terça-feira, 10 de março de 2009

Apontamentos da História dos Açores

As nove ilhas dos Açores foram formadas por acção de vulcões gerados no fundo do oceano, há poucos milhões de anos e que, em fases sucessivas, lançando lavas e cinzas, acabaram por vir à superfície.

Depois, os séculos foram passando, e a natureza foi cobrindo esses montes pedregosos e cinzentos de terra trazida pelo mar que lhes juntou também sementes de várias plantas (cedros, conteiras, faias, urzes, etc.) algumas delas só existentes nestas ilhas. Mais tarde, vieram os animais anfíbios - como as focas ou lobos do mar e os aéreos - garças, cagarros, milhafres, corvos marinhos, etc.

E passaram-se anos e anos sem que ninguém soubesse que estas ilhas existiam.

Lendas antigas falam num continente - a Atlântida - que existira entre a Europa e a América e que teria desaparecido com o Dilúvio, ficando fora de água apenas as altas ilhas dos Açores, Madeira e Canárias. Mas, é claro, são lendas, porque a moderna vulcanologia demonstra que no local dos Açores, nunca existiu qualquer continente.

Os Açores só foram ocupados e povoados pelos portugueses no séc. XV. Reinava em Portugal, El-Rei D. João I, o de Boa Memória.

(Adaptado)

Carlos Melo Bento, História dos Açores, 1988

O DESCOBRIMENTO DOS AÇORES


Um dos problemas mais discutidos da História dos Açores é, sem dúvida, o que se refere à data do seu descobrimento e bem assim ao nome do seu descobridor.

Vêm estas ilhas citadas no “Libro del Conoscimiento” (1350) e em mapas italianos e catalães a partir de 1351.

Segundo Duarte Leite, a expedição de portugueses e genoveses, enviada em 1341 por D. Afonso IV às Canárias teria tocado na MADEIRA e nos AÇORES, pela primeira vez. Ter-se-ia, depois, verificado a redescoberta ou descobrimento oficial de qualquer dos dois arquipélagos.

A este propósito, afirma Joaquim Veríssimo Serrão (História de Portugal, II, p. 145):

“Não é de pôr em dúvida que houve viagens isoladas a uma ou mais ilhas dos AÇORES, pois os genoveses foram tentados pelo Atlântico ao longo do século XIV (...). Como já se referiu a propósito da Madeira, não se tratava de viagens científicas ou conducentes ao povoamento ou à exploração das ilhas. Nem sempre a ancoragem teve lugar, podendo suceder que os nautas se limitassem a encontrar terras de que tomavam conhecimento”.

Se se admitir esta hipótese como a mais correcta, é posta em causa a teoria clássica, fundamentada no nosso maior cronista - Gaspar Frutuoso - que, nas Saudades da Terra, apresenta a exploração dos AÇORES como se tendo verificado a partir de 1431. Sigamo-lo:

“Pelas informações e notícias que o Infante D. Henrique tinha d'estas ilhas dos AÇORES , (...) ou porque Deus lh'o inspirava para bem destes reinos, no ano do Senhor de 1431, reinando em Portugal el-rei D. João, de Boa Memória (...) tendo o dito infante em casa um nobre fidalgo e esforçado cavaleiro, chamado Frei Gonçalo Velho das Pias, comendador do Castelo de Almourol (...) o mandou descobrir destas Ilhas dos AÇORES a Ilha de Santa Maria e por ventura a de S. Miguel (...) o qual partiu no dito ano da vila de Sagres, e navegando com próspero vento para Ocidente, depois de passados alguns dias de navegação (...) teve vista de uns penedos (...) chamados agora todos Formigas (...)”. (Liv. III, p. 5).

Ainda segundo este relato, Gonçalo Velho regressara desgostoso a Sagres, tendo sido enviado nesta mesma missão no ano seguinte. Desta vez, com mais sorte, teria aportado a Santa Maria em 15 de Agosto de 1432. S. Miguel, segundo a versão do pai da nossa historiografia, só se atingiria doze anos mais tarde, ou seja em 1444.

Esta versão acerca da data do descobrimento dos AÇORES manteve-se como a mais correcta até meados do séc. XX, baseada, fundamentalmente, nas Saudades da Terra. É a partir desta altura que o mapa de Valsequa, de 1439, começa a ser estudado com a maior profundidade, ainda que o tenha sido antes por alguns autores, cujas conclusões concordam, em parte pelo menos, com a leitura que actualmente se faz da sua legenda respeitante aos AÇORES. Aí os AÇORES - contrariamente ao que acontecia em cartas anteriores - encontram-se em posição geográfica muito próxima da correcta, só sendo, no entanto, desenhadas oito ilhas. Os seus nomes são exóticos. Na legenda, diz-se:

“QUESTAS ISLAS FORAM TROBADAS POR DIOGO DE SUNIS (?) PELOT D'EL REI DE PORTOCALO SILVES MCCCCXXVII ANO DE (?) MCCCCXXXII"

A leitura já de si difícil desta legenda, foi agravada pelo facto de sobre ela se ter derramado um tinteiro, por sinal numa altura em que a escritora Georges Sand visitava o museu onde este documento fundamental para o conhecimento de um facto de tão grande importância do nosso passado se encontrava arquivado.

De qualquer modo, e até que novos elementos surjam a lume, a moderna historiografia admite que o descobrimento dos AÇORES se verificou no ano de 1427, por Diogo de Sunis, de Nacionalidade Portuguesa. Frei Gonçalo Velho teria, depois, sido encarregado do respectivo povoamento. Refira-se, ainda, que só as sete ilhas que compõem os grupos Central e Oriental do arquipélago foram descobertas nesta viagem. As Ilhas do grupo Ocidental seriam descobertas em 1452, por Diogo de Teive.

Carlos Cordeiro, Perspectivas da História dos Açores, SREC/DRAC 1985

(...) O alemão Martin Behaim, ainda no séc. XV, referiu-se ao descobrimento dos Açores, numa legenda do célebre globo por ele construído em 1492.

Martin Behaim (ou Martinho da Boémia) viveu alguns anos em terras portuguesas, desde 1484, tendo-se casado com uma filha de Jos Hurtere, donatário das ilhas do Faial e do Pico, foi redactor das memórias de Diogo Gomes, aludindo a duas viagens - descobridora a primeira, e portadora de toda a espécie de animais domésticos, a segunda - referindo-lhes porém, as datas de 1431 e 1432, e a composição das frotas, sem indicações de chefes (...).

Fragmentária, dispersa, adulterada ou confundida com outros dados, a noção de se terem realizado nos anos de 1431 e 1432 viagens portuguesas aos Açores, numa das quais, pelo menos, teria tido ingerência Frei Gonçalo Velho, constitui a base dos relatos de Diogo Gomes, Martin Behaim, Valentim Fernandes e Gaspar Frutuoso.

