quarta-feira, 18 de março de 2009

Faialenses Notáveis

Nesta página estão incluídas notas biográficas de alguns dos Faialenses que mais se destacaram de modo indiscutível, por factos e obras reconhecidamente relevantes em qualquer domínio. Agradeço a incansável ajuda de Mário Faria, sem a qual a realização desta página não seria possível.


Manuel José de Arriaga

Formado em direito pela Universidade de Coimbra. Poeta, advogado, orador eloquente, foi um dos mais apaixonados propagandistas dos princípios republicanos, no que eles tinham de mais elevado e de mais crível. A eles votado incondicionalmente, jamais tergiversou da sua linha de conduta, sacrificando mesmo comodidades e interesses, honras e posição oficial, que lhe cabiam por mérito próprio, até pela tradição do nome que herdou. Foi um idealista, desde o começo ao último instante da vida - o santo da democracia como alguém lhe chamou.

Deputado às Côrtes pelo seu partido, em diversas legislaturas. Feita a República nomearam-no procurador geral e daí a nada (24 de Agosto, 1911), o elegeram seu primeiro presidente. Mas a realidade dos factos foi outra. Essa república que sonhara toda de paz, fraternidade, isenções, lançando-se no caminho torvo dos ódios e da cobiça, esboçou, entre várias outras, uma revolta (27 de Maio, 1915) que chegou à injustiça de desrespeitá-lo, fazendo-o renunciar ao mandato, que fôra prémio único de uma vida inteira de esperanças e sacrifícios! O golpe foi rude demais para a bondade do seu espírito: combaliu-o. Faleceu em Março de 1917. Deixou publicados vários trabalhos filosóficos, literários, políticos, forenses, que seu genro doutor Luiz Xavier de Costa enumerou num opúsculo intitulado Resenha bibliográfica das obras publicadas e impressas pelo Dr. Manuel de Arriaga.

Nota biográfica extraída de: LIMA, Marcelino, "ANAIS DO MUNICÍPIO DA HORTA (História da Ilha do Faial)", Oficinas Gráficas "Minerva", Vila Nova de Famalicão, 1943, 736 pp.




Duque d'Ávila e Bolama


António José d'Ávila, nascido na Horta a 8 de Março de 1807, de pai picoense e mãe faialense, na humilde casa da Rua de Santo Elias assinalada por lápide comemorativa, ascendeu por mérito próprio, força de vontade e grande inteligência, aos mais elevados postos e às mais prestigiantes honrarias, sendo indubitavelmente uma das maiores individualidades que Portugal produziu no século XIX. Formado em Filosofia, aos vinte anos, pela Universidade de Coimbra, começou o Dr. Ávila a sua carreira, como professor de Filosofia Racional e Moral do seu burgo, em 1827, e, sucessivamente, subiu a Presidente da Câmara da Horta, Sub-Prefeito de Ponta Delgada, Governador Civil do Porto, Deputado, Ministro de várias pastas, Presidente do Conselho, Par do Reino, Conselheiro do Estado, Presidente da Câmara dos Pares, Embaixador e Ministro Plenipotenciário, Governador do Banco de Portugal, Vice-Presidente da Academia Real das Ciências, Marquês, Duque, subindo sempre num crescendo glorioso de vitória e de triunfo, morrendo, em 5 de Maio de 1881, com o peito esmaltado das mais elevadas condecorações nacionais e estrangeiras, tendo prestado os mais relevantes serviços ao seu país e à sua terra, devendo-se à sua hábil diplomacia a conservação na nossa posse da ilha de Bolama, de cuja soberania a Inglaterra nos quis esbulhar, exornando, por isso, com mais esse nome, os seus títulos.

