quarta-feira, 18 de março de 2009

O Historiador Francisco Ferreira Drumond

A sua Vida e a sua Obra por Joaquim Moniz de Sá Corte-Real e Amaral


Discurso proferido por Joaquim Moniz de Sá Corte-Real e Amaral, Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, no acto da inauguração do monumento à memória do historiador Francisco Ferreira Drumond, no novo Largo do Rocio, da freguesia, antiga Vila, de S. Sebastião em 14 de Outubro de 1951.



Soou finalmente, e como era devido, a hora da justiça para a memória de Francisco Ferreira Drumond, o maior historiador da nossa terra. E soou, exactamente, por feliz coincidência, quando ocorre o V centenário da chegada a esta ilha dos primeiros povoadores.

Foi, com efeito, em 1 de Janeiro de 1451, segundo os melhores investigadores, que aqui chegou Jácome de Bruges, lançando em terra animais domésticos que, mais tarde, veio encontrar largamente reproduzidos. Em 1456, de novo aqui chegou, com os seus quatro companheiros - além de outros - os conhecidos Joäes, isto é, João Coelho, João da Ponte, João Leonardes e João Bernardes e ainda Fr. João - pelo que a história devia mais propriamente citar cinco desse nome - e por aqui começou o povoamento da Ilha Terceira. Foram esses homens, esses Joäes, e ainda Gonçalo Enes da Fonseca - portugueses fortes de Quinhentos, portadores das melhores virtudes construtivas da raça - que, com Jácome de Bruges, deram início à obra admirável de colonização realizada nesta ilha e que representa um esforço gigantesco, qual o de, vencendo dificuldades mil, arrancar à terra virgem os produtos necessários, criar, em suma, as condições indispensáveis à vida.

Neste local, pois, é pela emoção que, quem conhece história se sente dominado, ao lembrar-se que nele começou e prosseguiu, alastrando depois pela ilha, progressivamente e com tão lusitano acento, a tarefa ingente iniciada por esses audazes pioneiros da colonização terceirense, como é nesta localidade que se encontram os mais remotos vestígios dessa construtiva acção. Na denominação de alguns acidentes geográficos se notam ainda testemunhos evocadores desses primitivos tempos.

Teatro, mais tarde, também de factos notáveis que a história regista com orgulho, conta ainda entre os seus filhos personalidades de destaque que muito trabalharam pelo prestígio e honra da Pátria.

Aqui nasceu Francisco Ferreira Drumond. Por singular coincidência, nesta localidade, que foi o berço da colonização terceirense, viu a luz do dia, isto é, teve também o seu berço, o nosso maior historiador. O meio ambiente, com a sua influência evocadora e inspiradora, foi como que o modelador do seu espírito já propenso ao culto do passado e o propulsor da sua fecunda actividade mental.

A obra deste homem ilustre, pouco conhecida aliás, é vasta. Só se conhece, por assim dizer, o que a incompreensão ou a maledicência do vulgo fizeram passar através dos tempos até nós. O que é certo, porém, é que se trata de uma obra de singular valor e benemérita, e o seu autor, quase um desconhecido das modernas gerações, foi uma das figuras maiores da Ilha Terceira, cuja actividade como investigador, historiador, paleógrafo, músico e administrador público, se tornou notável no seu tempo. E foi exactamente por muito ter marcado e ascendido que provocou, sobretudo como campeão denodado das prerrogativas ameaçadas do seu concelho, certas animosidades, como era natural.

A biografia de Francisco Ferreira Drumond é grande e honrosa: assim não quisemos confiar ao improviso os mais importantes factos em que a sua personalidade foi vincada, antes trabalhámos, desataviadamente embora, as notas que se seguem, revelando os tão singulares méritos e serviços que justificam a oportuna consagração a que estamos assistindo, promovida pela Câmara Municipal a que tenho a honra de presidir.

I

Francisco Ferreira Drumond nasceu numa pequena casa da Rua da Igreja, da Vila de S. Sebastião, a 21 de Janeiro de 1796 (1), tendo sido baptizado na respectiva Matriz em 27 desse mesmo mês, e faleceu na sua casa da Travessa da Misericórdia, em 11 de Setembro 1858 (2), contando assim 63 anos incompletos de idade.

Foram seus pais Tomé Ferreira Drumond, lavrador abastado, e D. Rita de Cássia, ambos aqui residentes [na Vila de S. Sebastião] e baptizados também na referida Matriz, pertencentes à principal nobreza local.

Desde os mais verdes anos, revelou decidida vocação para as letras e cultura musical. Habilitado com a instrução primária, estudou seguidamente as disciplinas que constituíam o objecto do ensino da mocidade, isto é, o latim, a lógica e a retórica. Muito estudioso, procurou constantemente aumentar a sua instrução, assim literária como artística, o que lhe foi facilitado em grande parte pelo meio familiar em que viveu.

Criada a escola de primeiras letras naquela Vila, por alvará de 6 de março de 1782, fora nela provido o professor Sebastião Ferreira Drumond, ao qual sucedeu o seu irmão Francisco Machado Drumond, que, nomeado por provisão de 23 de Janeiro de 1786, desempenhou ininterruptamente as respectivas funções durante 30 anos, sendo sempre considerado não só como notável professor, como também cidadão de grandes virtudes cívicas e religiosas. Foi este conceituado mestre régio - tio paterno de Francisco Ferreira Drumond - homem abastado e generoso, que viveu no estado de solteiro, o mentor e protector de toda a família a que pertencia.

Naquela Vila houve então, além da aludida aula de primeiras letras, uma cadeira de Gramática Latina, de que foi primeiro professor o Padre António Miguel da Silveira, nomeado em 15 de Junho de 1783, tendo-lhe sucedido no cargo o Padre António José Elias, até ao ano de 1824, em que foi extinta essa cadeira.

Foi, contudo, o erudito Padre José Ferreira Drumond, seu primo e padrinho, também hábil organista, que maior influência exerceu na formação espiritual do nosso homenageado, de quem foi o primeiro mestre, Além deste, teve como mestre de órgão Frei António de Pádua, que mais de 40 anos foi vigário do coro no Convento de S. Francisco de Angra.

Mercê, assim, de uma sólida preparação literária e musical e persistente estudo dos principais autores portugueses e latinos, não obstante viver neste deveras acanhado meio, foi considerado bom latinista e exímio organista.

Desde muito novo, simultaneamente, manifestou decidida vocação para as

investigações históricas, em que mais tarde, sobretudo, se havia de notabilizar.

***

Na formação da singular personalidade de Francisco Ferreira Drumond, muito actuaram influências ancestrais e familiares. Pertencia à nobre e distinta geração e linhagem dos Drumonds, de Stobhall, do reino da Escócia, que na pessoa de João Escórcio Drumond - filho 2º dessa casa - no 1º quartel do século XV passaram à ilha da Madeira, onde lhe foram concedidas terras de sesmaria, tendo ali casado, em segundas núpcias, na Vila de Santa Cruz, com Branca Afonso, natural da Covilhã.

A varonia e primogenitura da antiga família dos Drumonds, na Escócia, conservou-se ali até 1878, ano em que faleceu o seu último representante, o 6º conde de Perth, que deixou avultada fortuna, à qual se habilitaram, mas com insucesso por falta de documentação suficiente, vários membros da família, especialmente residentes na Madeira.

