quarta-feira, 20 de maio de 2009

Curas

Magia e religião

Orações, relíquias, santos, água benta, a Bíblia e a hóstia eram tidos pela Igreja medieval como detentores de poderes curativos. Contudo, essa magia era mal utilizada por «curandeiras», «mulheres de virtude» e «benzedeiras», como era o caso de Margaret Hunt, que aprendeu a sua arte no País de Gales e a praticou na Diocese de Londres. Em 1528, confessou ter receitado sumos de plantas combinados com orações, mas não chegou até nós registo do castigo que sofreu. Para curar feridas, Margaret aconselhava os seus doentes a recitarem três pais-nossos, três ave-marias e um credo enquanto esmagavam arruda, endro, verbena e malmequeres com um pouco de água benta – as mulheres deviam rezar à Virgem, os homens, a Jesus. Acreditava-se que as feridas eram provocadas por bruxas e que a verbena e o endro contrariavam essa magia.

Em Inglaterra, quem sofria de dores de dentes devia escrever três vezes o seguinte para obter alívio imediato: «Jesus Cristo, por misericórdia, tirai-me esta dor de dentes», recitando depois a frase em voz alta e queimando o papel. Uma hóstia roubada de uma igreja curava todos os males, sendo particularmente boa em casos de esterilidade. Até se dizia que evitava que os criminosos fossem descobertos. A cera de uma vela sagrada era considerada eficaz contra os inimigos. Em Rye, Inglaterra, em 1538, foi registada a cura de uma criança com tosse convulsa que bebeu três vezes de um cálice da Eucaristia. Os caçadores de fortunas acreditavam que era possível descobrir tesouros com a ajuda de três virgens chamadas Maria, gatos pretos e uma tartaruga. Em Espanha, para tentar baixar a febre partia-se a hóstia em três partes, escrevia-se sobre elas e depois comiam-nas.

No início da Idade Média, a Igreja adoptou uma atitude clemente em relação aos praticantes de magia branca. Embora indesejáveis, eram tolerados. A partir do século XIII, os ensinamentos de estudiosos e teólogos, como Alberto Magno e S.Tomás de Aquino, começaram a dominar a religião, e a Igreja tornou-se mais severa em relação a qualquer tipo de magia que não autorizasse. Isso deu origem a política de erradicação da bruxaria, iniciada em meados do século XV.


Poços curativos da Europa

Durante 16 anos, John Trelille foi tão aleijado que só conseguia mover-se arrastando-se sobre as mãos e joelhos. Depois, certa noite, sonhou que era curado no antigo poço sagrado de Madron, não muito longe da sua casa, na Cornualha. Estava-se em Maio, mês em que se dizia que as águas estavam no auge do seu poder, e ele dirigiu-se para o minúsculo baptistério em ruínas que se erguia nas profundezas verdes e sombrias de um bosque.

Observando rituais prescritos curiosamente semelhantes aos dos «templos do sono» da antiga Grécia, John Trelille rezou e lavou-se nas águas que jorravam para uma bacia de pedra. Regressou ao local duas vezes, como era costume para se obter uma cura, e depois ficou capaz de andar sem ajuda e cada vez mais forte. Acabou por se distinguir como soldado e por ser morto em combate em 1644. Foram registadas muitas curas semelhantes no poço de Madron, também usado para adivinhação. Como muitos outros poços curativos da Antiguidade nas zonas celtas da Europa, este era, sem dúvida, um local sagrado pagão cristianizado. Para os Celtas, bem como para todos os Indo-Europeus, as nascentes de água eram entradas no mundo dos mortos. Julgava-se que se tratava de locais particularmente poderosos devido ao facto de as suas águas provirem do interior da mãe-terra.

A possibilidade de esta crença ser anterior aos Celtas pagãos é sugerida pelo nome do rio Kennet, que sai da Swallowhead Spring, próxima da maior elevação tumular do Neolítico na Europa, Silbury Hill, situada em Avebury, no Sul de Inglaterra. A palavra «kennet» provém do nome antigo do rio, Cunnit, possivelmente uma reminiscência da própria língua do Neolítico e que se refere, entre outras coisas, a sabedoria. As plantas que cresciam à volta de Swallowhead eram famosas pelas suas propriedades curativas.


Cura pelo toque

Por volta de 1662, o aristocrata irlandês Valentine Greatrakes teve «um impulso ou estranha persuasão», sentindo que poderia curar através da imposição das mãos. Ele acreditava que o seu poder implicava exorcismo e provinha de Deus, mas no século XVII curar doentes através do toque era considerado traição, pois tal poder pertencia apenas ao rei. Relutantemente, Greatrakes testou o seu dom num homem horrivelmente marcado pela escrófula (tuberculose das glandulas linfáticas). Pousando as mãos sobre o doente, Valentine rezou, e, passado um mês, o homem estava totalmente curado. Depois, tratou várias outras doenças, muitas vezes movendo as mãos num movimento de carícia, mas sem tocar no corpo do doente.