Teriam sido, porém, essas as primeiras viagens portuguesas aos Açores? A esta pergunta responde negativamente uma lenda lançada por Gabriel de Valsequa, na carta que desenhou em 1439, e que por mais próxima do descobrimento, merece especial atenção (...).

Assim, o pouco que com suficiente segurança, pode afirmar-se a respeito das primeiras navegações portuguesas por águas Açorianas consiste no seguinte: em 1427, um navio pilotado por Diogo Silves atingiu o arquipélago Açoriano, de que em 1439 eram já conhecidas sete ilhas que compõem os grupos oriental e central. Entre essas duas datas, enviou o Infante expedições de reconhecimento que ali foram lançar animais domésticos.

É ainda plausível que estas expedições tivessem tido lugar em 1431 e 1432, e que as comandasse Frei Gonçalo Velho.

Damião Peres, História dos Descobrimentos Portugueses, Portuc. Ed.

CONCLUSÃO SOBRE O DESCOBRIMENTO DO ARQUIPÉLAGO:

Se nos disserem: que a ilha de Santa Maria foi descoberta em 1427, em viagem de busca ou resultante do condicionalismo físico do Atlântico; que o Bispo de Burgos, D. Afonso de Cartagena, sabia em 1436 desse descobrimento, julgando que se tratava da imaginária ilha do Brasil; que o mapa de André Bianco do mesmo ano de 1436 ainda não registava os Açores, nem se conhece outro que anteriormente os representasse; que por carta régia, de 2 de Julho de 1439, o Infante D. Henrique foi autorizado a mandar povoar as sete ilhas dos Açores até então descobertas, onde ele, aliás, já tinha mandado deitar ovelhas; que, no mesmo ano de 1439, o cartógrafo Gabriel de Valsequa fez em Maiorca o precioso mapa que regista em posição relativamente correcta o arquipélago dos Açores; que por morte do Rei D. Duarte, em Setembro de 1438, o Infante D. Pedro passou a Defensor e depois Regente do Reino, que seria essa a razão por que lhe havia sido dado atribuir o nome de S. Miguel à maior das ilhas encontradas, nesta região do Atlântico; que o historiador Gaspar Frutuoso, nascido em Ponta Delgada no ano de 1522, disse que nunca mais saíra da lembrança dos homens graves de S. Miguel (e ele conheceu alguns com mais de 100 anos de idade) ter esta ilha sido descoberta doze anos depois de achada a de Santa Maria (1); que na contagem do tempo cronológico entre duas datas se entrava, na época, com a primeira e a última (exemplo: de 1427 a 1438, doze anos); que as alegações do bispo de Burgos, de 1436, referente às Canárias, teriam servido de aviso quanto às ilhas achadas sem habitantes, aos dirigentes portugueses; que, por isso, havia o perigo de poderem passar a mãos estranhas as ilhas descobertas se, oportunamente, Portugal não tornasse pública a sua existência e não começasse o seu povoamento; - se nos disserem, enfim, que afora a ilha de Santa Maria (1427), as outras de S. Miguel, “Jesus Cristo”, S. Luís, S. Dinis, S. Jorge e Graciosa, assim designadas no testamento do Infante D. Henrique, foram descobertas no ano de 1438 - nós, pelas razões precedentemente apontadas, acreditamos que sim; e que, se pelos motivos descritos quando tratámos das de S. Tomás e Santa Iria, se optar por que elas tenham sido achadas em 1449, é hipótese que aceitamos, sem quaisquer reticências.

(1) - Tem-se considerado inimaginável que só passados doze anos após a descoberta da ilha de Santa Maria se tivesse visto ou achado a de S. Miguel, relativamente próxima, mas não se conta com o facto de aquela estar durante tempos sozinha, sem ser povoada - talvez mesmo doze anos.

Viriato Campos, Sobre o Descobrimento e Povoamento dos Açores,

Col. Europamundo, Ed. Europress


DOCUMENTOS ANTIGOS RELACIONADOS COM O DESCOBRIMENTO E POVOAMENTO DE ILHAS NO TEMPO DO INFANTE D. HENRIQUE, NA ZONA DO ATLÂNTICO


- Relatório, datado de 27 de Agosto de 1436, de D. Afonso de Cartagena, Bispo de Burgos, que embora elaborado em Basileia não se destinava ao Concílio que então aí se realizava, mas a habilitar o embaixador de Castela na Cúria Romana, Luís Alvarez Paz, a defender com judiciosos argumentos o direito de conquista das Canárias junto do Papa (Eugénio IV), o que expressamente se diz na 5ª parte do referido relatório. Este documento resultou da notícia da súplica referente a novas pretensões portuguesas sobre as Canárias, apresentadas ao Papa, em Bolonha, por uma embaixada que se dirigia para o Concílio, à frente da qual ia o Conde de Ourém.

- Carta de Afonso V, de 2 de Julho de 1439, concedendo autorização ao Infante D. Henrique para mandar povoar as “sete” ilhas dos Açores até então descobertas e onde ele já tinha mandado deitar ovelhas.

- Mapa do cartógrafo maiorquino Gabriel de Valsequa, feito em 1439, assinalando a descoberta do Arquipélago.

- Carta régia, de 5 de Abril de 1443, isentando Gonçalo Velho e os povoadores das ilhas dos Açores que nelas estivessem e vivessem de pagarem imposto sobre mercadorias saídas para o Reino.

- Carta régia, de 20 de Abril de 1447, isentando os moradores da ilha de S. Miguel, para “todo o sempre”, do pagamento da dízima de alguns géneros mandados para o Reino.

- Carta régia, de 10 de Março de 1449, que reafirma a de 2 de Julho de 1439 atrás referida, dando licença ao Infante D. Henrique para mandar fazer o povoamento.

- Trecho da “Crónica dos feitos da Guiné”, de Gomes Eanes de Zurara, datada de 18 de Fevereiro de 1453, mas alterada e acrescentada após a morte do Infante D. Henrique - portanto depois de 13 de Novembro de 1460.

- Excerto do aditamento apenso ao testamento do Infante D. Henrique, feito em 13 de Outubro de 1460.

- Trecho da “Crónica de el-Rei D. Afonso V”, de Rui de Pina, terminada no limiar do séc. XVI.

- Relato verbal do navegador Diogo Gomes feito a Martin Behaim - na parte que respeita às ilhas dos Açores.

- Notas sobre os Açores no conhecido “Globo de Nuremberg”, da autoria de Martin Behaim.

- Excertos d'O Manuscrito “Valentim Fernandes”, relativos às ilhas Açorianas.