Dos citados João Escórcio Drumond e sua mulher D. Branca Afonso, descende Francisco ferreira Drumond, que, no segundo quartel do séc. XVII, passou da Madeira a esta ilha Terceira, constituindo aqui o tronco desta família.

Conforme refere o Dr. Gaspar Frutuoso, na Vila da Ribeira Grande, ilha de S. Miguel, também se estabeleceu por essa época João Gonçalves Ferreira, homem abastado, descendente destes Drumonds da Madeira, o qual naquela Vila deixou numerosa descendência.

Foi este Francisco Ferreira Drumond o 1.º almoxarife da Alfândega da Vila da Praia, por provisão de 11 de Janeiro de 1634, e, como capitão, combateu os castelhanos no cerco do castelo de S. Filipe, em 1641-1642, comandando as companhias da Ribeira Seca, Fonte do Bastardo e Cabo da Praia. Deste e de sua mulher, D. Ana Machado, provêm os Drumonds, que se estabeleceram na Vila de S. Sebastião, e que durante os séculos XVIII e XIX notável influência e preponderância ali exerceram. Pode mesmo afirmar-se, não ser possível falar da história da Vila de S. Sebastião, sem se aludir a esta distinta família.

À igreja, ao magistério, à governança, à cultura das letras, da música e da historiografia, deu ela, com efeito, como nenhuma outra, figuras de marcado relevo, que com seu labor, dignificaram e enalteceram esta Vila.

Foram elas, especialmente:

Francisco Machado Drumond, professor régio, já referido, que nasceu em 4 de Fevereiro de 1739 e faleceu em 20 de Janeiro de 1828.

Padre José Ferreira Drumond, também já citado, que nasceu a 13 de Outubro de 1780 e morreu a 14 de Maio de 1858: foi um dos mais distintos e notáveis ornamentos do clero da sua época. Teve as seguintes nomeações: beneficiado e organista da Matriz de S. Sebastião em 1796; presbítero em 1804; cura da Vila Nova em 1807; colado nas Fontinhas, de 1820 a 1834; e na Vila de S. Sebastião desde 1835 até à sua morte. Tal reputação conquistou pelos seus talentos e zelo no exercício do seu múnus sacerdotal que lhe foram oferecidos vários canonicatos, que sempre recusou. Foi orador sagrado de grande notoriedade em toda a ilha durante 46 anos, e examinador sinodal por nomeação prelatícia de 7 de Abril de 1842. Distinguiu-se também como teólogo, cultor das belas artes e da música, sobretudo de órgão.

Tomé Ferreira Drumond, cidadão de notáveis virtudes cívicas e de grande prestígio, Presidente da Câmara em 1821.

Capitão José Ferreira Drumond, capitão de ordenanças, nasceu a 3 de Março de 1794 e faleceu a 31 de Dezembro de 1880. Foi almotacé do concelho, de 1811 a 1821; procurador do concelho, eleito em 1821 e 1824; juiz e Presidente da Câmara em 1830; provedor do concelho, de 1832 a 1840; administrador do concelho de 1840 a 1842; novamente Presidente da Câmara, de 1850 a 1869, servindo intercaladamente de 2 em 2 anos; Provedor da Misericórdia durante 4 períodos; e, finalmente, Presidente da Junta de Paróquia, nos últimos anos de vida. Foi uma das mais prestantes, beneméritas e respeitáveis figuras de S. Sebastião.

Foram estes quatro tão proeminentes individualidades, respectivamente, tio-avô, primo-padrinho, pai e irmão de Francisco Ferreira Drumond, de cuja vida e obra, como é nosso objectivo essencial, passamos a ocupar-nos com mais detença.

Antes porém, é de notar que, de harmonia com as tradições familiares, aqui, depois e seguidamente, praticaram o magistério primário José Dinis Drumond e João Machado Ferreira Drumond, este último também organista, como o foi a sua irmã D. Maria Júlia Ferreira Drumond (3). E, ainda que a primeira professora primária colocada nesta Vila, D. Maria das Dores de Lima, acrescentou aos seus apelidos o de Drumond, por se haver consorciado com Francisco Ferreira Machado Drumond.

Aqui, e ainda noutras localidades desta ilha, existem numerosos indivíduos pertencentes a esta nobre família Drumond, descendentes - e alguns por varonia - dos que foram mencionados, usando, não poucos, por adulteração do vocábulo, o apelido de Ormonde, que na origem é o mesmo.

Foi o nosso homenageado, exactamente, um dos que deixou mais numerosa descendência, toda proveniente da sua filha única, D. Adriana Emília, que em 1840 casou com João Machado Valadão.

II
Iniciou Francisco Ferreira Drumond a sua vida pública como organista da Matriz da Vila da Praia, cargo para que foi nomeado em 1811, contando apenas 15 anos de idade, e exerceu durante 47 anos, até ao seu falecimento. Nessa época, aquela arte, em que foi exímio, era muito apreciada, deveras contribuindo para o excepcional esplendor que começou a atingir nesta ilha a música sacra, especialmente sob a influência do Bispo da Diocese D. José Pegado de Azevedo (1802-1812), que foi grande amador de música.

Músico por vocação, Francisco Ferreira Drumond, dispondo de profundos conhecimentos, assim práticos como teóricos, e não só como organista mas ainda de organeiro, a ele se recorria nesta ilha confiadamente sempre que dos respectivos serviços se carecia. Na casa da sua residência, tinha cravo e manicórdio, em que sempre se exercitou até aos últimos anos de vida.

Foi no seu tempo, isto é, em 1855, que apareceu, pela primeira vez nesta ilha, numa festividade realizada na Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Angra, um novo instrumento musical para substituir o órgão - o harmónio ou órgão expressivo, que causou grande sucesso, pela energia e docilidade dos seus sons. E, logo no ano imediato, tendo a Misericórdia da Vila da Praia mandado vir do continente um destes instrumentos para a sua igreja, Ferreira Drumond a ele se consagrou, enaltecendo em escrito público, o seu emprego.

Não obstante, uma grande parte da vida plurifacetada de Ferreira Drumond foi deveras acidentada e afanosa, e por vezes bem amargurada: por um lado, produto da época de profundas transformações político-sociais e do meio em que decorreu a sua existência; por outro, consequência do seu temperamento combativo, um tanto assomadiço, e apaixonado amor à sua vila natal, cujas prerrogativas jamais lhe consentiu o ânimo fossem diminuídas.

Em 1822, tendo-se procedido à eleição da Câmara Municipal de S. Sebastião, segundo o novo sistema constitucional, foi ele - que aqui vivia a maior parte do tempo - eleito seu secretário. Deste modo, aderiu (4) ao novo regime implantado no país, como consequência do triunfo da Revolução Liberal do Porto de 1820. No ano seguinte, banida como foi a Constituição e restituído D. João VI aos seus antigos direitos, foi este aclamado, e por toda a parte se iniciou logo a perseguição aos constitucionais. Na Vila da Praia, então um baluarte absolutista, essas perseguições populares foram violentas, sendo por elas também atingido Ferreira Drumond, que ali se encontrava. Ele próprio, mais tarde, nos seus Anais da Ilha Terceira, narrou o sucedido, da forma seguinte:

«Passados alguns dias foi cercado no parlatório do mosteiro da Luz da Vila da Praia o autor destes Anais, imputando-se-lhe o crime de ter tocado no órgão muitas vezes o hino constitucional. Uma grande multidão de povo cercou o mosteiro, e depois de quatro horas de sitio, acometendo a porta, quiseram alguns dos mais temerários entrar à força, o que não efectuaram atendendo aos brados da abadessa e mais religiosas que lhes protestaram por semelhante atentado, pedindo-lhes se retirassem a suas casas deixando o sitiado, que nenhuma culpa tinha a expiar por semelhantes meios; porém não cessava o tumulto, antes cada vez se aumentava o concurso do povo, como se fosse para uma festa. Oficiaram então as madres do definitório ao juiz de fora António José Machado, o qual, deixando a audiência em que estava, saiu a toda a pressa, e foi abrir a porta do parlatório em que se achava o sitiado, que a não ser assim socorrido, seria feito em pedaços como vociferavam os principais amotinados.»


