, morreu pouco tempo depois.

As aves são sem dúvida apenas uma das muitas espécies de animais em cujo comportamento os seres humanos insistem em detectar augúrios do futuro. Há colecções extensivas de ciência profética associadas com cães, gatos, cabras, carneiros, peixes, ratos, ratazanas e até aranhas (de acordo com um velho provérbio alemão, uma aranha vista de manhã traz doença e dor; à tarde, saúde e boa sorte. Em Portugal, é costume dizer-se que as aranhas trazem dinheiro a quem as encontre). No entanto, na maioria dos casos deste género, a ligação proposta entre a actividade de um animal e o prognóstico que a mesma indica é inteiramente mágica – isto é, não há qualquer conexão entre ambos cientificamente demonstrável. Em determinados casos, porém, esta arbitrariedade pode não ser inteiramente verdadeira. De facto, os animais revelam por vezes uma extraordinária capacidade para detectar a iminência de determinadas alterações climáticas em grande escala, cataclismos e outros fenómenos naturais semelhantes. Actualmente, ainda continua a não ser possível fornecer uma explicação científica cabal para o facto de alguns animais, horas ou mesmo dias antes do acontecimento, parecerem ser capazes de pressentir a iminência de um tremor de terra, embora o assunto esteja a ser seriamente estudado. Sem dúvida a palavra-chave neste mistério é «percepção».

Em anos recentes, psicólogos e fisiólogos debruçaram-se com especial interesse sobre os chamados estados alterados de consciência (EAC). Trata-se de estados de espírito que diferem dos reconhecidos como normais e que incluem várias formas de conhecimento, controle corporal e estados de vigilia. Um indivíduo adormecido encontra-se, obviamente, num estado de consciência bastante diferente de outro que esteja acordado. Existem, porém, muitos estádios relacionados, incluindo transes e diferentes graus de hipnose e de consciência pré-dormente. Os antigos oráculos podem ter atingido estados alterados deste tipo inalando vapores nocivos exalados da terra, como em Delfos. Outras formas de dissociações podem ser conseguidas através de auto-sugestão, frequentemente pela fixação intensa de um objecto brilhante, tal como o fogo, vela, bola de cristal ou possivelmente o Sol.

Na história da adivinhação, o I Ching, descrito no Livro das Mutações, ocupa um lugar único. É simultaneamente antigo e moderno, primitivo e sofisticado: o sistema, usado na China há milhares de anos, tem suscitado grande interesse no mundo ocidental no século XX. A técnica base do I Ching, o lançamento de varinhas, tem muito de comum com métodos simples de adivinhação, embora pressuponha a ligação do adivinho com uma série de complexos princípios filosóficos.

Enquanto a história do I Ching não é clara, o Livro das Mutações que o descreve tem sido atribuído ao imperador chinês Fu Hsi, ele próprio uma figura lendária. Uma tal associação dataria o I Ching do 3.º milénio a. C. O Livro das Mutações foi interpretado pelo rei Wên Wang, cerca de 1100 a. C., e completado pelo filho do monarca, o duque de Chou. Por volta do século V a. C., foi interpretado por Confúcio, o sábio que, segundo se afirma, utilizou o sistema ao longo de toda a sua vida. Confúcio terá declarado que o livro tem «tantas camadas como a própria terra», e actualmente muitos estudantes do sistema corroboram convictamente a exactidão desta descrição.

Porém, e admitindo embora a complexidade do fraseado filosófico e as dificuldades de tradução de uma língua simultaneamente arcaica e estruturada em moldes diferentes, o Livro das Mutações continua a ser de difícil compreensão. Consequentemente, e ao mesmo tempo que os eruditos apresentavam uma miríade de interpretações dos seus significados, o próprio carácter evasivo da obra contribuiu para que a mesma exercesse um misterioso fascínio.

As interpretações que acompanham cada hexagrama podem parecer confusas ou mesmo ininteligíveis a alguém que para elas olhe pela primeira vez. E são-no, porque na realidade nada significam em si; são apenas chaves para abrir as portas do profundo desconhecido daqueles que as utilizem. Só a meditação sobre os símbolos pode fornecer a verdadeira resposta, e é essa a opinião de muitos dos seus estudiosos, como Jung e Reich. As anotações do filho de Win, o duque de Chou, também pouco ajudam a quem não tiver penetrado dentro, bastante dentro mesmo, do segredo do I. Quem o fizer poderá associar o símbolo às linhas do seu caminho, e as interpretações que daí advierem poderão parecer mais explícitas ou evidentes, mas na verdade são tão herméticas quanto as clássicas e só servirão para quem possuir conhecimentos que lhe tornarão inúteis as interpretações fornecidas.