Viriato Campos, Sobre o Descobrimento e Povoamento dos Açores, Col. Europamundo, Ed. Europress


O POVOAMENTO DOS AÇORES

À semelhança do que se verificou, por exemplo, na Madeira, mas diferentemente do que sucedeu nas Canárias, o arquipélago açoriano ofereceu-se completamente virgem aos europeus. Foram eles que, na verdade, o desfloraram ao desembarcarem nas suas praias de calhau e ao desinçarem, pela roçagem e pelo fogo, as suas matas de arbustos odoríferos e de árvores frondosas.

De onde partiram esses povoadores que aportaram às ilhas dos Açores para cumprir pena de degredo ou para responder, voluntariamente, ao chamariz da concessão de uma terra de sesmaria (“dada”)? Repare-se como a forma jurídica da sesmaria suscitou um quadro de relacionamento com a terra que foi comum tanto ao repovoamento de Castela ou do Algarve português, como à colonização da Madeira, dos Açores, das Canárias, do Brasil ou das Índias de Castela.

Com base no estudo genealógico realizado por Gaspar Frutuoso, é possível determinar três grandes zonas de proveniências dos colonos que se fixaram nos Açores: o Reino, a Madeira e outros países da Europa. Só que a parcimónia das referências genealógicas e a sua propensão para contemplar os representantes dos estratos mais elevados não permitem que se responda a muitas curiosidades que neste domínio podem afluir ao nosso espírito. Impõe-se, pois, o recurso a outros tipos de informação, como a toponímia, o falar, a identificação dos oragos, os costumes, a habitação, o arranjo dos campos, etc...

João Marinho dos Santos, Os Açores nos sécs. XV e XVI, vol. I, SREC/DRAC, 1989

Só em 1439 nos surge o primeiro documento oficial focando o povoamento dos AÇORES. Trata-se da carta de D. Afonso V autorizando o Infante D. Henrique a mandar povoar as ilhas dos AÇORES, donde se conclui que só cerca de 12 anos após o seu descobrimento se pensou seriamente no seu povoamento, numa altura em que o Infante D. Pedro era defensor do reino, por D. Afonso V ainda não ter atingido a maioridade.

CARTA RÉGIA AUTORIZANDO D. HENRIQUE A POVOAR OS AÇORES

“Dom Affonso, etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que o infante D. Henrique meu tio nos enviou dizer que elle mandará lançar ovelhas nas sete ilhas dos Açores e que se nos aprouvesse que as mandaria povoar.. - E porque a nos dello praz lhe damos logar e licença que as mande povoar. E porem mandamos aos nossos védores da fazenda, corregedores, juizes, e justiças, e a outros quaesquer que esto houverem de ver que lhas leixem mandar povoar e lhe não ponham sobre ello embargo, e al não façades. Dada em a cidade de Lisboa 2 dias de Julho. Elrei o mandou com autoridade da Senhora rainha sua madre como sua tutor e curador que é, e com acordo do infante D. Pedro seu tio defensor por elle dos ditos reinos e senhorios. Pais Rois a fez escrever e sobrescreveu por sua mão. Anno do nascimento de nosso Senhor Jesus Christo de mil IIIJC XXXIX (1439).”

(Cit. em Arquivo dos AÇORES, v. I, p. 5)


Ao desembarcarem nas ilhas, os povoadores construiram os primeiros abrigos, cafuas e barracas de madeira e palha, desbravaram cavaram os primeiros terrenos em volta deles, e lançaram à terra as sementes que traziam: trigo, aveia, favas, lentilhas, ervilhas, centeio, cevada. Utilizaram todo o tipo de alfaias agrícolas necessárias para o início da vida em terra virgem e selvagem.

O medo, os receios, perturbavam-lhes os ânimos supersticiosos, numa terra cheia de mistérios. É significativa a seguinte passagem das Saudades da Terra (Liv. IV, v. I, pp. 14/15):

“Onde (S.Miguel) morando os descobridores em suas cafuas de palha e feno, ouviram quase por espaço de um ano tamanho arroído, bramidos e roncos, que a terra dava com grandes tremores, ainda procedido da subversão e fogo do pico que se sumiram dantes, que estando todos pasmados e medrosos, sobstentando a vida com muito trabalho, assentaram de se tornar para o reino, mas por falta de embarcação o não fizeram, por ser já tornado o navio em que haviam vindo.”

RELATO DOS MAIORES ABALOS DE TERRA E ERUPÇÕES DURANTE OS SÉCULOS XV E XVI

1444 Abalo de terra nas Sete Cidades - S. Miguel

1522 (22 de Out.) - Abalo com epicentro nas proximidades de Vila Franca do Campo (S. Miguel). Frutuoso descreveu-o como tendo sido “um grandissimo e espantoso tremor de terra, que durou por espaço de um Credo”. Seguiram-se, na altura outros tremores menores. Aquela povoação foi subvertida por uma montanha que se despenhou da parte norte. Da ribeira para oriente tudo foi assolado e os moradores submersos, estimando-se, com possível exagero, que tenham morrido 5 000 pessoas. Frederico Machado afirma que a intensidade atingiu 10 graus na escala de Mercalli.

1547 (17 de Mai.) - Três violentos abalos de terra sacudiram a parte norte da ilha Terceira, tendo-se verificado desabamentos de casas e mortes de pessoas e animais.

1562 (23 de Ago.) - Depois de a terra tremer dezasseis vezes, “com contínuos e horrendos abalos e tão grandes estrondos, como de grossas peças de artilharia”, verificou-se o derrame de lava basáltica, sob a forma de corrente, a partir da “serra”, na ilha do Pico, mais propriamente entre S. Roque e a Prainha do Norte. Os fenómenos prolongaram-se por vários dias de Agosto e Setembro. A carta I regista, na respectiva legenda, o “muito fogo que nela ha e ouve” assinalando ainda a fonte de “mistério”.

1563 (24/25 de Jun.) - Novamente a terra tremeu sobretudo em Vila Franca, sucedendo-se outros abalos nos dias seguintes. O vulcão de Água de Pau entrou em actividade e a “cinza” principiou a cobrir a maior parte da ilha. Fortes trovoadas fizeram crescer alguns cursos de água, os quais maiores prejuízos ainda causaram. Perto da vila da Ribeira Grande, o Pico do Sapateiro também começou a vomitar “fogo”, correndo regatos de lava até ao mar. Tendo visitado o arquipélago em 1576, o italiano Pompeo Arditi encontrou ainda fresca a memória destes acontecimentos telúricos, pelo que registou no seu relato: “[...] e l'anno del 1563 dicono che la vigilia di San Pietro, apresso a una terra chiamata Villa-franca, incominciò a poco a poco a tremar la terra, e poco di poi tuttta lìsola grandissimamente, il qual terremoto durò tre dì continui...”.