Para escapar às perseguições absolutistas, resolveu Ferreira Drumond, com outros, evadir-se desta Ilha, na noite de 27 de Julho, indo para Santa Maria, donde passou a S. Miguel, e dali, partiu para a Madeira, donde finalmente passou a Lisboa. Depois de pouco mais de um ano de exílio, e de na capital do reino ter assistido ao movimento político denominado "A Abrilada", regressou à Terceira, onde a situação que o levara a ausentar-se se havia já modificado.

Exerceu seguidamente em S. Sebastião os cargos de escrivão da Câmara Municipal (5), dos Órfãos, da Administração do Concelho, e Tabelião. Em 1836, foi eleito Presidente da referida Câmara, tendo desempenhado essas funções até 1839. Neste último ano, foi eleito Procurador à Junta Geral do Distrito, e durante vários anos exerceu também o cargo de Provedor da Misericórdia.

Atravessava então este Concelho o período mais crítico e inquietante da sua existência três vezes secular. A espada de Dâmocles achava-se suspensa sobre a sua vida de unidade administrativa autónoma. É que uma série de diplomas legislativos atinentes à reforma geral dos serviços públicos, de harmonia com os novos princípios, inclusivamente da divisão administrativa do território nacional, foi sendo promulgada, atingindo, a pouco e pouco, este concelho, cerceando-lhe as prerrogativas (6), até que, finalmente, foi extinto por Decreto de 24 de Outubro de 1855, aliás só posto em execução em 1 de Abril de 1870.

Como se sabe, a antiga Vila de S. Sebastião foi criada por El-rei D. Manuel, em carta de 6 de Março de 1503. O Dr. Gaspar Frutuoso afirmou, mas erradamente, no que foi seguido pelo Padre António Cordeiro, que era esta a mais antiga vila da Ilha Terceira. Ignora-se a existência dos diplomas régios, pelos quais foram criadas as outras duas vilas terceirenses; mas o que é indubitável é que nessa carta régia que concedeu os foros de vila a S. Sebastião, se acha claramente expresso que era Angra já vila. Além disso, por documentos autênticos, sabe-se que Angra já era vila em 1482, e à Praia foram tais foros concedidos no espaço de tempo que decorreu entre 1482 e 1487.

O erro de Frutuoso - que não conheceu os mencionados documentos -‚ teve a sua origem, sem dúvida, no facto de ter sido, com efeito, por aqui que começou o povoamento da ilha.

Conforme consta da aludida carta régia de D. Manuel, os limites fixados ao novo concelho, foram assim:

"... e lhe damos por termo da parte da Ribeira Seca, assim como parte da capitania até à outra parte do Norte; e da banda do poente, pelo Biscoito da Feteira até à outra banda do norte, de maneira que seja de mar a mar, e tão largo da parte do norte, como o é na parte sul".

Nesta demarcação ficaram compreendidas as povoações da Ribeira de Fr. João, Santo António do Porto Judeu e Porto Alegre, e ao norte os Folhadais (hoje Raminho); no interior da ilha os baldios. Tanto na linha da costa ao sul, como ao norte, a largura do território era de uma légua.

Foi assim este concelho constituído com terras que pertenciam à capitania de Angra.

Mais tarde, a freguesia dos Altares, que era considerada termo da Vila de S. Sebastião, mas cujos limites eram incertos e deste modo objecto de litígios, foi demarcada em 1565, como pertencendo à capitania da Praia, e a ela continuou a pertencer até 1855, ano em que passou ao concelho de Angra.

Durante três séculos, existiu este concelho, com todas as suas instituições privativas, tal qual os seus pares, nele prosperando a agricultura e indústrias derivadas, aproveitando-se as riquezas da terra, adaptando-se, numa palavra, a população aos respectivos quadros geográficos. Nele ocorreram factos históricos que muito a enobreceram, como a batalha da Salga em 1581; desembarque do inditoso rei D. António, prior do Crato em 1582; se preparam contingentes de tropas que se cobriram de glória no cerco do Castelo de S. Filipe em Angra, em 1641-1642; e, filhos seus, tais como Brianda Pereira, Gaspar Gonçalves Machado Ribeira Seca e Cândido Gonçalves Rosa, e outros, pelos seus feitos honraram a Pátria. Passado glorioso, apresentava pois este concelho, em cujo território, de resto, foi iniciado o povoamento da Ilha com Jácome de Bruges, e ostenta ainda testemunhos dessa primitiva época, como a sua Igreja Matriz - com abundantes e singulares elementos arquitectónicos, sobretudo gótico-manuelinos -‚ sob cujas abóbadas se reuniam as três Câmaras da Ilha desde que interesses comuns o determinavam, quando no segundo quartel do séc. XIX, por virtude de reformas saídas do constitucionalismo, começou a sentir o cerceamento das suas prerrogativas, até que, por último, foi extinto, como dissemos, e incorporado no de Angra, de cuja jurisdição havia sido desanexado em 1503. De tudo, apenas lhe ficou a Misericórdia, que, não obstante vários colapsos, ainda subsiste (7).

Como é lógico, tais medidas governamentais, que, deve dizer-se, atingiram de igual modo os concelhos do Topo e da Praia da Graciosa, não podiam deixar de provocar em geral na população os maiores descontentamentos e protestos, pelos prejuízos imediatos e incomodidades que lhe acarretariam.

Francisco Ferreira Drumond, então Presidente da Câmara, e Procurador à Junta Geral do Distrito, homem activo e preponderante também pela sua excepcional ilustração no meio, tornou-se, com o seu apaixonado bairrismo, como que o chefe do movimento de protesto, batendo-se qual outro «Magriço», denodadamente, pela sua dama. E na Câmara - representando as Cortes - na Junta Geral, na imprensa, por todos os meios, assinala o seu espírito combativo em prol da causa, que nobremente abraçou e julgava justa.

Esforço louvável, sem dúvida; todavia, inglório, porque os fundamentos invocados pelas novas leis para a extinção do concelho, ele não os podia, na verdade, destruir: a sua pequenez territorial e populacional que determinava mui reduzidos rendimentos, a falta de gente para os cargos públicos, etc.

Com efeito, não deixa de ser suficientemente elucidativa a estatística da população dos três concelhos da Ilha no ano de 1841. Eis:

Angra - 20 863 habitantes.

Praia - 15 329.

S. Sebastião - 3 140.

E bem assim o número de fogos, no mesmo ano:

Angra - 4 729.

Praia - 3 345.