Muita da actual popularidade de que o livro goza deve-se ao entusiasmo do psicólogo-filósofo suiço Carl G. Jung, cujo sistema de psicologia analítica pressupõe o conceito de sincronicidade, ou simultaneidade significativa. No seu prefácio a tradução de Richard Wilhelm do Livro das Mutações, Jung referiu o interesse que sempre sentira por «esta técnica oracular, ou método de exploração do inconsciente», e a relação deste método com o seu conceito de sincronicidade. Afirmou que o uso do 1 Ching corresponde à sua própria teoria, segundo a qual «a simultaneidade de acontecimentos no espaço e no tempo significa mais do que um mero acaso, pressupondo nomeadamente não só uma interdependência peculiar de acontecimentos objectivos entre si», como uma relação destes acontecimentos com os estados psicológicos subjectivos do «observador ou observadores».

O Livro das Mutações pode ser consultado de várias maneiras. De acordo com o método clássico, 50 varinhas de mil-folhas são arbitrariamente divididas em pilhas e em seguida contadas. Os números obtidos ao fim de repetidas contagens indicam qual o hexagrama, ou figura de seis linhas paralelas, que deve ser consultado no livro. Cada um dos 64 hexagramas possíveis refere-se a uma ou mais frases enigmáticas a partir das quais se pode inferir uma mensagem que contém um conselho. Uma moderna técnica popular utilizada para consultar os hexagramas consiste no lançamento de três moedas. Estas devem ser lançadas seis vezes no total para se obterem as seis linhas da figura.

Tradicionalmente, o I Ching é usado de uma forma que estimula uma reflexão profunda e um auto-exame. Pode mesmo ser usado para provocar um estado de consciência semelhante à meditação. Os peritos consideram a concentração essencial, uma vez que as frases a serem interpretadas podem ser obscuras. Segundo opinam os crentes, a sabedoria do leitor e o conhecimento profundo de interpretações com séculos de existência constituem requisitos essenciais.

A réplica ocidental do I Ching é um conjunto único de cartas de jogar conhecidas como Taró. Embora ostentem alguns dos símbolos familiares das modernas cartas de jogar, as cartas do taró possuem um elemento especial, uma aura intemporal e temível. Os seus desenhos medievais parecem por vezes deliberadamente arrepiantes – a Morte, o Diabo, o Homem Pendurado –, embora alguns sejam mais atraentes, tais como os Amantes, o Malabarista, o Carro, a Justiça, a Roda da Fortuna, o Sol, a Lua e a Estrela. Em qualquer caso, quando surgiram, as cartas de jogar adoptaram as espadas dos primeiros baralhos de taró, as taças que se transformaram em copas, os pantáculos tornados ouros, e os bastões, os paus. Assim, tal como os actuais dados descendem provavelmente dos cubos divinatórios, também as cartas modernas reflectem a existência de símbolos mais antigos. De acordo com a tradição ocultista, as cartas do taró podem ter tido origem no Egipto ou sido desenhadas pelos cabalistas da África Setentrional em 1200 d. C. É também possível que desenhadores ocultistas italianos, talvez venezianos, tivessem sobreposto as suas próprias ideias aos símbolos antigos relativamente a cartas que terão eventualmente sido usadas em conexão com a alquimia ou para fins mais mundanos.

Richard Cavendish, em The Black Arts, escreveu: «O taró reveste-se de um fascínio extraordinário. Abre estranhas janelas para um mundo em que as coisas não são exactamente o que parecem e nunca podem ser totalmente compreendidas, uma paisagem medieval iluminada pelo sol onde figuras diminutas se movem como brinquedos maravilhosos – o Louco com gorro e campainhas, o Imperador e a Imperatriz numa cavalgada cintilante, a Morte ceifando vidas, o Eremita com o bastão e a lâmpada, o Homem Pendurado balouçando na sua forca, a pálida Torre caindo. »

Actualmente, o baralho do taró padrão compõe-se de quatro naipes, cada um dos quais com 14 cartas. Estas 56 cartas constituem o arcano menor. O arcano maior, ou trunfos, integra 22 cartas adicionais decoradas com figuras representando leis naturais, elementos, virtudes e vícios. A Figura do Louco, não numerada, chegou até nós como o joker das vulgares cartas de jogar.

Embora os peritos reconheçam a existência de numerosas versões sobre a ordem correcta dos trunfos, a seguinte é largamente aceite: 0, o Louco; l, o Malabarisca; 2, a Papisa; 5, a Imperatriz; 4, o Imperador; 5, o Papa; 6, os Amantes; 7, o Carro; 8, Justiça; 9, o Eremita; 10, a Roda da Fortuna; 11, Força; 12, o Homem Pendurado; l3, Morte; 14, Temperança; 15, o Diabo; 16, a Torre a cair, ou Casa de Deus; 17, a Estrela; 18, a Lua; 19; o Sol; 20, Dia de Juízo; 21, o Mundo.