Venceu pelo seu talento e pelo seu valor, numa das épocas mais agitadas da política portuguesa em que apareceram grandes estadistas, legisladores e oradores parlamentares, numa luta titânica pela consolidação do regime liberal, como os marechais Saldanha, da Terceira e das Antas, os Duques de Palmela, de Loulé e de Tomar (Costa Cabral), o Marquês de Sá da Bandeira, o Conde de Vila Real, Rodrigo da Fonseca Magalhães, Joaquim António de Aguiar, Silva Carvalho, José Estevam, Garrett, Alves Martins e tantos outros, no meio dos quais ele se distingue, resolvendo várias crises políticas, pelo seu talento, tacto administrativo, honestidade e saber, o que lhe rendeu grande prestígio, não esquecendo nunca, no meio de tanto esplendor, a terra que lhe foi berço e para a qual conseguiu os maiores benefícios; e assim, em 4 de Julho de 1833, obteve a elevação da vila da Horta a cidade, por Decreto Imperial, ainda em pleno cerco do Porto, devendo-lhe nós também, além do desenvolvimento da instrução popular e de outras regalias, a nossa autonomia distrital, por Decreto de 28 de Maio de 1836. (…) Sem esta emancipação da tutela de Angra, não teríamos beneficiado da notabilíssima reforma de Passos Manuel que, por Decreto de 17 de Novembro de 1836, criou um Liceu em cada capital de Distrito, no Continente e nas Ilhas Adjacentes.

António Lourenço da Silveira Macedo, referindo-se ao Liceu da Horta, na sua História das Quatro Ilhas que Formam o Distrito da Horta, diz:
"Tendo o Ministro do Reino, Marquês de Ávila e de Bolama, apresentado, em 1871, um projecto de remodelação da Instrução Pública e outro sobre Administração Política e da Fazenda, sobre contribuições, apresentaram as câmaras do Distrito, a Sua Majestade, a necessidade, não só da conservação do Liceu, mas da validade dos exames nele feitos, para a admissão a cursos superiores, bem como sobre as contribuições, que nos Açores já eram muito elevadas, ao que o governo atendeu".

Como se vê, desde a sua fundação, o curso do nosso Liceu constituía preparação bastante para dar ingresso na Universidade e Cursos superiores, mantendo-se na mesma categoria dos outros liceus açorianos, até à Reforma de 1895, em que os liceus de Angra e de Ponta Delgada passaram a Centrais, ficando o da Horta apenas Nacional. Já não tínhamos quem advogasse a nossa causa. Bem haja, pois, o nobre Duque, a quem estas terras tanto devem.

Extracto de uma "Alocução" proferida pelo DR. GABRIEL BAPTISTA DE SIMAS, professor efectivo do 2º grupo do Liceu Nacional da Horta, na comemoração do 1º centenário do mesmo Liceu, no dia 1º de Dezembro de 1952, in "O 1º CENTENÁRIO DO LICEU NACIONAL DA HORTA", Ano Escolar MCMLII-MCMLIII, Horta, 1953, 144 p.



João José da Graça



Data de 1857 o início da imprensa na ilha do Faial, devendo-se este passo civilizador a João José da Graça, nome dos mais ilustres da terra faialense, nascido na cidade da Horta aos 15 de Abril de 1836. Dotado de rara mentalidade e muito afeiçoado aos livros, cedo começou a evidenciar-se como pessoa sabedora. Com pouco mais de dezassete anos, na sua casa da rua do Arco, já leccionava francês e inglês pelo método de Olendorf, que aperfeiçoou e, depois, como professor do liceu, sempre usou. Ultrapassando as velhas fórmulas do ensino de línguas, adquiriu notoriedade. Os alunos apareciam-lhe em barda, a ponto de ter que procurar casa mais ampla. Contudo, espírito irrequieto e atento aos ruídos do mundo, não lhe sofria o ânimo a vida da sua terra, morna e fechada, sem meios de divulgação. A sua ideia insistente era publicar um jornal; e tanto a manteve e alimentou, que conseguiu realizá-la. Em 1856, de combinação com um amigo, foi de abalada até à América, de onde regressou em Maio do mesmo ano, trazendo para a Horta uma máquina de impressão. Semelhante ousadia do jovem Graça assustou os senhores da terra, habituados, desde época imemorial, à intangibilidade pública de todos os seus actos. Ardeu Tróia. O amigo, e sócio capitalista, intimidou-se. A máquina aterradora ficou muda, dentro dos caixotes da viagem.