S. Sebastião - 683.

Esta denodada campanha sustentada durante anos por Ferreira Drumond, como não podia deixar de ser, concitou-lhe a animadversão de vários magnates políticos da cidade, que não lhe perdoaram o inconformismo, e aqui, verdade seja dita, nem todos o acompanharam na luta.

***

Aos factos mais importantes ocorridos nesta vila, deixou o homenageado o seu nome ligado. Não lhe consentia o ânimo permanecer inactivo. Um deles, a que não podemos deixar de fazer menção, dada a extraordinária repercussão que teve, foi a canalização da água do Pico da Cruz - Nascente do Cabrito - para a Vila de S. Sebastião, obra gigantesca, a maior realizada nesta ilha, e que constitui imperecível glória, justamente celebrada nessa época, para o seu audaz realizador, o rico proprietário Manuel Gonçalves Fagundes.

Em 1838, descobriu o padre José Patrício Drumond, dentro de uma vastíssima caverna, numa propriedade pertencente a José Maria do Amaral, aos Cinco Picos, esse riquíssimo manancial - o maior de toda a ilha, - cuja produção média, como ultimamente se tem verificado, é de 12 milhões de litros por dia (3 156 palhas).

Logo pensou o referido padre, com outros indivíduos, que como ele tinham moinhos na vila, em a canalizar para ali, e depois de terem comprado aquela propriedade, deram-se aos trabalhos, dispendiosos, de proceder a escavações que eram necessárias. Tratava-se, contudo, de uma obra gigantesca, para a qual aqueles não dispunham de suficientes recursos financeiros, e assim pessoas da Praia propunham-se levar a efeito o empreendimento, e para lá conduzir a água.

No assunto, a Câmara de que era Presidente Francisco Ferreira Drumond, interveio imediatamente e depois de vários incidentes e negociações, por vezes demoradas com os proprietários daquela abundantíssima nascente, que finalmente foi expropriada, a obra foi entregue ao aludido Manuel Gonçalves Fagundes, que a começou em 23 de Maio de 1842 e a terminou, depois dos mais difíceis e duros trabalhos na mina, em 28 de Junho de 1844.

Despendeu nas obras o seu realizador mais de 4 contos, o que naquela época era quantia deveras avultada.

Dois dias depois, isto é, em 30 de Junho, correu pela primeira a vez aquela água em todo o encanamento, na extensão de duas léguas, até à Vila de S. Sebastião, o que causou o maior contentamento nos povos do Porto Judeu, que passaram a gozar de tão grande benefício.

Quem hoje percorre a extensa e profunda galeria em que essa água surge e foi captada, não pode deixar de ficar assombrado com as obras que ali se realizaram e testemunham a capacidade dos seus executantes.

Ao acto inaugural desse extraordinário melhoramento assistiu também o governador civil José Silvestre Ribeiro que, encantado com a obra realizada, dirigiu depois ao grande benemérito Manuel Gonçalves Fagundes o expressivo escrito que passamos a ler:

«Confesso ingenuamente que há muito não assistia a um espectáculo que tanto vivamente me cativasse a atenção e banhasse a minha alma de delícias e de contentamento. O génio de um homem empreendedor a lutar com os horrores e asperezas que apresenta a natureza, lá nas entranhas da terra, a desmedida coragem ou quase ousadia em tomar sobre os ombros uma empresa assustadora, - a perseverança em prosseguir por espaço de dois anos na encetada tarefa através de estorvos mil, a largueza do ânimo, verdadeiramente liberal, espalhar às mãos cheias o dinheiro... tudo me fez impressão, tudo me encheu de assombro. Conserve V. S. lembrança do dia 30 de Junho de 1844: - foi para V. S. um dia de glória, e para mim de grande e extraordinária satisfação. »

A actuação de Ferreira Drumond, como Presidente da Câmara, no início dessa grandiosa obra, como referimos, e depois como jornalista e cidadão, em incidentes que mais tarde surgiram em torno da mesma e muito preocuparam estes povos - o que longe nos levaria narrar -‚ constitui serviço deveras relevante, que oportuno é agora relembrar.

III

Mas, se na verdade Francisco Ferreira Drumond foi um dos mais activos e prestantes cidadãos da antiga vila de S. Sebastião, pelos progressos e bom nome da qual muito lutou, nunca receando mesmo por isso concitar inimizades, merecendo deste modo o devido reconhecimento dos seus conterrâneos, outros méritos possuía ainda, que sobrepujavam os já referidos e o alcançaram ao ponto de se tornar devedora a sua memória da justa consagração que lhes estamos prestando. Queremo-nos referir às suas singulares aptidões e incansável labor como paleógrafo, investigador e historiador, cujos trabalhos lhe deram primacial lugar na historiografia insular, sobretudo terceirense.

Nasceu, pode dizer-se, com verdadeira vocação para o exercício destas actividades espirituais, em que consumiu a maior parte dos seus dias. A isso o levou também a chama sempre crepitante do seu estrénuo patriotismo e amor pelo passado glorioso da sua terra natal, da heróica Ilha Terceira - a antiga capital dos Açores - de tão marcado e brilhante relevo na história nacional.

Perfeito espírito de historiador, tinha a paixão dominante do documento. É certo que o documento não é história, mas a história, como ele com superior intuição a compreendeu e passou a ser tida, isto é, como ciência, só em documentos e autênticos, se pode basear, de resto, para poder merecer crédito. Destarte, foi ele aqui um iniciador, seguindo numa certa medida, o movimento de renovação histórica que em Portugal se vinha operando desde a segunda metade do séc. XVIII, sobretudo com António Caetano do Amaral, João Pedro Ribeiro, Visconde de Santarém, e que encontrou em Alexandre Herculano o seu maior representante.

Já em 1827, o Visconde de Santarém, integrado na corrente das modernas ideias historiográficas, e seguindo a esteira de Caetano do Amaral, afirmava:

«Os progressos das ciências têm mostrado palpavelmente, que os Documentos são o farol da História diante dos quais o império da crítica faz desaparecer a impostura e a crueldade, com que a ignorante singeleza dos nossos avoengos recebia montões de fabulosas relações, com que seus Historiadores e Analistas os entretinham... A História, que se não funda em Documentos genuínos, não é História: pode deleitar, mas nunca convencer, e persuadir.»

Deste modo, como base dos novos trabalhos históricos, impôs-se sobretudo a prática dos arquivos e o estudo crítico das fontes.

Ferreira Drumond, desde muito novo, se dedicou persistentemente à árdua e enfadonha tarefa de esquadrinhar os cartórios e arquivos públicos e particulares, de decifrar e copiar documentos, que por toda a parte afanosamente procurava e a que dava grande valor, chegando por isso, tal a incompreensão de quase todos, a ser considerado importuno e mesmo maníaco. Essa sua verdadeira paixão heurística o levou a notar e asperamente censurar o desaparecimento de vários livros dos arquivos públicos, o desleixo e abandono a que foram votados, e a incompreensão da sua utilidade e, por outro lado, a enaltecer a necessidade da conservação dos documentos, da organização dos inventários orfanológicos e eclesiásticos, etc.

Mais do que nas próprias referências oficiais, é nos seus escritos que se surpreende um completo inventário dos manuscritos que - com grande prejuízo para a história local - nos diferentes arquivos públicos faltam, e a causa desse desaparecimento.