A fama de Greatrakes espalhou-se rapidamente, e em 1665 ele ignorou uma ordem do tribunal episcopal para deixar de praticar. Parecia protegido pela classe a que pertencia, pela sua modéstia e pelo facto de não pedir pagamento. Em 1666, ano em que a peste devastou Londres, partiu para Inglaterra, onde ficou cinco meses, impressionando muitas pessoas famosas, incluindo o químico Robert Boyle e outros membros da Royal Society. Boyle considerava as curas autênticas, mas em parte por sorte; a demonstração de Greatrakes diante do rei Carlos II falhou – talvez, subconscientemente, receasse estar a usurpar o toque curativo do rei. Greatrakes desistiu de utilizar o seu dom passados poucos anos.

O toque tem feito parte da maior parte das terapias, embora o seu valor se tenha perdido, em grande parte, devido à medicina tecnológica moderna. As curas através da imposição das mãos tem sido registadas ao longo da História – na Bíblia, na antiga Grécia e no antigo Egipto. Em 1784, comissões francesas que estudaram o «fluido magnético» que Franz Mesmer afirmava ser o núcleo da sua técnica manifestaram-se a favor da excitação, imaginação e imitação. Os curandeiros actuais afirmam que o toque transfere energia curativa psíquica ou espiritual do curandeiro para o paciente. Porém, se a cura implica sugestão e o efeito placebo, tanto o curandeiro como o doente devem ter uma forte crença.

Na década de 60, o bioquímico Bernard Grad, da Universidade de McGill, Canadá, testou o curandeiro húngaro Oskar Estebany, que era capaz de acelerar a cura de ratos feridos. Estebany também acelerava o crescimento das plantas – caso em que a sugestão não podia ser um factor. Grad também influenciou Dolores Krieger, professora de enfermagem na Universidade de Nova Iorque, que, na década de 70, formulou o toque terapêutico, que envolve o fluxo de energia à volta do corpo do paciente como parte essencial do tratamemo holístico.


A mente que cura

Mary Baker Eddy, nascida em New Hampshire, EUA, em 1921, foi a fundadora do movimento religioso Ciência Cristã – primeira tentativa organizada de tratar doenças por meios puramente espirituais. George Glover, seu primeiro marido, morreu em l843, apenas um ano após o casamento, deixando a sua mulher grávida. Eddy, cuja vida foi afectada por constante falta de saúde, não teve capacidade física para criar o filho, e este foi adoptado.

Em 1862, quando contava 41 anos e estava praticamente entrevada devido a problemas da coluna que a medicina convencional fora incapaz de curar, Mary Baker conheceu Phineas Parkhurst Quimby. Este era um curandeiro que começara por praticar mesmerismo e depois se dedicara ao desenvolvimento da sua própria forma de cura pelo espírito, baseada na mudança de atitudes do indivíduo. Terá conseguido uma cura total. Muito impressionada, Mary Baker estudou os seus métodos. Em 1866, durante a convalescença de uma queda, estava a ler o episódio de Jesus a curar o paralítico. Sentiu-se subitamente inundada pela presença de Deus e levantou-se, curada.

A notável recuperação convenceu-a finalmente de que tanto o mal-estar como a doença eram provocados apenas pela mente e tinham por base erros ou crenças erradas. Ela sentiu que Jesus, através de actos de cura e de vitória sobre a morte, era a demonstração viva do poder da mente eterna.

Estudou profundamente a Bíblia, sobretudo as passagens relacionadas com doenças e curas, e depois começou a colaborar na cura de outras pessoas. Em 1875, publicou Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras, que se transformou no texto-chave da religião Ciência Cristã. O movimento floresceu, e actualmente existem cerca de 3000 igrejas da Ciência Cristã por todo o Mundo.

Talvez devido à sua anterior falta de saúde, a prioridade de Mary Baker Eddy eram as curas. Inicialmente influenciada pelas ideias de Franz Mesmer e Quimby, passou em seguida a ensinar que, se as pessoas acreditassem o suficiente, seriam curadas através do poder de Deus. Até hoje, os cientistas cristãos recorrem a práticas religiosas como solução para obter a saúde.


Cura pela fé ou charlatanice?