João José da Graça, tornado uma espécie de revolucionário, discutido por todos, uns admirando-o, outros desancando-o, ao ver que a tentativa empeçava, deixou o amigo apegado ao medo e tratou de arranjar um segundo prelo. Veio este também da América (Boston) mas agora em melhor comandita, porque auxiliado pelo governador civil do distrito, Luiz Teixeira de Sampaio. Houve ainda o não pequeno embaraço da falta de tipógrafo, que João José da Graça em breve habilitou, guiando-se por um manual explicativo da maneira de compor e imprimir. Também faltaram algumas letras gradas, para títulos, o que, uma vez mais, não constituiu tropeço porque as mandou fundir, mesmo na Horta, por um hábil artista. Tudo remediado, foi montada a tipografia na loja do prédio nº 3 da actual rua de Ernesto Rebelo. Enfim, após luta tenaz, numa pertinácia de iluminado, João José da Graça lançou a público, em 10 de Janeiro de 1857, o primeiro número de um periódico noticioso e literário intitulado O Incentivo, o qual, porém, de literário e noticioso, passou insensivelmente a entremeter-se nos assuntos da vida política, comentando-os, criticando-os. Ora, como, nos termos das leis, qualquer jornal que inserisse nas suas colunas matéria de carácter oficial devia habilitar-se com uma fiança de 2.000$000 reis, ou hipoteca do mesmo valor em bens de raiz, obrigação que O Incentivo não satisfazia, resultou a suspensão do periódico (Abril 1858) e a condenação do redactor em polícia correccional, na pena de seis meses de prisão e 200$000 reis de multa. Os influentes locais exultaram. Pelas esquinas apareceram versos satíricos endereçados aos grandes da governança, não escapando às alfinetadas os membros da vereação. Eram anónimos, está bem de ver; mas como Graça estava na berlinda, logo lhe atribuíram a autoria. Mas não. Era de outros, dos oprimidos. João José da Graça não tinha medo, combatia a descoberto; tanto assim que, daí a cinco meses, ainda em ferros de El-Rei, redigia secretamente outra folha - A Torcida - de leitura cáustica, como nunca tivera O Incentivo. No entanto, aborrecido com a hostilidade criada à sua volta, ausentou-se com a família para o continente, à procura de ocupação e mirando futuro de melhor colheita, mais garantido. Lá relacionou-se com mestre Castilho, relação que depois sempre manteve. De Lisboa requereu à Câmara atestado de comportamento, que necessitava para documentar uma pretensão oficial. O despacho que lhe deram foi deste teor: "Acordam em vereação, etc. …Que a conducta do suplicante não foi regular e conforme um bom cidadão. Horta, 11 de Janeiro de 1860. O Presidente Mariz Sarmento, Lacerda, Nobrega, Silveira". Ainda lhes doíam as alfinetadas.
Regressou à Horta em Maio de 1860. A 23 de Janeiro de 1862 lança a público a folha semanal O Atlântico, que deixou meses depois, trespassando a propriedade da tipografia e periódico ao doutor Manuel Francisco de Medeiros, para ir residir em Angra, onde se entregou ao ensino e redigiu os jornais A Terceira, O Eco Açoreano, e Eco Agrícola. De Angra voltou em 1867, provido na regência da cadeira das línguas francesa e inglesa do liceu da Horta. Daí a meses estava já a redigir um novo jornal de feição política, A Palavra. E pelos anos adiante, sempre operoso, deitou a público mais as seguintes gazetas: Correio da Horta (dedicado à instrução), O Observador (independente), A Verdade (político), Pôrto Franco, Vida Nova (literário) e A Regeneração (político). A personalidade de João José da Graça é, sem dúvida, uma das mais evidentes e prestimosas da terra faialense: assinalou-se pela sua energia e combatividade, pelo espírito de iniciativa, pela multiplicidade de aptidões, como jornalista de pulso, como professor douto, como jurisconsulto hábil, como publicista e como político probo. Exerceu, por diferentes vezes, funções directivas de importância, designadamente como presidente do Município, onde a sua acção foi culminante: remodelando os serviços e fecundando as finanças, lançou a Câmara no bom caminho, rejuvenescida nas suas fontes de receita, que ele próprio desde logo utilizou na realização de vários e importantes melhoramentos. Deixou impressos alguns trabalhos, uns didácticos, outros apologéticos: compêndios de ensino, discursos, uma dissertação teológica, etc. Mas, em primeiro lugar e acima de tudo, cabe-lhe a glória de ter sido o introdutor da imprensa na ilha do Faial.