1580 (28 de Abr.) - Tremores e erupções em S. Jorge durante quatro meses. A terra abriu-se em “gretas” e delas correram ribeiras de lava que atingiram o mar. Os estragos em casas, gados e culturas foram avaliados em 150.000 cruzados (o equivalente a 10 000 moios de trigo).

1591 (26 de Jul.) - Desde esta data até 12 de Agosto houve diversos abalos de terra em S. Miguel, Terceira e outras ilhas. Pela segunda vez, Vila Franca do Campo foi particularmente fustigada (houve pessoas mortas), sendo menores os danos nas mais ilhas.

GENTES QUE PARTICIPARAM NO POVOAMENTO

Pelos documentos até agora revelados e estudados, pela tradição até ao presente chegada, pelos caracteres antropológicos ainda hoje evidentes, pela antroponímia e pela toponímia ainda mantidas, pelas características das habitações, que ainda perduram, podemos em certa medida precisar quais terão sido os participantes do chamado povo açoriano.

Assim, sabe-se que, para Santa Maria e para S. Miguel foram, no início, gentes da Estremadura, do Algarve e do Alentejo, que vieram povoar estas paragens.

Para as ilhas Terceira e Graciosa foi o povo das províncias nortenhas, que sob o comando de Jácome de Bruges deram o seu valioso contributo na valorização das respectivas terras. Para o Faial, foram as famílias flamengas que, no séquito de Josse de Huertere ali desenvolveram as primeiras indústrias locais, dentre as quais a do pastel. Para S. Jorge, foram também muitos homens da Flandres que, acompanhando Guilherme Vandraga - depois, da Silveira - acabariam por fixar-se no Topo. Para o Pico, foram, a primeiro, famílias terceirenses que se instalaram para a banda das Lajes e, depois, flamengos idos do Faial. Para as Flores e para o Corvo - a mesma massa anónima do povo das várias províncias que, de mistura com os flamengos, acabariam por introduzir e desenvolver aí a vida humana.

É claro que não foram apenas gentes das diversas províncias do continente que terão participado do povoamento dos Açores.

Ao mesmo tempo que elas vieram, sabe-se que trouxeram consigo muitos mouros e negros, conforme o atestam diversos documentos e costumes, que ainda hoje se conhecem, principalmente nas ilhas de S. Miguel e de Santa Maria, da Terceira e de S. Jorge.

Em 1474, com a compra da capitania de S. Miguel por Rui Gonçalves da Câmara, filho de João Gonçalves Zarco, teriam vindo parar a esta ilha muitas famílias já formadas na Madeira. Todos esses elementos, bem como outros, que se lhe seguiriam, como judeus e cristãos-novos, acabariam por cruzar-se com as populações já estabelecidas nas várias ilhas, ao mesmo tempo que muitos dos habitantes das terras primeiramente povoadas e exploradas, iam participando do povoamento das demais. Teria sido, por exemplo, o caso dos terceirenses que, segundo parece, se estabeleceram no Faial, no Pico, na Graciosa, em S. Jorge e nas Flores.

Dentre os elementos estrangeiros, que colaboraram na formação do povo açoriano, encontramos à cabeça da lista os flamengos, cuja vinda para algumas destas ilhas se encontra suficientemente esclarecida, graças aos estudos de Ferreira de Serpa, Marcelino Lima, Ferreira Drumond, Silveira Avelar, Azevedo da Cunha, Martim Afonso Jardim Cunha da Silveira e outros.

Com os mesmos flamengos, e depois, viriam também alemães, italianos, franceses, castelhanos, ingleses, normandos e belgas, uns em maior, outros em menor número.

Carreiro da Costa, Esboço Histórico dos Açores, Instituto Univ. dos Açores


Igualmente tardio (tal como o do Pico) terá sido o início do povoamento das ilhas ocidentais, embora se presuma que os primeiros “senhores” tenham lançado no ilhéu do Corvo alguns casais de escravos para dinamizar a pastorícia. Chagas, um florense seiscentista, afirma concretamente o seguinte: “Aqui néstas térras báixas [do Corvo] começáram a situar os primeiros povoadôres, que fôram os filhos e nétos dos da ilha das Flôres...”. Além desta informação, o autor fornece outras a respeito deste assunto, mas provavelmente incorrectas, pelo menos em parte. afirma, por exemplo, com base em tradição antiga, que Guilherme de Vandaraga terá sido o descobridor da ilha (sabe-se que a ilha do Corvo e, também, a sua vizinha já em Janeiro de 1453 eram conhecidas). O mesmo informador identifica, ainda, a proveniência de alguns dos primeiros povoadores livres: de Évora seria o capitão Pedro da Fonseca, os Frágoas teriam antepassados em Braga, da Madeira terá vindo um apelido Vieira, da Praia (Terceira) seriam os Vazes. Além deste é conhecida a participação dos flamengos na colonização, mas não na descoberta da ilha das Flores.

João Marinho dos Santos, Os Açores nos Séculos XV e XVI, vol. I, SREC/DRAC, 1989

Os povoadores portugueses que para as ilhas se dirigiam tinham certamente como maior motivação a possibilidade de obterem terras próprias que, depois de desbravadas e cultivadas, iriam permitir que aquele objectivo fosse alcançado. Por seu lado, os estrangeiros que nos AÇORES se fixaram teriam como campo de interesses as tarefas comerciais.

Às famílias que se vinham fixar nos AÇORES eram concedidas terras de acordo com as determinações da Lei das Sesmarias. Assim, a pessoa a quem era concedida a terra assumia a obrigação de, no fim de cinco anos, a ter completamente desbravada de mato e arvoredo, tornando-a arável, mas ainda de construir uma casa e curral para gado. Cumpridas estas obrigações, a terra passava a pertencer-lhe. As cartas de concessão eram passadas pelo capitão, em nome do donatário.

Em 1487, o duque de Viseu, donatário das ilhas, chama a atenção dos capitães para a necessidade de uma distribuição mais justa das terras, de modo a existir um incentivo maior à fixação de populações no arquipélago.

Carlos Cordeiro, Perspectivas da História dos Açores, SREC/DRAC, 1985

SISTEMA ADMINISTRATIVO DOS AÇORES

Relativamente ao sistema político-administrativo dos AÇORES nos primeiros séculos da sua colonização, saliente-se as grandes dificuldades de que enfermou sempre a administração pública nas ilhas, não só pela distância em relação ao poder local, mas também devido às dificuldades de adaptação das respectivas cúpulas à vida insular, de modo a garantirem um bom exercício do governo e da administração no próprio local.

DONATÁRIOS

De uma maneira geral, pode afirmar-se que as ilhas pertenciam ao Monarca mas este, para efeitos de descentralização dos seus poderes e senhorios, delegava uns e outros nos chamados donatários que se comportavam, posto que à distância, como autênticos senhores do Arquipélago.