Nos trabalhos de investigação a que tão beneditinamente se dedicou, foi servido por indispensáveis conhecimentos de paleografia, em que foi perito, - ciência auxiliar da história essa, que nesta ilha foi também eficazmente praticada, um pouco antes, por Manuel Ferreira, por alcunha «o Rabo Seco», professor de primeiras letras na Praia; e seguidamente por Inácio Pamplona de Menezes, escrivão também na Praia; e João Pedro Machado Fagundes de Melo e João António Cordeiro, em Angra.

A reconhecida aptidão paleográfica de Drumond levou-o a ser contratado pela Câmara de Angra, em 1845, para extrair dos livros em gótico, que se achavam no arquivo, as peças que fossem notáveis e importantes e concorressem para elucidar a história insulana, trabalho que ele concluiu nesse mesmo ano.

Produto do seu infatigável labor de muitos e muitos anos - desde 1818, segundo ele próprio afirmou - são as valiosas obras que nos deixou e revelam as suas superiores qualidades de historiador.

Só lendo-se atentamente esses trabalhos e ainda os seus abundantes escritos jornalísticos (8) se pode aquilatar suficientemente, em toda a extensão, os reais méritos, e, em suma, a verdadeira personalidade deste emérito terceirense. Homem de psique vibrante, um tanto maledicente, tendo ele próprio confessado - «nasci com o defeito de uma má pontinha de língua» -‚ foi, contudo, como historiador, um perfeito exemplo de seriedade, de probidade, de imparcialidade e escrúpulo. A preocupação da verdade dominava-o sempre; assim em vários passos dos seus trabalhos encontramos expressões como estas: «A história não admite afeições, só quer a verdade pura; invocando por tanto os manes de Tácito, ousamos descrever os sucessos»; «por crédito da história»; «em tanta obscuridade de tempos se não pode afirmar qual seja a verdade...»; «em obséquio da verdade, que deve ser o norte do historiador...»; etc.

Para os factos que apresenta sem que tenha encontrado a respectiva documentação, ou qualquer outra fonte autorizada, adverte escrupulosamente:
«Aparecem muitos factos fundados unicamente em tradições e conjecturas, a respeito dos quais o leitor formará o conceito que achar mais acertado, segundo a sua prudência e ilustração. »

Nos seus trabalhos, há a história e também há a crítica. Não ostentam, é certo, primores de linguagem, beleza de estilo, à Latino Coelho, Rebelo da Silva ou Herculano, mas a simplicidade de redacção jamais prejudica, e antes beneficia a clareza, a excelência inigualável da verdade, colhida sempre nas melhores fontes. Quaisquer senões de estilo são ofuscados pela riqueza incomparável de investigação.

Devemo-lo filiar, propriamente, na escola dos historiadores que abstraem da denominada crítica inicial, ou externa, das fontes. A sua atenção não se prende no estudo filológico-crítico dos documentos; circunscreve-se à crítica de interpretação ou hermenêutica dos factos revelados nessas fontes do conhecimento histórico.

Entre as suas produções, avulta, como principal obra, os Anais da Ilha Terceira, que são a história devidamente documentada desta ilha, segundo o critério cronológico, desde o seu descobrimento até ao ano de 1832.

Tudo aquilo que era possível saber-se quanto à descoberta, povoamento, instituições civis, militares e eclesiásticas, sucessos gloriosos, biografia das figuras principais, tráfego marítimo, agricultura, comércio interno, etc., ali se acha escrupulosamente narrado no texto, frequentes vezes esclarecido com notas apropriadas.

Constituem, sem dúvida, o maior monumento da historiografia terceirense e do arquipélago dos começos da segunda metade do século XIX. Valoriza-os de forma singular a preciosa colecção de documentos que os acompanha e que o seu infatigável autor conseguiu arrancar do pó dos arquivos públicos e particulares, salvando-os até de total ruína. Alguns desses reproduzidos documentos, convém notar, acusam certa inexactidão diplomática, carecendo assim de uma cuidada revisão. Nesta grande e notável obra - produto de mais de vinte anos de aturadas investigações, que excede tudo anteriormente publicado e ainda não foi ultrapassada - que todos os cultores da história açoriana consultam e citam, e onde há sempre muito que aprender, se espelham as excepcionais qualidades de historiador que caracterizam singularmente o seu autor e podemos concretizar em duas palavras: trabalho, probidade.

Quando lhe escasseava o testemunho documental, recorria à bibliografia que perfeitamente conhecia, e com lúcido espírito critico utilizava, citando sempre escrupulosamente os autores - Frutuoso, Chagas, Maldonado, Cordeiro, como os principais entre os açorianos; e Azurara, Barros, Couto, Galvão, Góis, Cândido Lusitano, etc., entre os continentais. Foi, todavia, ao nosso mui conceituado Maldonado, que já do autor da «História Genealógica da Casa Real» merecera boa referência - embora lhe alterasse o apelido Maldonado para Machado - que mais recorreu.

Assim - e após certo avanço experimentado na historiografia local, com os trabalhos do Pe. Jerónimo - Ferreira Drumond, dando novos e definitivos rumos à história insular, particularmente terceirense, expurgou-a completamente daquilo que a carência de investigação e de crítica, levou alguns dos seus antecessores a escrever, por vezes, com pueril ingenuidade.

Os Anais da lha Terceira, constituídos por quatro volumes, aparecidos nos anos de 1850, 1856, 1859 e 1864, foram pelo seu laborioso autor generosamente oferecidos à Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, que submetendo os respectivos manuscritos à apreciação e revisão de duas das mais proeminentes figuras da cultura e das letras terceirenses - o Dr. António Moniz B. Corte-Real e João Augusto Cabral de Melo - e recebendo destes parecer favorável, mandou logo imprimir e publicar à custa do cofre municipal o 1.º volume, ao que se seguiu, nos referidos anos, a publicação dos restantes.

Do citado parecer daqueles dois distintos literatos, respigamos, a propósito, o seguinte e mui elucidativo passo:

«Não há dúvida que o autor desta obra é digno do reconhecimento público, pelo relevante serviço que fez à sua pátria, revolvendo e explorando os arquivos públicos e particulares, colhendo e coordenando notícias e tradições históricas, desde o descobrimento da lha e copiando quantos documentos pôde encontrar relativos ao seu governo civil, militar e eclesiástico; não há dúvida que esta obra tem merecimento real, oferecendo, reunidos, muitos elementos necessários, assim para a história geral deste arquipélago, como particularmente para a desta ilha, sua antiga capital, e teatro ilustre de muitos sucessos memoráveis, mas carecia de um trabalho prolixo e desvelado, semelhante ao que tivemos, para aparecer, como aparece sem grandes erros e defeitos notáveis. Pena é que se não possa fazer chegar até aos nossos dias a continuação desta obra!».

Os vols. 2.°, 3.° e 4.°, foram revistos pelo aludido Dr. Moniz e pelo Dr. José Prudêncio Teles em substituição de Cabral de Melo. Achava-se em impressão o 3.° vol. quando, em 1858, faleceu Ferreira Drumond, constando da advertência com que esse volume foi publicado, no ano imediato, o seguinte:

«A inesperada e sentida morte do Autor destes Anais, um dos mais prestáveis cidadãos deste Município, não permitiu que a impressão e publicação deste volume fossem feitas debaixo das suas vistas»...


Esta obra, totalizando 1420 páginas de texto e 510 de documentos, foi impressa na cidade de Angra, sendo o 1. ° volume na Imprensa do Governo e os restantes na Tipografia de Manuel José Pereira Leal.