Já em criança, na década de 1880, Edgar Cayce (pronuncia-se Casey; 1877 – 1945), do Kentucky, EUA, surpreendia os pais com a sua capacidade para ver «auras». Certo dia, um ser brilhante apareceu-lhe e perguntou-lhe qual o seu maior desejo. Edgar replicou que gostaria de ser capaz de curar os doentes. A seu tempo, Cayce viria a ser, provavelmente, o curandeiro pela fé mais conhecido do século XX.

Tomou consciência do seu poder de curar pela primeira vez aos 21 anos, quando um problema de garganta persistente o levou a procurar a ajuda do hipnotizador Al Layne. Este colocou-o em transe e depois ordenou-lhe que fizesse o diagnóstico do seu problema e se curasse a si próprio. Cayce assim fez, e recuperou a voz. Por sugestão de Layne, em 1901 começou a fazer diagnósticos para os outros, embora não estivesse muito convencido da sua capacidade.

Em breve, milhares de pessoas de todo o Mundo pediam a Cayce que as tratasse. Preferindo não se encontrar com os seus doentes, Cayce anotava os seus nomes e moradas antes de entrar em transe. Fazia então o diagnóstico dos respectivos problemas e recomendava os tratamentos adequados. Não tinha conhecimentos de medicina, e contudo, durante os seus transes, nomeava partes do corpo e pronunciava diagnósticos em termos médicos. Por vezes, os medicamentos que sugeria eram estranhos ou antiquados, mas pareciam resultar.

As capacidades do «profeta adormecido», como Cayce se tornou conhecido, em breve abarcavam mais do que a simples cura. A partir de 1911, mencionava muitas vezes karma nos seus transes, dizendo que as nossas vidas passadas contribuem para as doenças actuais. Dava conferências sobre os continentes perdidos de Atlântida e Lemúria e as suas próprias vidas passadas – uma delas como Ra-Ta, sacerdote egípcio. Profetizou que Cristo regressaria em 1998, quando o Mundo seria abalado por devastadoras mudanças físicas.

Depois da publicação de uma biografia de Cayce em 1943, aumentaram os pedidos de ajuda, e ele aumentou o seu ritmo de conferências, atingindo um máximo de seis por dia e somando 1385 num só ano. Em Agosto de 1944, sucumbiu, exausto, vindo a morrer no mês de Janeiro seguinte, aos 67 anos. Embora a comunidade médica convencional no seu conjunto não subscrevesse as curas de Cayce, individualmente centenas de médicos apoiavam-no, e hoje em dia as suas conferências continuam a ser estudadas.

UM RITUAL DE CURAS

Os Lakota Sioux, da América do Norte, tem um ritual semelhante ao das tendas que abanam dos Algonquinos, do Canadá. Designa-se por yuwipi (que são pequenas ofertas de tabaco envoltas em pano e atadas a um fio colocado à volta das pessoas aflitas) e utiliza-se para curar doentes e adivinhar onde se encontram objectos perdidos. Crê-se que, ao ver o yuwipi, os espíritos sentem vontade de ajudar o doente.

O celebrante do yuwipi faz vigílias solitárias no alto das colinas, rezando a Wakantanka para que este faça aparecer espíritos que o ajudem a curar os doentes. Antes do início dos rituais, o celebrante purifica-se numa tenda de transpiração, uma pequena cúpula formada por troncos de árvores novas, coberta de peles ou de mantas, colocada sobre uma cova com pedras aquecidas. A água que se deita sobre as pedras forma vapor, como uma sauna.

O celebrante começa por rezar as principais manifestações de Wakantanka – Trovão, Sol, Lua, Estrela da Manhã, Águia, Bisonte, Rocha, Animais, Madeira –, segurando um cachimbo sagrado que apresenta a cada ser invisível. Os assistentes cobrem-no com um manto, atam-no com uma corda e colocam-no no centro da tenda junto às ofertas. A sala fica às escuras enquanto os músicos rufam tambores e entoam cânticos. De súbito, começa a ressoar um som de chocalhos no chão e aparecem faíscas – que os Índios dizem ser os espíritos. Estes dizem que têm fome e retiram carne de uma panela. Enquanto o doente se mantém de pé voltado para a parede, os sons parecem mover-se à volta da sala e o doente sente um vento e um toque.

A sessão termina com novos sons de chocalhos e faíscas a dançarem freneticamente pela sala, a fim de recolherem as ofertas de tabaco. Quando tudo acalma, o homem santo pede luz e aparece sentado, sem a corda, ao lado do manto dobrado. As saquinhas de tabaco, os chocalhos e o altar de terra estão em desordem, supostamente provocada pelos espíritos. O fio dos embrulhos de tabaco, agora enrolado, é levado pelo doente como sinal da ajuda dos espíritos. O ritual termina com um Festim.

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