A adivinhação através das cartas do taró é tão individual como a praticada com a ajuda de uma bola de cristal ou qualquer outra forma popular de lançar as sortes, Não existe um único livro de instruções que seja autoridade exclusiva no assunto, embora tenham sido publicados numerosos volumes sobre técnicas do taró. A personalidade, a atitude e as tendências de quem quer que leia as cartas entram em linha de conta quando se dá início à adivinhação. Como em todos os outros métodos, um estado alterado de consciência parece facilitar grandemente a interpretação.

Os leitores têm as suas próprias preferências sobre a melhor maneira de dispor as cartas à sua frente. Um dos métodos mais populares consiste em espalhar sete cartas. É possível conhecer as interpretações básicas do valor das cartas individuais, mas não há consenso geral sobre o seu significado em todas as situações. O Louco pode ser encarado como o eterno simbolo da loucura; o Malabarista, ou Mago, como uma primitiva força da vida (ou, em modernos termos psicológicos, como o ego), e a Papisa, ou Suma Sacerdotisa, como dualidade feminina – o equilíbrio dos opostos através do recurso ao senso comum e a sabedoria. A Roda da Fortuna de sete raios é frequentemente considerada como um simbolo de nascimento e renascimento, o ciclo sempre renovado da Natureza. A Justiça, uma figura feminina que segura uma balança, não revela medo nem benevolência. O Homem Pendurado é talvez a mais controversa das cartas: estudantes do taró sugeriram como significados alternativos da sua imagem macabra os temas da renovação e da ressurreição.

As cartas do taró diferem ainda das cartas de jogar pelo facto de as suas metades superior e inferior terem valores diferentes. Quando viradas para cima, as imagens têm um significado; se colocadas de cabeça para baixo, o significado é inverso.

No entanto, e não obstante toda a sua antiguidade e prestígio, o taró deve provavelmente ceder o lugar de primazia no Ocidente a outra forma de adivinhação: a fixação de cristal, mais divulgada pelo seu instrumento básico, a bola de cristal. É frequente a representação caricatural de videntes com turbantes, numa sala com mobiliário exótico, fazendo declarações assombrosas ou confusas aos seus clientes, de quem os separa uma mesa sobre a qual se vê uma bola de cristal. De facto, a fixação de cristal parece ter derivado de um fenómeno ainda mais antigo; a natureza obsessiva de imagens reflectidas. Os antigos gregos usavam a superficie calma das águas, e mais tarde um espelho, como meio de entrarem num transe que lhes permitia «ver» a sua sorte ou a de qualquer outra pessoa. Qualquer superfície reflectora podia criar um estado semelhante de transição de consciência, e a tradição árabe afirma que os guerreiros usavam as superfícies polidas das suas espadas com esse objectivo.

Para conseguirem o reflexo do brilho da água de uma nascente, os antigos gregos baixavam um espelho até à superfície da água, com vista a melhor captarem a imagem que nela surgia. Em Descrição da Grécia, Pausanias referiu a existência de uma nascente perto de Patrai, ou Patras, onde era costume «atar um espelho a uma corda e baixá-lo até que o seu rebordo aflorasse à superfície da água, sem nela mergulhar. Em seguida, depois de orarem à deusa e queimarem incenso, eles olham para o espelho, onde vêem a pessoa doente, quer viva, quer morta. Tão verdadeira é a água». Nostradamus, o famoso médico e vidente francês do século XVI, usou não só água como espelhos na prática da adivinhação. Fixava frequentemente a superfície da água de uma taça até acreditar que via nela imagens de acontecimentos futuros.

A tradição árabe, que serviu de muitas maneiras como ponte cultural entre a Antiguidade e o Renascimento, inclui várias formas de adivinhação por fixação. Um escritor do século XIV, Abd al-Rahman ibn Muhammad ibn Khaldun, referiu «aqueles que olham fixamente para corpos diáfanos, tal como espelhos, bacias cheias de água e líquidos». Considerou «enganados» os adivinhos que acreditavam que a imagem que viam «aparece na superficie do espelho». De facto, segundo afirmou, «o adivinho olha fixamente para a superfície até esta desaparecer e uma cortina semelhante a nevoeiro se interpor entre os seus olhos e o espelho», e «nesta cortina as formas que ele deseja ver formam-se a si próprias ».