Para não cansar a benévola atenção de V. Excelências, não alongaremos este discurso, citando as honrosas apreciações aos Anais da Ilha Terceira feitas por outros contemporâneos, especialmente por Félix José da Costa e Bernardino José de Sena Freitas - os mais autorizados na matéria; contudo, impossível é deixar de ler um documento assinado pelo então Visconde de Bruges, que é também deveras elucidativo e nos dispensa ainda de mais alusões que aqui seriam oportunas.

Por Portaria do Ministério do Reino, de 8 de Novembro de 1847, foi ordenado que em cada uma das câmaras municipais dos concelhos do reino e ilhas adjacentes, houvesse um livro especial denominado Anais do Município, no qual anualmente se registassem os acontecimentos e os factos mais importantes que ocorressem e cuja memória fosse digna de conservar-se.

Esta determinação foi cumprida fielmente pela Câmara de Angra, e nesse livro, que se guarda no arquivo municipal, se verifica que foi devidamente escriturado, como indicava a mencionada Portaria, desde 1847 a 1868.

Em 1854, porém, parecendo desconhecer-se no Governo do Distrito que essa Portaria vinha sendo observada pela mesma Câmara, a esta foi recomendado o respectivo cumprimento, determinando-se, ao mesmo tempo, que se «tenha em vista a classificação das matérias pela maneira minuciosa que expressamente declara com referência à época do descobrimento destas ilhas dos Açores».

O então presidente da Câmara, Visconde de Bruges, em resposta - ofício de 12 de Agosto desse ano - esclareceu que a aludida Portaria fora sempre cumprida, e quanto ao demais, acrescentou o que se segue:

«As declarações históricas circunstanciadas e minuciosas desde o descobrimento destas ilhas... já mereceram a esta Câmara muito previamente no ano de 1846, a maior atenção, mandando examinar por pessoas competentes o 1.° vol. dos «Anais da Ilha Terceira», oferecidos à Câmara pelo cidadão Francisco Ferreira Drumond, e mandando-o, depois de aprovado, imprimir e publicar à sua custa, em que despendeu mais de 600$00; e já fez examinar o segundo volume da mesma obra oferecido pelo autor, e ordenou a sua publicação à custa também do município, em que vai despender igual soma provavelmente.
Ora tudo quanto é possível absolutamente investigar-se e saber-se acerca da história desta ilha Terceira, desde o descobrimento das ilhas dos Açores, consta largamente da referida obra, extraída da história insulana de Cordeiro, de Frutuoso e de várias memórias antigas, como de Maldonado, do padre Chagas e outras, e até dos arquivos das câmaras municipais, das alfândegas, do Rev. Cabido, e dos papéis antiquíssimos das casas ilustres deste país; de modo que tudo se acha há muito já feito e publicado na parte mais essencial, que são as noticias históricas dos primeiros tempos exaradas naquele 1.° volume. »


Se, assim, os contemporâneos mais autorizados não foram remissos na apreciação honrosa do monumental trabalho que constitui os Anais da Ilha Terceira, os pósteros levaram mais longe a sua admiração, sugerindo até, através dos tempos, para a memória do seu benemérito autor justas homenagens a que julgavam com direito.

***

Não obstante o mui elevado apreço em que foi tido Francisco Ferreira Drumond pelos seus trabalhos históricos, como é condição dos homens que saem da vulgaridade, teve também os seus zoilos e até o grande mas sarcástico Camilo (9), em momento de azedume, lhe lançou uma seta ervada [>> Ver texto de Camilo C. Branco]. Todavia, com isso em nada ficaram afectados, na essência, os notáveis méritos do historiador terceirense, que constituem objecto da nossa diuturna admiração.

Escreveu ainda Francisco Ferreira Drumond a «Memória Histórica da Capitania da Muito Notável Vila da Praia da Vitória», impressa em 1846, e deixou em manuscrito os «Apontamentos Topográficos, Políticos, Civis e Eclesiásticos, para a História das Nove Ilhas dos Açores», servindo de suplemento aos Anais da Ilha Terceira, hoje na posse de estranhos (10). São todavia os aludidos Anais da Ilha Terceira que constituem a sua obra capital, a sua coroa de glória.

Não ficariam completas as referências biográficas deste notável terceirense, que havendo sido fisicamente de pequena estatura, «pusillus» segundo ele mesmo escrevera, todavia tomara tão avantajadas proporções pelo seu labor mental, sem acrescentarmos que as disposições testamentárias (11) com que deixou este mundo, revelam também a grandeza dos seus sentimentos cristãos, lembrando-se gratamente até dos que - falecidos há muito - haviam concorrido para a obtenção do emprego que ainda desfrutava. E, pelas mesmas disposições, a casa da Travessa da Misericórdia, onde viveu e veio a morrer, e em cuja frontaria acabamos de inaugurar uma lápide indicativa desses factos, a deixou com todo o recheio, a seus netos D. Maria Júlia e João Machado Ferreira Drumond, que com ele viviam e a quem educara, pertencendo actualmente a um filho daquela senhora, que em proveta idade ali reside com sua família, venerando todos a memória do preclaro historiador - seu ascendente.

Meus Senhores:

A Câmara Municipal de Angra, a quem, em 1845, foram oferecidos os Anais da Ilha Terceira, fazendo agora erigir este monumento (12) à memória do tão devotado e benemérito terceirense Francisco Ferreira Drumond, cumpre um dever: salda condignamente uma dúvida de gratidão contraída de há muito para com aquele que, pelo seu infatigável labor nos domínios da história, mais honrou e enalteceu a nossa terra e deixou nome imorredoiro.

Disse.

Notas

1. A certidão do baptismo é do teor seguinte:
"Francisco, filho de Tomé Ferreira Dormonde e de sua mulher D. Rita Dormonde, residentes e baptizados nesta Matriz de S. Sebastião, neto por parte paterna de António Ferreira Dormonde e de sua mulher Maria de S. João, e pela materna de Manuel Ferreira Dormonde e de sua mulher Mariana Josefa, nasceu em os vinte e um dias do mês de Janeiro do ano de mil setecentos noventa e seis, foi baptizado nesta dita Matriz por mim, José António do Couto, Vigário dela, em os vinte e sete dias do dito mês e ano, foi padrinho José Ferreira Dormonde, filho de Martinho José Falcão e de sua mulher D. Maria Dormonde já defunta, natural desta mesma vila, testemunhas presentes as pessoas abaixo assinadas, e para constar fiz este termo, dia, mês e ano supra.
as.) Joseph António do Couto, Vigário
Francisco José de Andrade
Clemente Coelho Pereira »

2. A certidão de óbito diz o seguinte: "Em onze de Setembro de mil oitocentos cinquenta e oito, faleceu com todos os sacramentos Francisco Ferreira Drumond, filho de Thomé Ferreira Drumond e de D. Rita Drumond, tendo de idade sessenta e dois anos pouco mais ou menos; seu corpo envolto em um pano preto foi acompanhado pelo Rev. Colégio desta Matriz, pela Bandeira da Santa Casa da Misericórdia, donde era Irmão, pela Ordem Terceira de S. Francisco, e pela Irmandade do Glorioso Santo António de Pádua, e sepultado, depois da respectiva encomendação, no Cemitério desta Igreja Paroquial, Matriz de S. Sebastião, donde era natural e freguês: fez testamento que foi logo aberto pelo Regedor desta Vila e respectivo Escrivão, e para constar fiz este termo no dia, mês e ano supra.
O Vigário José Dutra Pacheco».