Apontamentos biográficos tirados de: LIMA, Marcelino, "ANAIS DO MUNICÍPIO DA HORTA (História da Ilha do Faial)", Oficinas Gráficas "Minerva", Vila Nova de Famalicão, 1943, 736 pp. (adaptação do texto incluído nas pp. 525 a 529 do capítulo "Jornalismo e Jornalistas")



Florêncio Terra



Nasceu em 18 de Maio de 1858 na Horta, cidade onde faleceu em 25 de Novembro de 1941. Filho de Florêncio José Terra e de Maria dos Anjos Sarmento, Florêncio Terra distinguiu-se no conto, no jornalismo e, ainda, como notável professor e Reitor do ex-liceu da Horta (Liceu Manuel de Arriaga). Foi, além disso, vice-presidente e presidente da Câmara Municipal. Tendo cursado com distinção o Liceu da Horta, aí começou, em 14-10-1888, a reger interinamente a cadeira de Introdução à História Natural. Prestando, de seguida, brilhantes provas em Lisboa, foi em 8-11-1896 nomeado professor vitalício e, posteriormente, Reitor, cargo este que exerceu em duas ocasiões (1907-1911 e 1928-1929).
Como jornalista, dirigiu, com Luís Barcelos, o semanário literário A Pátria (13 de Dezembro de 1876) e, com Manuel Zerbone, publicou posteriormente um novo semanário literário intitulado Biscuit (5 de Julho de 1878). Onde, porém, a sua personalidade de jornalista mais se vincou foi no diário O Açoreano (2ª série, iniciada em 1-3-1895) e no semanário literário e noticioso O Faialense (2ª série, 5-11-1901), este último de parceria com Marcelino Lima e Rodrigo Guerra. Colaborou ainda no Grémio Literário Faialense, em O Telégrafo, no Correio da Horta e em diversas revistas e jornais do Continente (Ocidente, Branco e Negro, Revista Literária de "O Século", etc.). Assinava os seus artigos e contos usando, geralmente, os seguintes pseudónimos: "Ri…Cardo", "X", "XXX", "Y", "Máscara Verde", "Nemo", "Zague" e "Ignotus".

Destacam-se, da obra literária de Florêncio Terra", três livros póstumos: Contos e Narrativas (1942 e, em 2ª edição, 1981), Munhecas (1979) e Água de Verão (segundo volume de Contos e Narrativas, 1987). Para Teatro escreveu a comédia Helena de Savignac e, em colaboração com o seu amigo Manuel Zerbone, o drama Luísa. No Romance salientam-se O Engeitado, Vingança da Noviça e As Duas Primas (incompleto), os dois últimos escritos, sob o pseudónimo "Zigue e Zague", em co-autoria com Zerbone. A 30 de Abril de 1958, a Câmara Municipal da Horta, por proposta do presidente Dr. Sebastião Goulart, deliberou que fosse colocada uma lápide na sepultura de Florêncio Terra e dado o seu nome ao Jardim Público da cidade. A 21 de Novembro de 1987, a edilidade, então presidida por Herberto Dart, voltou a homenagear Florêncio Terra, mandando cunhar uma medalha evocativa e colocar uma fotografia sua no Salão Nobre dos Paços do Concelho.

Nota Biográfica com ligeiras alterações ao texto original, extraída de "ÀS LAPAS: Contos e Narrativas Faialenses", antologia organizada por CARLOS LOBÃO, edição da Direcção Regional dos Assuntos Culturais e da Câmara Municipal da Horta, 254 pp., Horta, 1988

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