Na Enyclopaedia of Religion and Ethics, Andrew Lang descreveu o procedimento em termos semelhantes: «Na prática, o método mais simples consiste em olhar fixamente, durante uns cinco minutos, para um espelho ou bola de cristal colocada sobre uma superfície escura, a uma distância dos olhos equivalente à de um livro que o observador estivesse a ler. O vidente que possui as devidas faculdades vê geralmente uma espécie de névoa ou uma obscuridade leitosa cobrir a bola, que parece então tornar-se transparente e escura; as imagens surgem nessa altura. Por vezes, o observador deixa de ver conscientemente a bola para observar o que lhe parece uma cena real. »

Se os mais diversos materiais, desde cera derretida a cartas de taró e bolas de cristal, podem servir as artes divinatórias, onde é possível encontrar um denominador comum? Para começar, é necessário enfrentar a realidade de que uma grande parte da chamada adivinhação consiste em práticas fraudulentas concebidas para extrair dinheiro ao crédulo, ao desesperado ou ao curioso. É generalizada a tendência para atribuir significados determinantes a ocorrências vulgares que podem ser interpretadas de forma variada. Há, frequentemente, adivinhos falsos extraordinariamente hábeis em formular perguntas suficientemente interpelativas, em interpretar argutamente reacções de clientes e em dizer-lhes o que eles querem ouvir.

O Dr. Ray Hyman, psicólogo da Universidade do Oregon, analisou realmente os métodos da leitura a frio – a técnica pela qual um vidente formula um juízo sobre a personalidade de um cliente a partir de dados como o seu aspecto e linguagem. Referiu as suas descobertas num artigo denominado «Leitura a Frio – Como Convencer Estranhos de que Se Sabe Tudo a Seu Respeito». No artigo menciona um stock spiel (conjunto de características caracterológicas típicas e genéricas) elaborado pelo seu colega Norman D. Sundberg, uma forma pouco individualista de «leitura de carácter» que poderia ser aplicada à maioria dos estudantes universitários do sexo masculino. Ao indivíduo é simplesmente dito: «Você é uma pessoa cujas atitudes, comportamento e relacionamento com os outros são normais. Sai-se bem sem esforço. Agrada naturalmente e não é excessivamente crítico em relação aos outros ou a si próprio. Não é nem demasiado convencional nem demasiado individualista. O seu estado de espírito dominante é de optimismo e esforço construtivo, e você não é afectado por períodos de depressão, doenças psicossomáticas ou sintomas nervosos.»

Segundo constatou Sundberg, as estudantes universitárias corresponderam «com mais prazer ainda» a um esboço de carácter algo diferente: «Você parece ser uma pessoa bem disposta e equilibrada. Pode por vezes experimentar estados de espírito alternadamente felizes e infelizes, mas neste momento esses estados não se revestem de aspectos extremos. Tem poucos ou nenhuns problemas de saúde. É sociável e relaciona-se bem com os outros. É adaptável. Tem tendência para ser aventureira. Os seus interesses são vastos. É suficientemente autoconfiante e geralmente lúcida.»

Sundberg descobriu também que, para citar Hyman, «um esboço falsificado e universal pode ser considerado uma descrição de carácter mais exacta do que uma descrição individual elaborada por psicólogos treinados e baseada nas mais eficazes técnicas de avaliações de que dispomos». Sundberg entregara um teste de personalidade bem conhecido a um grupo de estudantes e ofereceu-lhes depois avaliações deles próprios baseadas no teste. Quando interrogados sobre se era a avaliação ou o stock spiel que melhor se lhes adaptava, 26 dos 44 estudantes (o que representa 59%) fizeram uma escolha surpreendente: escolheram o esboço caracterológico do stock.

Para além da manipulação e do embuste, qualquer que seja o grau de vulgarização destes, devem considerar-se razões mais profundas que possam explicar o carácter intemporal da adivinhação. Várias autoridades atribuem a universalidade da adivinhação, de uma forma ou de outra, a um dos desejos humanos mais fundamentais: preconhecimento e consequente controle sobre o destino pessoal.

No entanto, tal interpretação sugere meramente a razão que justifica a vontade de conhecer o futuro. E quanto ao próprio adivinho? O único denominador comum que existe – mais claramente no caso da fixação do cristal – é o uso que o adivinho faz de um instrumento para alcançar um estado de consciência tipo transe. Mesmo relativamente ao taró, Douglas Hill e Pat Williams, em The Supernatural, escreveram que as cartas estimulam o «inconsciente da pessoa a tentar a adivinhação ... Pode dizer-se que é esta a base de todos os métodos adivinhatórios. Por este motivo, o operador mais bem sucedido é frequentemente um clarividente que usa cartas, palavras, caligrafia, palmas ou horóscopos como um foco e um canal medianeiro entre a sua intuição – a mente inconsciente – e o mundo exterior.»

Mas existe tal capacidade de predição na mente humana? A crónica da adivinhação fornece numerosos indícios intrigantes, mas nenhuma resposta concludente. Se há respostas, possivelmente os métodos desconexos da adivinhação tradicional tem menos possibilidades de as definir do que a pesquisa em curso nos campos da parapsicologia e percepção extra-sensorial. Os esforços organizados da ciência podem ainda confirmar uma verdade que os antigos adivinhos apenas pressentiam. É possível que se venha a provar que a história da adivinhação é outro capítulo da história do absurdo humano.