A História jamais registou que algum donatário viesse de visita até aos Açores.

O Arquipélago constituia uma única donataria, o que correspondia a um único donatário.

Esse donatário, geralmente infante da Casa Real, recebia os seus poderes do próprio Rei, por meio de cartas de doação, especialmente passadas, pelas quais lhe eram concedidos direitos e isenções de tal importância que se poderia considerar um autêntico monarca em relação às ilhas.

Assim, ao donatário eram concedidas praticamente todas as rendas cobradas e cobráveis no Arquipélago.

Ao donatário pertenciam todos os direitos de entradas e saídas, rendas e direitos reais, foro, tributos e imposições, montes rotos e por romper, rocios, pascigos e árvores, fontes, ribeiros, pescarias, etc..., etc..., sem esquecer toda a jurisdição do cível e do crime.

O Rei apenas reserva para si e seus sucessores alguns direitos como o de declarar guerra ou paz em nome dos moradores, o de ninguém não poder alienar as ilhas, o de correr a moeda do próprio Rei, e bem assim o de sustentar com os dízimos cobrados os serviços do domínio religioso.

O primeiro donatário que os Açores tiveram foi o próprio Infante D. Henrique, filho, como se sabe, de D. João I e de D. Filipa de Lencastre e grande animador das operações relacionadas com o descobrimento e povoamento das ilhas.

Depois da morte do Infante D. Henrique, foi donatário de todas as nove ilhas seu sobrinho D. Fernando e, seguidamente, os duques de Viseu e de Beja. Daí a passagem da donataria para D. Manuel que, ao ser aclamado rei, a incorpora na Coroa, assim como o mestrado da Ordem de Cristo que possuía a autoridade espiritual nas ilhas. Cessa a partir desta altura a donataria das sete ilhas dos AÇORES, mantendo-se, no entanto, o sistema de capitanias. As ilhas das Flores e do Corvo possuiam um sistema de donataria especial.

Carreiro da Costa, Esboço Histórico dos Açores, Instituto Univ. dos Açores, 1978

CAPITÃES DOS DONATÁRIOS


Pouco se sabe da primitiva administração dos Açores na época que se situa entre 1439 e 1474. Não existem indicações precisas de como eram regidos os seus poucos habitantes nem dos cargos que existiam.

Ainda que, em meados do século XV, Gonçalo Velho nos apareça já designado com o título de capitão de S. Miguel e Santa Maria pelo Infante D. Henrique, seu donatário, a organização em capitanias só foi uniformizada em 1474 pela Infanta D. Beatriz, tutora do donatário D. João, duque de Viseu, então menor.

As nomeações para o cargo de capitão do donatário eram feitas a título vitalício e hereditário mas, quando se verificava qualquer caso de sucessão, eram geralmente confirmadas pelo donatário e próprio rei.

Não eram poucas as regalias concedidas aos capitães dos donatários. Salientam-se as seguintes:

- Jurisdição do cívil e crime, excepto penas de morte e talhamento de membros, exercidas em nome do donatário.

- Exclusividade de moínhos de cereais (excepto os manuais), atafonas, fornos de pão (excepto os destinados a uso pessoal.

- Direito de relego na venda do sal.

- Direito à redízima (10% da dízima devida ao donatário) e a 10% das rendas devidas ao donatário.

- Concessão de terras aos colonos, que tinham como obrigação aproveitá-las no prazo de cinco anos.

- Direito à nomeação dos magistrados e demais funcionários para a cobrança dos dízimos e direitos reais.

É claro que tais concessões eram feitas como contrapartidas de certas obrigações que cabiam ao capitão do donatário, como sejam o desenvolvimento do povoamento e aproveitamento económico das ilhas e prática da justiça. Como atrás se referiu, é a partir de 1474, com a carta de confirmação da compra da capitania de S. Miguel por Rui Gonçalves da Câmara e outros diplomas do mesmo género (ex. a divisão da ilha Terceira em duas capitanias), que se uniformiza a organização dos AÇORES em capitanias, contemplando os aspectos administrativos e judiciários da alçada do capitão do donatário.


QUADRO DOS 1ºs CAPITÃES DONATÁRIOS

CAPITANIAS CAPITÃES DOS DONATÁRIOS
Sta. Maria e S. Miguel Gonçalo Velho; João Soares de Albergaria
Sta. Maria (a partir de 1474) João Soares de Albergaria
São Miguel (a partir de 1474) Rui Gonçalves da Câmara
Terceira Jácome de Bruges
Angra e São Jorge (a partir de 1474) João Vaz Côrte Real
Praia da Vitória (a partir de 1474) Álvaro Martins Homem
Graciosa Duarte Barreto
Faial e Pico José de Huertere
Flores e Corvo Diogo de Teive

Quadro elaborado com base em Carreiro da Costa, Esboço Histórico dos Açores, IUA, 1978.

Entretanto, a vida municipal ia-se desenvolvendo, com a criação de diversas vilas: Vila do Porto, Vila Franca do Campo, Ponta Delgada, Angra, Velas, Água de Pau, etc. É certo que a criação de sucessivos concelhos, onde tinham a participação as ordens sociais, como poder novo que constituía, entrou muitas vezes em conflito com os poderes dos capitães. Tal situação conduziu mesmo à determinação, por parte de D. Manuel, no sentido dos capitães-donatários não assistirem às reuniões das Câmaras e que, quando a elas estivessem presentes, não tivessem “mais de hua so voz como qualquer dos officiais das ditas villas”. (Alvará de 8 de Maio de 1521. - Arquivo dos AÇORES, vol. IV, pág. 42).

A partir da aclamação de D. Manuel como rei, o governo temporal dos AÇORES é integrado na Coroa, e logo a seguir a própria espiritualidade, terminando assim a donataria dos AÇORES, como atrás se referiu. Seguindo a tendência centralizadora que o Estado português vinha desenvolvendo, cedo foi notória a acção de D. Manuel neste sentido, em relação aos AÇORES: em 8 de Março de 1497, determina que só se cumprissem nos AÇORES os diplomas legais por ele assinados (Arquivo dos AÇORES, vol. III, p. 19); em 4 de Julho de 1499 é assinado o foral alfandegário para as ilhas dos AÇORES.

É, no entanto, a criação do lugar de corregedor, em 1503, que mais significativamente marca o controlo do poder central em relação às prerrogativas dos capitães-donatários. Competia ao corregedor percorrer os concelhos de todas as ilhas uma vez por ano, afim de conhecer as possibilidades dos municípios, presidir às respectivas eleições, autorizar certas despesas, julgar em segunda instância, estabelecer posturas em conjunto com os vereadores, etc. (António Lourenço Macedo, História das 4 ilhas..., vol. I, pág. 33). Os municípios eram obrigados a conceder-lhe aposentadoria, bem como aos seus directos colaboradores, enquanto se encontrasse em correição.