3. Substituiu seu avô Francisco Ferreira Drumond no cargo de organista da Matriz da Vila da Praia da Vitória.

4. Mais tarde, pertenceu ao partido setembrista, tendo sido um adepto da política seguida pelo Visconde de Bruges, depois Conde da Praia da Vitória.

5. Em 19-1-1840, foi exonerado deste cargo, sob fundamento de falta de confiança e de Carta Régia.

6. Pelos Decretos de 29-11-1830 e de 16-5-1832, foi abolido o Julgado. Por Decreto de 22-12-1842, - sob proposta do Governador Civil José Silvestre Ribeiro - o concelho foi anexado ao de Angra para o efeito único de serem regidos ambos pelo mesmo administrador. Assim, as funções do administrador do concelho de S. Sebastião cessaram em 23-5-1843. Pelo ofício do Governador Civil Nicolau Anastácio de Bettencourt, de 22-6-1851, mais tarde confirmado, o lugar dos Folhadais (Raminho) passou a fazer parte da freguesia dos Altares e deste modo a pertencer ao concelho da Praia. Por Decreto de 24-10-1855, foi extinto o concelho. Porém, este Decreto só foi mandado cumprir por Portaria de 12-2-1870, e, finalmente, executado em 1 de Abril seguinte.

7. Esta instituição é muito antiga. Segundo se lê na «Memória sobre a ilha Terceira», de Alfredo da Silva Sampaio, data a sua fundação de 20 de Dezembro de 1516. E afirmou Drumond nos «Anais», que em várias disposições testamentárias de 1536, notou referências a esta Misericórdia. A sua Igreja, porém, foi inaugurada em 1 de Junho de 1571, tendo anexo um pequeno hospital que pouca duração teve. A esta instituição foram concedidos os privilégios da Misericórdia de Angra e da Corte, pelos Alvarás de 8 de Agosto de 1592 e 25 de Abril de 1610. Por Portaria do Governador e Capitão-General dos Açores, Conde de Vila Flor, de 16 de Outubro de 1829, foram mandados administrar pela Câmara Municipal de Angra, os bens e rendimentos desta Misericórdia, invocando-se como fundamento dessa medida, a falta de compromisso e do hospital, o abuso de remessa de expostos para a cidade e má administração. Porém, a Rainha D. Maria II, por seu despacho de 17 de Maio de 1838, mandou anular aquela Portaria, por ser contrária à lei, e determinou que o Administrador-Geral do Distrito fizesse reintegrar a confraria da Misericórdia desta vila, dando-lhe a administração dos seus bens. Eram então os seus rendimentos 9 moios e 30 alqueires de trigo e 2$400 reis em dinheiro. Em 1840, foi instituída uma pequena enfermaria, para receber doentes efectivos, mas teve efémera duração. Por Alvará do Governador Civil do Distrito, de 7 de Maio de 1860, foi de novo extinta a Misericórdia, e reintegrada por Portaria de 5 de Julho de 1861. Seguidamente, teve Estatutos aprovados por Decreto de 14 de Outubro de 1868, e carta de mercê de 21 do mesmo mês e ano. Rege-se actualmente por Estatutos de 30 de Junho de 1923.

8. Colaborou nos jornais «O Angrense, «O Terceirense», «O Católico Terceirense», etc.

9. In - «Eusébio Macário - Sentimentalismo e História», por Camilo Castelo Branco, 6.ª edição, pág. 132.

10. Francisco Ferreira Drumond, por disposição testamentária, deixou este copioso autógrafo, bem como a livraria que possuía, a seu neto João Ferreira Valadão, também chamado João Machado Pereira Drumond. Enquanto este andou nos estudos em Angra, primeiro no Seminário e depois na Escola Normal, os livros e papéis que constituíam aquela livraria ficaram ao abandono, descaminhando-se assim elevado número deles, sendo mais tarde, o que escapou, encerrado em caixas, que foram guardadas no sótão da casa. Nesse espólio logo se encontrou e foi acautelado o mencionado manuscrito «Apontamentos topográficos...», trabalho este constituído por cerca de 400 folhas, inserindo também a reprodução de vários documentos, alguns anteriores ao reinado de D. Manuel, e que o seu autor pretendera publicar, tendo para tanto chegado a entrar em negociações com o editor Manuel José Pereira Leal. Várias tentativas, depois, principalmente a partir de 1883, foram efectuadas no sentido de ser esse manuscrito adquirido e publicado pela Câmara de Angra. Resultaram, porém, sempre infrutíferas essas diligências, ainda mesmo depois de, em 1901, o seu possuidor, o aludido João Machado Pereira Drumond, ter anunciado na imprensa local a respectiva venda. Após o falecimento deste, em 30 de Maio de 1912, e em vista da sua viúva, D. Maria Constância Máxima, ter resolvido fazer partilhas, abriram-se então as referidas caixas, que guardavam alguns dos livros e papéis do benemérito historiador, os quais, na completa incompreensão do seu valor, foram quase todos queimados ou dados às mercearias para embrulhos. Simplesmente lamentável! Foi esta senhora, a herdeira do manuscrito, que, mais tarde, o vendeu ao falecido médico Dr. Ramiro Machado e na posse dos herdeiros deste se encontra, não obstante a Câmara de Angra ter manifestado ultimamente junto deles o maior empenho em o adquirir.