Se se aceitar esta teoria do absurdo, não haverá absolutamente nada de válido a dizer sobre a adivinhação? Há pelo menos um aspecto positivo a acentuar. Embora possa parecer estranho, a adivinhação pode ter contribuído para o desenvolvimento do método científico. Nas duas sociedades em que mais eficazmente podemos descobrir as raízes da moderna civilização, a antiga China e a Mesopotâmia, a adivinhação era apoiada por uma élite relativamente culta, um grupo que não só criou um ritual como elaborou uma primeira estrutura, quer racional, quer pseudo-racional, para predizer acontecimentos significativos para a sociedade. Tais tentativas encorajaram a observação, o registo, o cálculo e a análise. Criaram uma estrutura de causa aparente-efeito.

E talvez tivessem conseguido algo mais. Em Journal of the Royal Anthropological 1nstitute, num artigo sobre a adivinhação e o seu contexto social, o Dr. George K. Park notou que alguns sistemas sociais dependem ainda «de modo crítico das realizações dos seus adivinhos», pois a adivinhação facilita uma «tomada de decisão nem sempre fácil sobre determinados planos de acção». Alguns estudos demonstram que o recurso à adivinhação, praticado em muitas sociedades, não se deve apenas à superstição ou credulidade dos seus membros. De facto, em tais culturas não é vulgar que um cliente siga cegamente as directivas de um adivinho respeitantes à sua existência quotidiana. Pelo contrário, o cliente consulta um adivinho tribal respeitado para solucionar um problema difícil e procura conselho – de uma ou várias fontes – até ouvir o ditame que lhe parece mais prático e útil nas circunstâncias em causa. Num tal sistema, a consulta de um adivinho é um meio que permite ouvir uma vasta gama de opiniões dos indivíduos considerados os mais sábios da comunidade. E o conselho do adivinho apresenta uma vantagem adicional. Uma vez tomada, a decisão pode ser prontamente justificada aos olhos da sociedade, pois foi ditada pelo padrão da palma, ossos ou conchas – e não por capricho.

Em resumo, a adivinhação ajudou e continua a ajudar, em variáveis graus, os indivíduos a tomarem decisões. E como todos os executivos modernos sabem, todas as decisões verdadeiramente difíceis tem de ser tomadas com base em dados inadequados. No fim, a intuição do executivo, aliada a uma capacidade de actuação, pode ser mais determinante do que todos os factores considerados do problema a resolver. Neste sentido, a adivinhação pode ser hoje em dia mais largamente praticada do que supomos. Talvez nos refiramos simplesmente a ela por outra designação: poder de decisão.

A Adivinhação através do Corpo Humano

Dos numerosos exercícios de auto-interpretação praticados pelo homem com vista ao conhecimento do futuro e de si mesmo, talvez nenhum exceda em seriedade os que ele inventou baseados na leitura de várias partes do corpo. O método actualmente mais conhecido e mais largamente praticado é a quiromancia, o estudo da mão, mas existem ainda a frenologia, o estudo da forma do crânio; a fisiognomonia, o estudo das características e estrutura do rosto, e a moleosofia, o estudo de manchas do corpo.

Embora as suas origens sejam obscuras, crê-se que a quiromancia teve início quer na Índia, quer na China, onde consta que já era praticada em 3000 a. C. Esta prática está ainda largamente divulgada entre os povos do Oriente e Médio Oriente.

A quiromancia começa por analisar as caracteristicas óbvias e, através de inúmeras e intrincadas fases de apreciação e interpretação, acaba a examinar os pormenores mais subtis. As suas conclusões são expressas não em termos de certeza, mas de probabilidade e tendência. Um quiromante sério começará por examinar ambas as mãos: relativamente a um indivíduo destro, a mão esquerda é considerada a mão do «nascimento» – a que revela as predisposições herdadas do carácter –, enquanto a direita reflecte as características individuais, diversificações e potencialidades.

Para o leitor da palma, a formação global das mãos é uma primeira chave reveladora do carácter e do destino. Uma mão quadrada identifica um indivíduo de natureza prática, enérgico, determinado, capaz de alcanqar sucesso. A mão afilada, denominada cónica na linguagem dos quiromantes, pertence provavelmente a um artista, um indivíduo de natureza social, entusiasta e sensível. A mão em forma de pá parece estar em movimento mesmo quando em descanso e denota um possuidor enérgico, com uma necessidade de acção a nível concreto. A mão pontiaguda pertence ao idealista, ao amante da beleza, por vezes destituído de sentido prático. A mão comprida, de articulações nodosas, é a do pensador ou filósofo. A maioria das pessoas tem uma mão mista, que apresenta características de duas ou mais formas clássicas.