Por alvará de 1521 é determinada a alçada do corregedor que, no crime fica com competência para punir com morte os escravos, sem direito a apelação, e degredar nobres até 10 anos. No cível, pode punir, sem apelo, até 20$000 réis. (Arquivo dos AÇORES, vol. I, p. 40).

Esta tendência centralizadora é, ainda, visível no alvará de 3 de Agosto de 1534 que determina a exigência de dois corregedores para os AÇORES: um com alçada em S. Miguel e Santa Maria; outro para a exercer nas restantes ilhas, determinando o tempo que o corregedor devia permanecer em cada ilha no exercício das suas funções.

A presença de um corregedor era de tal modo incómoda aos capitães dos donatários, uma vez que controlava e limitava os respectivos poderes, que, em 1544, por influência de D. Manuel da Câmara, capitão-donatário de S. Miguel, se regressou à primitiva organização de uma só corregedoria para todo o arquipélago, o que possibilitava uma presença menos contínua do corregedor em cada uma das ilhas.

Mas seguindo a tendência geral de Portugal, o Estado burocratiza-se também nos AÇORES. Complicam-se os quadros de funcionalismo administrativos exigidos pela cobrança de impostos, pelas actividades marítimas, agrícolas e industriais. Acentua-se a intervenção do Estado ao nível da economia (o Estado mercantiliza-se), através da publicação de vários regimentos para garantia da qualidade de certos produtos, como o pastel; da criação da Provedoria das Armadas da Índia, cujos objectivos eram a protecção das armadas contra os corsários e ainda o respectivo reabastecimento. Convém ainda, referir a preocupação constante no controlo das alfândegas, o que se deduz de vários documentos que focam o assunto.

EXPLORAÇÃO ECONÓMICA DOS AÇORES SÉCS. XV E XVI

AGRICULTURA E PECUÁRIA

Vitorino Magalhães Godinho (A Economia dos Descobrimentos Henriquinos, p. 166) ao tratar da importância económica das ilhas, afirma: “Os vectores que conduziram os portugueses às Ilhas foram, com excepção do ouro, os mesmos que os levaram a Marrocos: o pão e a carne, o açúcar, as cores para a tinturaria e os couros; e mais o vinho e as madeiras”.

Com efeito, a exploração económica do Arquipélago iniciou-se conjuntamente com os primeiros trabalhos de povoamento. O denso arvoredo que existia nas diversas ilhas foi aproveitado não só para exportação de madeiras, mas sobretudo para a construção naval em diversos estaleiros como, por exemplo, o da Povoação em S.Miguel.

A proliferação do gado vacum e miúdo lançado no início da década de trinta garantiu a alimentação dos primeiros colonos que se dedicam, em grande número à pecuária.

A preocupação fundamental era, porém, a cultura frumentária, de que não só as crónicas, mas também diversa documentação constituem prova.

De facto, como as primeiras sementeiras de trigo não forneceram os resultados esperados, foi mesmo posta em dúvida a vantagem do povoamento das Ilhas. A muito breve trecho, porém, as dúvidas dissiparam-se, e a produção do cereal foi espantosa.

Ainda no século XV inicia-se a exportação de trigo para o Continente e praças africanas, além de ser utilizado na confecção do biscoito para provisão dos navios que passavam pelos portos açorianos.

Em 1443 uma carta régia determina a isenção de todos os direitos aos produtos insulares que fossem descarregados em Portugal. Em 1447 nova carta régia, desta vez focando a ilha de S. Miguel, isenta da dízima todo o pão, vinho, pescado, madeiras, legumes que fossem descarregar a qualquer porto do reino, tendo por objectivo que a ilha de S. Miguel fosse “bem povoada”.

Do texto destes dois documentos se deduz a preocupação do infante D. Pedro quanto ao fomento demográfico, agrícola e económico dos AÇORES e ainda a tentativa de resolução do problema cerealífero do Continente.

Mas, se a cultura do trigo é a mais importante, não se pode, no entanto, falar na existência de uma monocultura nos AÇORES.

Com efeito, ainda no século XV é introduzido nos AÇORES o pastel que passa a constituir uma fonte de riqueza importante para o arquipélago. O pastel dava como produto final uma anilina para a indústria têxtil que era exportada de preferência para Flandres. Segundo Gaspar Frutuoso, foi cultivado inicialmente no Faial, para onde os flamengos teriam levado sementes. Posteriormente o rei, vendo o interesse económico da cultura do pastel nas ilhas, fez um contrato com os moradores de S. Miguel e outras ilhas, segundo o qual passaria a fornecer as sementes e os engenhos prontos a funcionar, em troca do pagamento pelos cultivadores do dízimo e da vintena de todo o pastel produzido.

Outro produto importante para a indústria têxtil era a urzela, que produzia uma tinta castanha. Era exportado sobretudo para Inglaterra e Flandres e produzido principalmente em S. Miguel e S. Jorge.

A cultura da cana-do-açúcar foi durante os séculos XV e XVI uma das mais importantes dos AÇORES ainda que se não tenha verificado em todas a ilhas. Objecto de grande interesse por parte das entidades oficiais, o cultivo da cana sacarina cedo teve de ser abandonado nos AÇORES, não só porque os terrenos não suportavam muito tempo o desgaste de uma cultura tão esgotante, mas também porque a lenha para os engenhos começou a escassear e a cana foi atacada pelo chamado bicho-da-cana ainda na primeira metade do século XVI.

Ainda no que se refere a aspectos agrícolas, há a salientar a cultura da cevada, que, de certo modo, se pode considerar como um complemento da cultura do trigo. Além destes produtos, cultivava-se todo o género de legumes que, com a carne, serviam de base de alimentação às populações.

Toda esta actividade agrícola iria ter repercussões na produtividade das terras que, progressivamente, se iam esgotando. É assim que, a partir de meados do século XVI se passa a utilizar a técnica dos outonos das terras, através da sementeira do tremoço, cujas ramas eram cortadas nos meses de Dezembro e Janeiro e enterradas para se tornar a lavrar as mesmas terras - técnica que se mantém ainda nos nossos dias.

Em relação à pecuária, como já atrás se referiu, aos primeiros povoadores “faltava a fome (…) para tanto mantimento” (Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra,Liv.IV, v. II, p. 179) uma vez que o gado lançado no início da década de trinta havia proliferado em grande quantidade. Este mesmo cronista afirma que a carne não tinha preço e que as reses mortas eram dependuradas nas portas das casas para que quem quisesse levasse a carne que pretendesse. As miudezas não eram aproveitadas e grande parte dos animais não era domesticada. Além deste gado bravo, existiam lavouras com animais domesticados que, além da carne e do leite, forneciam uma ajuda preciosa aos lavradores no cultivo das terras.