11. Eis os seus termos:
«Testamento de Francisco Ferreira Drumond Sénior, solteiro, da Vila de S. Sebastião = Jesus-Maria-José = Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espírito Santo, em que eu Francisco Ferreira Drumond firmemente creio, e em cuja fé protesto viver e morrer. Este o meu testamento de última, e derradeira vontade. = Declaro eu testador que sou natural desta Ilha Terceira, da Matriz da Vila de São Sebastião, filho legítimo de Tomé Ferreira Drumonde e de Dona Rita Drumonde, naturais desta mesma Vila, já falecidos, e que me tenho conservada no estado de solteiro; mas que de Maria Theodora, também solteira, filha de José Francisco e de Mariana Custódia, da Vila da Praia da Vitoria, por minhas fraquezas, que espero Deus me perdoe, tive uma filha por nome Dona Adriana Emília, casada presentemente com João Machado Valadão, a qual instituo por minha testamenteira e universal herdeira de todos os bens que possuo, e me possam vir a pertencer por qualquer direito; excepto daqueles que adiante hei-de declarar, = os bens que actualmente possuo são os seguintes: Uma morada de casas de dois andares em que actualmente habito com um quintal, que tem meio alqueire de terra e reduto, de que paga mil e quinhentos reis de foro à Santa Casa da Misericórdia d 'esta Vila, e cujo título de aforamento se acha registado no livro do tombo da mesma Santa Casa. = Um e meio alqueire de vinha sita no Porto Martins, que herdei de meu pai dito Tomé Ferreira Drumonde. = Um moio e vinte e tantos alqueires de terra no lugar denominado as Terras da Bacela e relvas de Santa Maria, de que se paga o legado de dois moios de trigo; em cuja propriedade fiz uma casa, e muitos plantios de arvoredos, e outras benfeitorias, e declaro que os dois cerrados de dentro os aforei ao dito meu genro João Machado Valadão para melhor os benfeitoriar, e quero pois que este aforamento se julgue subsistente. = São estes os bens de raiz que possuo: não falo dos móveis e semoventes que seguirão as disposições marcadas n'este testamento. = D'esta soma de bens deixo a terça parte, no mais bem passado da minha fazenda, à dita Maria Theodora em quanto ela viver, e por sua morte irá às pessoas que vou declarar. = Quero que logrem esta terça, depois da morte da dita Maria Theodora, João Ferreira Valadão e D. Maria Júlia, meus netos, os quais tenho conservado em minha casa há muitos anos, e a quem tenho ensinado - a qual terça começará pelas referidas casas em que habito, ficando a dita minha neta Dona Maria Júlia acomodada no andar de baixo com suas lojas, e metade da cozinha, que lhe fica contígua, e metade do quintal do poço para a parte do caminho; e o andar de cima ficará ao dito João Ferreira Valadão meu neto, com servidão pelo portão grande, e a maior parte da casinha, bem como metade do quintal, tendo ambos parte no poço por onde se hão-de extremar ficando ambos obrigados a reparar os tectos e a fazer quaisquer concertos necessários afim de que a dita propriedade se conserve, e não vá em deterioração. = Quero que à dita Dona Maria Júlia se separe logo que ela case, terra que valha vinte alqueires de renda nas terras de cima, que fica senda parte da terça, e se não casar antes da dita sua avó Maria Theodora morrer, não terá direito a haver estes vinte alqueires de renda, e da terça respectiva pagará a parte que lhe pertencer do dito legado de dois moios de trigo. = A mais terra que pertencer a esta terça será pelos ditos meus netos João Ferreiro Valadão e D. Maria Júlia, repartida, com as mesmas condições de pagarem a parte respectiva do dito legado. = Deixo a Dona Maria Júlia também a mobília que tenho no andar de baixo das casas em que habito, o óculo de ver ao longe, e o cravo. = Deixo ao dito meu neto João Ferreira Valadão, o manicórdio, toda a minha livraria e papéis de música vocal e instrumental, e esta deixa lhe faço para que convide mais a pobreza de seu pai a pô-lo imediatamente nos estudos da cidade de Angra e a aperfeiçoá-lo no órgão, de que já tem alguns princípios para exercer o emprego em que se acha provido n'esta Vila podendo, se for sua livre vontade seguir o estado eclesiástico para que bem desejava ele se aplicasse, esperando dos meus amigos desta Vila, desta mesma profissão, o favorecerem para um tal fim. = Deixo a minhas irmãs Dona Maria a quantia de dois mil reis por uma só vez - à Clarinda mil duzentos reis por uma só vez; e à Rita outra minha irmã mil e duzentos reis por uma só vez; cujas deixas serão tiradas da força da terça; não contemplando nestas disposições a meus irmãos José Ferreira Drumonde, e António Ferreira Drumonde, e a minha irmã Maria Tomé por viverem abastados; e não deixando mais àquelas irmãs a quem contemplo, por os meus bens serem poucos. = Todos os mais bens que possuo os deixo à dita minha testamenteira e universal herdeira dita Dona Adriana minha filha, para que os goze, e sucedam n'eles seus filhos. = Quero que no dia do meu óbito se digam as quatro missas do costume em altar privilegiado, uma a Nossa Senhora da Guia, outra a Nossa Senhora do Livramento, outra a S. Nicolau e a última a Nossa Senhora do Socorro, de quem sou particular devoto, de esmola costumada por uma só vez. = Quero que mandem dizer dez missas, a saber: cinco por minha alma e cinco de tenção, por ter servido ofícios públicos em que não sei se fiquei devendo alguma cousa a alguém. Quero mais que se celebrem oito missas, a saber: três por alma de meu pai, três por alma de minha mãe, uma por alma de meu tio Francisco Machado Drumonde, e uma por alma do Padre Francisco José d'Andrade, que muito solicitaram, e me apresentaram no emprego de organista da Vila da Praia da Vitória, onde sirvo há quarenta e sete anos, e cujo vencimento se acaba em data de Março do ano próximo futuro. = Tenho algumas dívidas e quero que aos meus escritos ou assentos particulares se dê fé pública, fazendo-se os devidos descontos d'aquilo que se achar ter pago. = Declaro que entre as pessoas a quem devo, uma é Dona Custódia criada do Padre José Leite de quem não tenho recebido quitação de vinte mil reis que lhe paguei; mas que confio na sua probidade me abonará. = Devo ao meu amigo Francisco de Paula da Vila da Praia da Vitória, sete mil e tanta cousa de que não tem obrigação minha. = Como a Câmara da Cidade, a quem ofereci a minha obra intitulada os Anais da Ilha Terceira me costuma fazer entregar cem volumes de cada tomo, e esteja próximo a publicar-se o terceiro tomo da dita obra; deixo também estes cem livros ao dito meu neto João Ferreira Valadão, para que os passa vender, e servir-se de alguns, como obra em que gastei uma boa parte da minha vida. = Tenho confeccionados os apontamentos topográficos de todas as ilhas; e porque já tenho tratado com o impressor Manoel José Pereira Leal a sua publicação e sobre isso já se tem pedido assinaturas, quero que este autógrafo lhe seja entregue, para continuar os seus trabalhos, e metade dos lucros que daqui provierem serão do dito meu neto João Ferreira Valadão, visto que a outra parte pertence ao dito Manoel José Pereira Leal, como vocalmente com ele tratei; mas parque este copioso escrito conta muitas lacunas ainda, peço que o Ilustríssimo Doutor António Moniz Barreto Corte-Real, que por seus conhecimentos, prudência e amizade que sempre me teve, poderá desculpar as faltas, o corrija e castigue para que este trabalho saia mais perfeito, sendo que de mim nada tem que esperar, e só do público que lhe agradecerá este serviço. = E por esta forma hei por concluído este meu testamento de última e derradeira vontade, o qual pedi ao Padre José Dutra Pacheco, actual Vice-Vigário na Matriz, desta dita Vila de São Sebastião por mim fizesse, em consequência do meu estado de fraqueza mo não permitir, e por este derrogo qualquer outro anterior, e quero que este valha; o que confirmo com a assinatura do meu próprio punho em a Vila de São Sebastião aos dez do mês de Setembro da ano de mil oitocentos cinquenta e oito. = Declaro mais que quero ser acompanhado pela Irmandade da Santa Casa da Misericórdia desta Vila de quem sou indigno irmão, bem como por todas as outras Irmandades erectas na Matriz, a quem peço esta esmola em atenção aos serviços que à igreja e às mesmas Irmandades tenho prestado apesar de não ser irmão das mesmas. = Também quero que a conta das legados pios seja tomada no espaço de dois anos, esperando da minha filha e testamenteira o cumprimento deles. E com estas últimas declarações assignou o testador comigo o Padre José Dutra Pacheco, que a seu pedido fiz este testamento em a Vila de São Sebastião aos dez do mês de Setembro de mil oitocentos e cinquenta e oito. Francisco Ferreira Drumonde. = Como pessoa que fiz este testamento assigno por mandado da testador no dia, mês e ano supra. = O Padre José Dutra Pacheco».

Este documento foi executado sob projecto do distinto artista terceirense Francisco Coelho Maduro Dias.

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