Também os dedos são tidos em consideração. Um polegar inserido em baixo, formando com a mão um ângulo bastante obtuso, sugere um indivíduo descuidado, enquanto um polegar colocado numa posição elevada indica um carácter cuidadoso, possivelmente até inflexível. Dedos compridos sugerem um gosto pelo pormenor; dedos curtos, uma personalidade impetuosa e impaciente.

Os quiromantes consideram estas e outras facetas da mão antes de examinarem finalmente as características que constituem o âmago da quiromancia: o conjunto profundamente articulado de planos, proeminências, linhas e marcas que formam a própria palma. A palma é dominada pelos montes, tumefacções carnudas situadas ao longo da sua orla exterior e na base de cada um dos dedos. Revestem-se ainda de grande importância as três linhas maiores que a sulcam e que são chamadas, de cima para baixo, a linha do Coração, a linha da Cabeça e a linha da Vida. Os elos da quiromancia com a astrologia são evidentes na designação dos montes e outras regiões da mão. A partir do monte situado exactamente abaixo do indicador encontram-se: Júpiter, representando a ambição; Saturno, a sobriedade; Apolo, ou Sol, a sensibilidade e talento artístico, e Mercúrio, a esperança e a inteligência; Marte Superior, precisamente abaixo de Mercúrio, representa a perseverança; Lua, situada ao longo da base da mão, as forças criadoras, imaginação e intuição; Vénus, na base inferior do polegar, o amor e paixão, e finalmente Marte Inferior, acima de Vénus, exprime frieza e espírito calculista. No centro da mão, situa-se a Planície de Marte, representando controle emocional, nervosismo ou negativismo, dependendo da sua forma.

Para além destas complexidades, as alterações das marcas numa determinada mão – círculos, estrelas, cruzes e quadrados – começam a tender para o infinito. No entanto, é precisamente este número infinito de possibilidades que o quiromante procura abarcar: não necessariamente para conhecimento do futuro ou de características ocultas, mas para confirmação da sua individualidade única e pessoal.

«Videntes» de Mãos Trémulas

Os Navahos, índios dos EUA, praticam uma das mais misteriosas das numerosas formas de adivinhação, uma técnica ligada a um estado de descontrole físico semelhante a transe conhecido por tremor de mãos. O antropólogo americano Dr. Clyde Kluckhohn estudou o assunto e fez um relatório das suas experiências pessoais com um tremedor de mãos, um adivinho navaho de nome Gregório.

Kluckhohn e a mulher visitaram uma reserva navaho no decorrer de uma viagem ao campo. Uma vez aí, tendo ouvido falar das aptidões de Gregório, decidiram aliar a necessidade prática à erudição e pediram-lhe que tentasse localizar uma mala de mão que Mrs. Kluckhohn perdera apenas alguns dias antes. Depois de escutar os Kluckhohns, Gregório arregaçou as mangas, lavou cuidadosamente os braços e as mãos e subiu lentamente até ao cimo de uma colina. Virado para norte, salpicou com pólen de milho a sua mão direita, que começou a tremer. Em seguida, esfregou as palmas das mãos uma contra a outra e em breve a sua mão esquerda começou também a tremer. Gregório prolongou este ritual durante um certo tempo, mantendo os olhos fechados. Depois, lentamente, moveu ambas as mãos, como que a delinear os contornos da carteira desaparecida. Finalmente, declarou aos Kluckhohns que encontrariam a mala no posto comercial local. E assim aconteceu.

Segundo as conclusões a que chegaram os Kluckhohns, adivinhos como Gregório consideram que as suas capacidades de adivinhação, que se manifestam através do tremor das suas mãos, transcendem o seu poder e controle pessoais. Num artigo que escreveu no Journal of the American Society for Psychical Research em 1976, Richard Reichbart comunicava que esta técnica de adivinhação «continua a florescer» na reserva navaho que se estende pelo Nordeste do Arizona, Noroeste do Novo México, Sudeste do Colorado e abrange zonas do Sul do Utah.

O tremor das mãos, como muitos outros métodos de adivinhação, é mais frequentemente usado com finalidades práticas, tais como encontrar ovelhas ou cavalos extraviados, pessoas desaparecidas, objectos roubados ou perdidos. No entanto, o tremor das mãos dos Navahos possui também poderes curativos, e os membros da tribo atormentados por sonhos assustadores de carácter profético recorrem também aos tremedores de mãos, pois acreditam que a simples comunicação de um sonho deste género a estes praticantes da adivinhação evita as suas consequências. O tremedor de mãos pode ainda aconselhar, em casos destes, a realização de uma cerimónia especial. A ligação entre a prática desta actividade de adivinhação e a do vedor é óbvia, e outrora era extraordinariamente directa: os tremedores de mãos, uma vez no seu estado de aparente descontrole físico, eram frequentemente procurados para detectar a presença de água subterrânea.