Relativamente à pesca, acentue-se a grande variedade e abundância de peixe nos mares dos AÇORES: chernes, peixe-escobar, peixe-galo, congros, gorazes, pargos, abróteas, sargos, salmonetes, garoupas, bicudas, etc. e diversas espécies de marisco. Além de garantir o sustento dos pescadores e contribuir para a alimentação das populações locais, o pescado servia ainda para prover as armadas do reino e forasteiras que escalavam os portos das ilhas. Dos fígados do albafar extraía-se o óleo que era utilizado na iluminação e na calafetagem de embarcações.

ACTIVIDADES INDUSTRIAIS

Uma das primeiras actividades industriais verificadas nos AÇORES foi a construção naval. A existência de denso arvoredo de diversas qualidades, desde cedo, foi aproveitada para a construção dos mais diversos tipos de embarcações, em várias ilhas onde as costas se encontravam animadas por estaleiros navais em plena laboração.

Os mestres, designados por carpinteiros da ribeira, eram, na sua maioria, oriundos de Portugal (…) grande parte das ligações entre as diversas localidades da mesma ilha era feita por mar, devido às difíceis condições dos caminhos terrestres.

Outra actividade “industrial” era a moagem e granagem do pastel que, como se viu, teve grande incremento durante o século XVI.

O fabrico do biscoito torna-se, também, uma actividade bastante importante para o abastecimento das armadas que passam a tocar os portos dos AÇORES (principalmente o de Angra) em número crescente.

Os couros, o fabrico do calçado, bem como a correagem tiveram também grande incremento, o que aliás se compreende se se tiver em conta o aumento demográfico que se verifica fundamentalmente a partir de fins do século XV.

A introdução do linho mourisco permite o arranque da indústria da tecelagem de panos grosseiros, ainda que se mantenha a importação de fazendas finas estrangeiras, procuradas essencialmente pelas classes mais endinheiradas.

Gaspar Frutuoso chama-nos ainda a atenção para a indústria da designada pedra-hume, ou seja a obtenção de alúmen através de determinados veios da pedra que se encontrava junto às caldeiras. Duas fábricas foram construídas - uma nas caldeiras da Ribeira Grande, outra no vale das Furnas - ambas com vida efémera.

COMÉRCIO

Relativamente ao comércio interno, há que ter em conta que a rede viária das diversas ilhas não correspondia às necessidades de uma economia de mercado. Pouco a pouco, porém, as vias vão melhorando permitindo o trânsito de carros com sebes que, com maior ou menos dificuldade, transportavam as mercadorias entre as localidades. Era, no entanto, a via marítima a mais utilizada, mesmo na ligação entre localidades da mesma ilha.

À medida que a economia de mercado vai progredindo, aumenta o número de carreteiros, bem como da classe marítima, e ainda a importância da actividade comercial. Com efeito, Gaspar Frutuoso (Saudades da Terra, liv. IV, v. II, p. 12), ao referir-se à ilha de S. Miguel, diz:

“Há nesta ilha, neste tempo de agora, e sempre houve, número de trinta até quarenta homens da terra, que todos negociam de três até vinte, trinta, quarenta mil cruzados de suas fazendas e pastel e outras mercadorias, com muita verdade, cumprindo a risco o que fiam e prometem, negociando uns com outros partidas de muita quantidade, sem escrituras, com suas palavras (…)”.

Resumindo os aspectos da economia açoriana neste período (de meados do século XV a meados do século XVI), pode salientar-se:

1 - Que se tratava de uma economia essencialmente agrícola (incluindo a pecuária) derivando daí algumas indústrias como a moagem de cereais, a panificação, a granagem do pastel, a preparação de curtumes, o fabrico de calçado, a construção naval, além de outras de menor expressão;

2 - Que este carácter acentuadamente agrícola não implicou ausência de comércio, uma vez que desde cedo se exportaram os excedentes de produção;

3 - Ora, deste comércio resultava a chegada de dinheiro de contado aos AÇORES, o que permitiu a monetização generalizada da vida, condição prévia para a formação de uma economia de mercado;

4 - Esta monetização da vida económica irá ter implicações ao nível do trabalho: “À semelhança do que se passa, então, na Europa, a instalação da economia de mercado em S. Miguel faz recuar o trabalho servil e instalar o trabalho assalariado, a jorna e a empreitada, ainda que recorrendo à remuneração em géneros (sobretudo em trigo), são já um facto em fins do século XV e princípios do XVI” (Ibidem, p. 41).

Carlos Cordeiro, Perspectivas da História dos Açores, SREC/DRAC, 1985

ALGUNS CONHECIMENTOS HISTÓRICOS

Os Açores contribuiram para a História de Portugal não só com a sua revelação geográfica e com o seu povoamento, mas igualmente com vários acontecimentos ocorridos nas ilhas.

1 - Durante os fins do séc. XV e princípios da centúria seguinte, as ilhas dos Açores desempenharam papel de relevo no tocante às viagens de exploração para Ocidente. A primeira viagem que certamente se fez para Ocidente, com proveito, deverá ter sido a de Diogo Teive e Pedro Vasquez de La Frontera. Foi nessa viagem que Diogo de Teive terá encontrado em 1542, a Terra Nova e no regresso descoberto as Flores. Em 1491 ou 1492, partiram por mando de El-rei, para a América, Pedro Barcelos e João Fernandes Lavrador. A designação de Terra do Lavrador deve-se a João Fernandes que era lavrador na ilha Terceira. Essas tentativas seriam depois continuadas por Vasco Corte-Real e seus irmãos Gaspar e Miguel ao longo das costas setentrionais da América, pelos anos de 1501 e 1502, explorando o litoral da Terra Nova.