O Inexplicável Sucesso do Vedor

« À primeira vista », escreveu em 1897 Sir Wiliam Barrett, professor do Royal College of Science de Dublin, «poucos temas parecem merecer tão pouca consideração e estarem tão completamente fora da alçada da investigação científica como o da actividade do vedor. » Mas no preciso momento em que escrevia esta frase, Barrett, durante certo tempo um céptico declrado, estava em vias de se tornar um convertido da misteriosa arte.

A instâncias de um colega, Barrett empreendera um estudo «científico» da antiga actividade dos vedores, segundo afirmou num espírito de «relutância “e mesmo repugnância”» e com a esperança de em breve poder consignar todo o tema àquele «vasto limbo desde sempre chamado o Paraíso dos Loucos». Em vez disso, o que descobriu não só o surpreendeu como confundiu. Impressionou-o particularmente a obra de um vedor de nome John Mullins, que, em 1889, fora contratado pela Waterford Bacon Factory para localizar água subterrânea na sua propriedade. Geólogos profissionais haviam já fracassado nesta tentativa, mesmo depois da abertura de numerosos furos de sondagem a profundidades superiores a 300 m. Quando chegou a Waterford, Mullins percorreu a propriedade segurando à sua frente um ramo bifurcado. Num local situado apenas a alguns metros de distância de um furo previamente aberto, o ramo torceu-se tão violentamente que se quebrou. Nesse local, segundo declarou Mullins a várias testemunhas, a uma profundidade de 25 a 55 m, os proprietários da fábrica encontrariam água. O que efectivamente aconteceu.

Ignora-se a data em que o primeiro vedor – um indivíduo capaz de, por meios inexplicados, localizar água subterrânea, minerais, petróleo, tesouros ou mesmo pessoas perdidas – começou a praticar a sua arte. Uma pintura rupestre do Sara de cerca de 6000 a. C. reproduz uma figura segurando o que parece ser uma varinha de adivinhar. Igualmente incerto é se a arte do vedor era praticada nos tempos clássicos. As literaturas grega e romana contêm numerosas referências a rabdomancia – adivinhação pelo uso de varas, paus e setas –, mas não é possível afirmar categoricamente que esta prática correspondia à do actual vedor. Indiscutível é que a arte do vedor, virtualmente na sua forma moderna, começou a aparecer em registos escritos e gráficos na Idade Média. Sabe-se, por exemplo, que na Alemanha do século XV se recorreu a vedores para que estes prospectassem minerais nas Montanhas Harz, que Martinho Lutero condenou a prática como vestígio de bruxaria e que em 1556 Georg Agricola a discutiu e ilustrou no seu tratado sobre minas e metalurgia, De Re Metallica. Nos finais do século XVII, a Polícia Francesa pediu a colaboração de um vedor na resolução de um caso de assassínio e roubo ocorrido em Lyons. O vedor conduziu os polícias a uma cidade distante, onde identificou um criminoso que mais tarde confessou ter participado no crime.

No entanto, as artes do vedor continuam a ser um mistério para a ciência do século XX. Não só não obedecem a qualquer princípio físico conhecido, como também os próprios vedores são frequentemente indiferentes as teorias que tentam explicar a sua arte. «As razões pelas quais os ... procedimentos funcionam», nota um comunicado da Sociedade Americana de Vedores, «são inteiramente desconhecidas. » De acordo com a prática comum, o vedor percorre lentamente o terreno que deve ser prospectado, segurando à sua frente um ramo bifurcado, um par de varinhas ou um fio-de-prumo. (Tradicionalmente, os ramos ou varinhas deveriam ser feitos de avelaneira, mas os vedores actuais usam praticamente qualquer material, incluindo cabides de metal.) Enquanto caminha, o vedor deverá concentrar-se – de preferência expressando em voz alta as conclusões a que chega – na natureza e profundidade precisas do objecto que procura. Quando descobre o local exacto, o seu ramo curvar-se-á repentinamente; ou, no caso das varinhas, estas cruzar-se-ão ou divergirão; quanto ao fio-de-prumo, começará a oscilar irregularmente.

Observadores cépticos, a partir de Barrett, notaram que o movimento do ramo, das varinhas ou do fio-de-prumo resulta provavelmente de contracções musculares involuntárias dos braços e mãos do vedor. A maioria dos vedores não têm qualquer relutância em admitir esta hipótese, que aliás não fornece uma solução ao problema. O mistério central do fenómeno diz respeito ao próprio vedor. Será ele sensível, como já foi especulado, às pequenas variações electromagnéticas produzidas por substâncias ocultas? Conseguirá ele detectar ligeiras mudanças na temperatura do solo? Dependerá ele de alguma combinação dos cinco sentidos ou mesmo de um sexto instinto ou sentido ainda desconhecido?

Pelo menos uma das formas que assume a arte do vedor pode apenas ser explicada em termos de percepção extra-sensorial. Trata-se da arte do vedor aplicada a mapas – um procedimento no decorrer do qual o vedor segura um fio-de-prumo ou qualquer outro indicador sobre um mapa do terreno a ser explorado. O mais famoso vedor de mapas é talvez Henry Gross, celebrado em artigos e livros pelo seu acólito ainda mais famoso, o romancista Kennert Roberts. Gross realizou um dos seus feitos mais conhecidos no Maine, em Outubro de 1947, durante uma reunião de amigos que se prolongou pela noite. O tema da conversa centrou-se na Bermuda, e alguém referiu que os geólogos haviam concluído que a ilha era desprovida de água doce. Gross pediu um mapa da Bermuda, abriu-o e, após passar sobre ele uma varinha, indicou quatro locais onde seria possível encontrar água doce. Nos meses que se seguiram, durante um período de seca, foi descoberta água doce em três dos quatro locais que Gross assinalara no mapa.

A incapacidade da ciência em explicar a arte do vedor – para não falar da arte do vedor aplicada a mapas – não tem desencorajado nem os vedores, nem os seus clientes. Segundo uma estimativa da Sociedade Americana de Vedores, que se gaba de contar com mais de 2000 membros que pagam quotas, há pelo menos 25 000 vedores praticantes nos EUA, os quais, em muitos casos, tem sido bem sucedidos. Os vedores, salientou Christopher Bird em The Divining Hand, tem sido mesmo usados para descobrir petróleo. «E o facto», declarou ele, «é que a Occidental Petroleum Corporation lançou as bases da indústria do petróleo quando comprou dez poços produtores descobertos por vedores. »

Serão os vedores algo mais do que geólogos inatos? Esta e outras perguntas semelhantes continuam a ser acaloradamente debatidas. No entanto, uma coisa é certa: com base na actuação, nenhuma outra forma de adivinhação desafiou tão seriamente os cépticos científicos.

Clientes de Leitura Fria

«Tem de olhar para a pessoa toda», disse Zíngara, a cartomante. «É gorda ou magra? Em que zonas se concentra a gordura? Como são os pés? Revelam vaidade ou preocupação? Tem o peito dilatado ou os ombros encolhidos? Tem o tórax ou o estômago salientes?...

«O rosto é o último a ser analisado. Ostenta uma expressão de felicidade? Provavelmente não. Que tipo de infelicidade reflecte? Preocupação? Fracasso? Onde se localizam as rugas? Tem de olhar atenta e rapidamente ... Dizer-lhes de imediato que estão preocupados. Evidencemente que estao preocupados; por que outro motivo viriam a uma tenda de cartomante?»

Embora a própria Zíngara seja fictícia, uma personagem da história do escritor canadiano Robertson Davies, a descrição que faz do modo como um vidente aprecia um cliente a partir do momento da entrada na tenda – aquilo a que os quiromantes, psíquicos, profissionais de circo e professores de Psicologia chamam igualmente leitura a frio – está perfeitamente correcta.

Uma leitura a frio representa a arte de um vidente profissional e a condição da sua sobrevivência. Baseia-se na observação cuidadosa e interpretação arguta das características óbvias e reflecte pelo menos três suposições sobre a natureza humana: primeira, que a maioria das pessoas exprime involuntária e implicitamente a classe a que pertence, o rendimento que aufere, a educação recebida e o substrato cultural em que se insere, e que através dos seus gestos, maneirismos e vestuário transmite uma riqueza de informação sobre si mesma; segunda, que, na sua maioria, os indivíduos ouvem mais o que querem ouvir do que o que é dito; terceira, como Zíngara observou em World of Wonders, que «são muito maiores as semelhanças do que as diferenças entre as pessoas».

Antes de um cliente ter aquecido a sua cadeira, um leitor a frio hábil já tomou mentalmente nota de uma dúzia de indícios e deduziu factos prováveis suficientes para começar a sugerir pistas. Frases feitas como «Os seus verdadeiros talentos estão ainda por revelar» ou «Você não revela facilmente os seus verdadeiros sentimentos» têm como objectivo obrigar o cliente a falar. Tópicos que não suscitam qualquer reacção são postos de parte, enquanto aqueles que provocam um aceno ansioso ou uma contracção nervosa são aprofundados.

As leituras a frio são de realização extraordinariamente fácil, e não apenas em circuitos de circo. Em determinados testes realizados por psicólogos os sujeitos são induzidos a pensar que esboços de personalidade de carácter genérico foram individualmente elaborados. Num exemplo clássico, solicitou-se a um grupo de estudantes que enchiam uma sala que atribuísse uma classificação a uma descrição caracterológica feita a partir de um livro de astrologia. Dos 39 estudantes, 16 consideraram o esboço, feito a traços largos, como uma evolução quase perfeita dos seus caracteres. Apenas 5 do grupo total a consideraram uma descrição de si próprios muito pouco exacta.

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