2 - Os Açores tiveram igualmente muita importância nas viagens de retorno.Até à organização do “Atlântico dos espanhóis”, a grande rota que tocou os Açores foi a das especiarias e drogas asiáticas ou, se se preferir, a das “Índias Orientais”. De facto, na torna-viagem as naus da Índia demandavam, por norma, o arquipélago.Numa primeira fase, correspondente ao primeiro quarto do século XVI, a “rota do Cabo” parece ter dado preferência aos portos micaelenses, com relevo para o de Vila Franca. Depois, como resultado do “terramoto” de 1522, Ponta Delgada substituiu o porto Vila-franquense, embora por pouco tempo, já que o fundo baixo e de pedra não era propício à acostagem das naus. Soava a hora decisiva de Angra e, eventualmente, de outros portos das “ilhas de baixo” (Porto Pim do Faial, Velas de S. Jorge e Praia da Graciosa).A criação da “provedoria das armadas e naus da Índia”, em Angra, afirmou-se, inegavelmente, como um instrumento útil para o apoio quer à “rota do Cabo”, quer à das “Índias de Castela”.Esta será, de facto, a grande rota dos metais preciosos (ouro, sobretudo numa primeira fase e, depois, prata), mas não apenas. As pérolas, a canafístula, os couros, a cochonilha, o açúcar e os escravos constituirão outras mercadorias valiosas que por ela circulavam. Em finais do século XVI, a dimensão da frota das “Índias de Castela”, a que por vezes se juntavam as naus da Índia portuguesa, chegou a ser surpreendente. Em Setembro de 1591, por exemplo, reuniram-se na “paragem do Corvo” 140 embarcações, “tanto da Espanha como das Índias”. Desde a “paragem do Corvo” ou “volta das Flores”, os navios eram escoltados até um porto açoriano (Angra, por norma), onde eram abastecidos de “refresco”, organizando-se depois o combóio de embarcações (incluindo as da armada) em direcção a Lisboa e San Lúcar.

ANGRA DO HEROÍSMO

Justificação da inscrição para o número 206 da lista do Património Mundial, feita pelo International Council on Monuments and Sites (Icomos) em Paris, Junho de 1983:

“Na história das explorações marítimas dos séculos XV e XVI, que permitiram a comunicação entre as grandes civilizações da África, da Ásia, da América e da Europa, Angra do Heroísmo tem um lugar relevante; este porto da ilha Terceira, nos Açores, serviu de elo de ligação, durante quase três séculos, entre a Europa e os Novos Mundos. Vasco da Gama, em 1499, Pedro de Alvarado, em 1536, instauraram a obrigação de aí fazerem escala as frotas da África Equatorial, das Índias Orientais e Ocidentais, aquando das suas viagens de regresso à Europa. Uma “Provedoria das Armadas e naus da Índia” foi aí instalada.

3 - Nos anos de 1580 a 1582 - aquando da crise nacional que Portugal atravessa - os Açores participam activamente desse mesmo processo. Enquanto a maior parte do Arquipélago, por virtude de vários factos, cedo acaba por optar pelos Filipes, apenas a Terceira se arvora em único e último bastião de defesa da causa do Prior do Crato. No ano de 1581, na ilha Terceira, ocorre a memorável batalha da Salga em que 2000 soldados de Pedro Valdez eram destroçados junto de Porto Judeu pelos partidários de D. António auxiliados por uma grossa manada de gado bravo e levados pelo entusiasmo da humilde Brianda Pereira. D. António, prior do Crato, era apoiado por uma armada francesa - armada que travaria, em frente de Vila Franca do Campo (S. Miguel), a famosa batalha naval de que o marquês de Santa Cruz saíu vencedor (27.7.1582). Após o domínio total dos Açores, os Castelhanos organizaram um Governo-Geral com sede em Angra.

4 - Em 1589 e 1597, as armadas inglesas dos Condes de Cumberland e de Essex fariam as maiores depradações nalgumas ilhas, especialmente na do Faial e dariam combate aos navios portugueses e espanhóis vindos do oriente, do Brasil e das Índias Ocidentais.

5 - Decorridos os 60 anos do domínio filipino e aclamado D. João IV, as ilhas dos Açores imediatamente aderiram ao movimento restaurador, verificando-se porém, grande resistência dos castelhanos sitiados na fortaleza principal da cidade de Angra.As guerras da Restauração sacrificaram muitos açorianos que se distinguiram não só no Reino como também no Brasil.Em 1969, era encerrado na referida fortaleza de Angra D. Afonso VI donde seguiu para Sintra após seis anos de cativeiro no Monte Brasil.

6 - As reformas pombalinas chegaram também aos Açores com algumas medidas de carácter administrativo, económico e religioso. Pelo decreto de 2 de Agosto de 1766, os Açores passariam a ser governados por um capitão-general, com residência em Angra.

7 - A revolução de 1820 teve repercussões no Arquipélago, sobretudo na ilha Terceira. Na Vila da Praia, em 1829, travou-se uma grande batalha entre miguelistas e liberais, com a vitória destes últimos. Em 1830, era formado na Terceira um Conselho de Regência e em princípios de 1832 chegava aos Açores D. Pedro IV, aqui formando um governo sob a presidência de Palmela e de que fazia parte Mousinho da Silveira. As grandes e discutidas reformas deste último foram todas promulgadas nos Açores que passaram a construir uma província.

8 - Nos fins do século XIX, os Açores passaram a ter um regime especial de administração pública, sendo conferidas atribuições especiais de fomento e obras públicas às Juntas Gerais dos distritos. Esta nova forma de governo, com a formação dos três Distritos Administrativos, impossibilitou definitivamente uma acção conjunta da economia do arquipélago. S. Miguel, mais precisamente Ponta Delgada, e também a Horta desenvolveram-se comercialmente. Angra perde a sua primazia política e administrativa entrando em declínio. A nível agrícola tentou-se explorar industrialmente o tabaco, a batata doce, a beterraba, o chá, a chicória, etc., que não ofereceram ao agricultor preços compensadores. Optaram pela solução da criação de gado para produção de leite e carne. Este processo levou ao aumento das áreas de pastagens e, em contrapartida, a diminuição da cultura do milho e do trigo, que passaram a ser importados.

9 - Ainda no fim deste século instalou-se um cabo submarino ligando a Horta a Lisboa, e daí, a todo o mundo; a que se segue a montagem de outros cabos transformando a cidade num dos principais centros das comunicações telegráficas da 1ª metade do séc. XX. O primeiro voo transatlântico, em 1919, fez escala na Horta, seguindo-se-lhe de 1939 a 1945, os majestosos “clippers” da Pan American.

10 - Por volta de 1930, surgiram as duas primeiras fábricas de atum em S. Miguel. Em seguida instalam-se unidades fabris em outras ilhas: Terceira, Faial, Pico, S. Jorge, Graciosa.

11 - Durante as duas grandes guerras mundiais o arquipélago desempenharia papel de relevo a favor da causa aliada. O estabelecimento das bases militares americanas na Terceira e em Santa Maria, em 1942, conduz a um período próspero para ambas as ilhas, que se transformaram em polos de atracção de mão-de-obra. Depois da guerra, a base de Santa Maria passou a aeroporto comercial e a base da Terceira passa a ser usada pelos americanos só para fins estratégicos.

12 - Nos anos 60 os franceses criaram uma base de rastreio na ilha das Flores.

13 - Encontro de Nixon, Pompidou - Caetano na ilha Terceira em 13 de Dezembro de 1971.

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